AÇÃO PENAL N° 95.0029880-5


AUTORA : JUSTIÇA PÚBLICA


RÉU    : CARLOS JULIO AVILA


JUIZ: Dr. GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA




SENTENÇA


I. VISTOS.


1. CARLOS JULIO AVILA, qualificado a fls. 03 do IP , foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 338, do Código Penal, porque em data não precisamente determinada, durante o ano de 1993 o denunciado, após ser regularmente expulso do país e dele ter sido retirado compulsivamente, reingressou clandestinamente, tentanto praticar o delito previsto no artigo 155 do Código Penal.

Acompanha a denúncia o competente Inquérito Policial em apenso, de que consta, de relevante, o interrogatório policial do acusado (fls. 03), ofício de apresentação do preso (fls. 06), informação de fls. 12, documentos de fls. 13/22.

2. Recebida a denúncia por despacho datado de 21 de março de 1995, foi o réu regularmente citado, e interrogado (fls. 84). Ofereceu-se Defesa Prévia (fls. 90). Ofício de fls. 67, encaminhando documentos de fls. 68/82.  Folha de antecedentes relativa ao acusado (fls. 105).  Certidão da Escrivã da 14ª Vara Criminal da Comarca da Capital (fls. 120 v).

3. Em alegações finais (fls. 124/125), a Procuradora da República requereu a condenação do acusado nos termos da denúncia. Certidão do Escrivão da 15ª Vara Criminal da Comarca da Capital (fls. 130).

4. Por sua vez, também em alegações finais (fls. 133), a Defensora do acusado requereu a absolvição do mesmo, sob o argumento de que o acusado desconhecia a ilicitude do crime que praticou.


É o relatório.

II. DECIDO :


5. Com efeito, a acusação é procedente, na sua inteireza, inexistindo qualquer causa excludente de ilicitude.  Restou demonstrado, pelo conjunto probatório constante dos autos, que o acusado, após ser regularmente expulso do país, reingressou, clandestinamente, no território nacional, tendo inclusive sido preso quando praticava conduta típica, antijurídica e culpável.  Senão vejamos:

6. A materialidade do delito está devidamente provada pelo decreto de expulsão do acusado, datado de 16 de setembro de 1980, publicado no Diário Oficial de 18 de setembro de 1980 (fls. 68), bem como do termo de expulsão datado de 05 de abril de 1982 (fls. 69), quando inclusive o acusado ficou ciente de que não poderia retornar ao Brasil , sob as penas do artigo 338, do Código Penal (vide texto integral do termo de expulsão).  Da mesma forma, o termo de expulsão de fls. 72, datado de 24 de julho de 1991, novamente menciona expressamente que o acusado não poderia retornar ao país sob as penas do mesmo artigo 338, do Código Penal.

7. Quanto a autoria, indubitavelmente o acusado perpetrou a conduta que lhe foi imputada, sendo de rigor a sua condenação, diante dos elementos de prova existentes nos autos, conforme ora será analisado.

8. Ao ser interrogado perante a autoridade policial, o acusado confessou a prática delitiva, mencionando que teve que deixar o país por duas vezes em razão de processo de expulsão, tendo mesmo assim reingressado no país, alegando que não sabia que estivesse praticando qualquer crime.

Em Juízo, voltou a confessar a prática delitiva, dizendo que não pretende mais retornar ao Brasil.

9. A confissão da acusada, em ambas as fases, aliada a prova material, bem como ao testemunho das pessoas ouvidas na fase inquisitorial, formam um conjunto harmônico no sentido de atribuir ao acusado a autoria do delito mencionado na denúncia, sendo certo que o elemento subjetivo do tipo se encontra presente, pois o próprio acusado foi cientificado da impossibilidade de retornar ao território nacional em virtude da sua expulsão, e mesmo assim o fez, não merecendo credibilidade a sua versão de que desconhecia a ilicitude do fato. Ou seja, a mesma , voluntaria e conscientemente, sabia que estava praticando ilícito, e portanto merece reprovação penal pelo delito cometido.

10. Não há como ser acolhida a tese de erro de proibição , mencionada pela Defesa da acusada, porquanto  não se encontram presentes os pressupostos e condições autorizadoras para tal reconhecimento, inexistindo o desconhecimento alegado.  Com efeito, além de ter sido cientificado por duas vezes da impossibilidade de reingressar no país, o acusado foi condenado por dois anos de reclusão por infringir o artigo 338, do Código Penal (v. fls. 19, in fine, 20, 21 , 22, 80 e 81).

11. O Decreto-lei n° 479, de 08 de junho de 1938, em seu artigo 8°, prevê a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Federal para impor a expulsão, sendo este ato de soberania, e por consequência, de competência federal, não podendo ser apreciado pela Justiça dos Estados.  O bem jurídico tutelado é o prestígio do ato administrativo que determinou a expulsão do solo pátrio do estrangeiro indesejável. O núcleo do tipo penal é reingressar , isto é, tornar ou voltar ao solo pátrio.

12. Como lecionava NELSON HUNGRIA, " o elemento psíquico é o dolo genérico; vontade livremente dirigida à ação de reingresso no território brasileiro. O reingresso, enquanto vigente o decreto de expulsão, há de ser voluntário e consciente. O erro de fato afasta o elemento subjetivo, e o estado de necessidade exclui o crime. "(Comentários ao Código Penal, vol. IX/456/457, Rio, Forense, 1958).

O penalista DAMÁSIO E. DE JESUS, ao comentar a respeito dos elementos objetivos do tipo previsto no artigo 338, do Código Penal, leciona que "a conduta consiste em o estrangeiro , expulso de nosso território, nele penetrar. Reingressar significa voltar, entrar de novo. O tipo pressupõe que o estrangeiro tenha sido expulso legalmente, nos termos dos arts. 65 a 75 do Estatuto dos Estrangeiros (Lei n° 6.815/80)."(Direito Penal, 4° volume, p. 224).

No mesmo sentido são os ensinamentos de MAGALHÃES NORONHA:" NÚcleo do tipo é reingressar no território nacional, isto é, tornar ou voltar ao solo pátrio.  O crime tem um pressuposto, uma situação anterior à execução do fato, sem a qual ele não ocorre. Na espécie, trata-se da expulsão . (...) A expulsão é ato administrativo , entre nós. A Constituição de 1891, após a reforma de 1925 e 1926, estabeleceu no art. 72, § 33: "É permitido ao Poder Executivo expulsar do território nacional os súditos estrangeiros perigosos à ordem pública ou nocivos aos interesses da República". A de 1946 dispôs: "O Governo Federal poderá expulsar do território nacional o estrangeiro nocivo à ordem pública, salvo se o cônjuge for brasileiro, e se tiver filho brasileiro (art. 129, I e II) dependente da economia paterna " (art. 143). Dá a Lei n° 6.815, de 19 de agosto de 1980, art. 66, competência exclusiva ao Chefe do Executivo Federal para impor a expulsão. É esta ato de soberania e, consequentemente, da alçada federal, não podendo ser apreciada pela Justiça dos Estados."(Direito Penal, volume 4, p. 349).

Trata-se de crime de natureza permanente, conforme já reconhecido por nossos Tribunais:

"O crime do art. 338 do CP (reingresso de estrangeiro expulso) é de natureza permanente, de sorte que a prisão em flagrante encontra amparo no art. 303 do CPP. Irregularidade do art. 304 do CPP , que não afeta o ato de custódia. Habeas corpus indeferido. "(TFR - HC - Rel. William Patterson - DJU 17/06/82,p. 5.935).

13.  Verifica-se, in casu, não incidirem os pressupostos e condições do erro de proibição, tendo o acusado praticado conduta típica , antijurídica e culpável, merecendo a devida reprovação penal.



III. " DECISUM ":


13. Na aplicação da pena ao acusado, devo considerar, antes de mais nada, que o mesmo registra péssimos antecedentes criminais, com condenações por delitos de furto, falsidade material , uso de documento falso e reingresso de estrangeiro expulso, conforme fazem certas as certidões de antecedentes criminais de fls. 120 v e 130, possuindo má conduta social, apresentando circunstâncias judiciais que lhe são desfavoráveis, no critério previsto no artigo 59, do Código Penal. Ademais, a sua folha de antecedentes demonstra que a sua personalidade está voltada para o delito.

O conjunto de tais elementos me leva, na aplicação da pena devida a acusada, a estabelecer pena-base em 3(três) anos, de reclusão, sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimento de sua pena, tornando a pena-base definitiva à falta de circunstâncias agravantes ou atenuantes, e de causas especiais de aumento ou diminuição da pena.

14. Estabeleço como regime inicial de cumprimento de pena o fechado,levando em conta os motivos já  referidos, bem como o critério previsto no artigo 33, § 3°, do Código Penal.

15. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido na presente ação penal iniciada pela denúncia de fls. 02, para condenar CARLOS JULIO AVILA, Registro Federal n° 000629249-6, filho de Carlos Julio Avila e de Estela Sotullio, nascido em 29/06/46, a pena de 3 (três) anos , de reclusão, em regime fechado, sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimento da pena, por incurso nas sanções do artigo 338, do Código Penal.

16. Considerando que o acusado não preenche os requisitos do artigo 594, do Código de Processo Penal, não concedo ao mesmo o direito de recorrer em liberdade. Expeça-se mandado de prisão contra o mesmo, recomendando-se-o na prisão em que se encontra.


Transitada esta em julgado, lance-se o nome do acusado no rol dos culpados.

Custas " ex lege ".


P.R.I.C.



Rio de Janeiro,28 de agosto de 1995.




 GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
 Juiz Federal da 25ª Vara

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