LIBERDADE DE EXPRESSÃO


O juiz da  Vara dos Juizados Cíveis da comarca Cícero Dantas-BA, José Brandão Netto, indeferiu o pedido do vereador, ARNOBIO OLIVEIRA DOS SANTOS, que requereu a condenação de um  morador, conhecido como Chitão da Funerária, ao pagamento da indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,000.

Segundo a petição inicial do processo, o réu  proferiu palavras difamatórias contra os vereadores da cidade citada, em via pública, por meio de um carro de som, propalando palavras ofensivas contra os  vereadores, eis  que não se posicionavam contra um determinado projeto de lei da Cãmara local.
Conforme consta nos autos,  os vereadores foram chamados de : "Irresponsáveis, picaretas e lixos da política local".

Ao indeferir o pedido, o juiz   entendeu que não houve ato ilícito, uma vez que, a conduta, apesar das palavras ácidas, está dentro do direito à liberdade de expressão prevista na CF/88, em seu at.5º,IV, verbis:

"Não há nos autos qualquer prova de que o réu tenha proferido os xingamentos diretos em relação à parte autora, até porque as supostas ofensas, são direcionadas àqueles que estejam a favor do projeto de Lei", sentenciou o juiz.

Por ser de Primeira Instância, a decisão está sujeita a recurso.



Segue a decisão abaixo.



Processo Nº: 0000511-45.2019.8.05.0057

Parte Autora: XX

Parte ré: XX

SENTENÇA

 Parte Autora: promoveu a presente Ação de Indenização por Dano Moral em face de Parte ré: todos qualificados nos autos.
Alegou, em síntese, que: a) em 28/02/2019, o autor foi difamado em carro de som em praça pública pelo réu e que essa difamação estendeu-se por 10 dias; b) que a difamação tratava de um projeto de Lei para a concessão de um cemitério público onde o réu citava 6 vereadores que eram contra o projeto e difamava os demais perante a sociedade local; c) na ocasião, o réu propalava palavra de baixo calão aos vereadores que não se posicionavam contra o referido projeto, quais sejam: ¿irresponsáveis¿,¿picaretas¿ e ¿lixos da política local¿; d) alega, ainda, que houve ¿calúnia¿ contra os vereadores não citados pois o réu teria dito que estes ¿venderam os seus votos¿; e) aduz que o projeto de Lei nem tinha sido votado e quando de sua votação em 18/03/2019, por unanimidade o processo foi rejeitado; f) Aduz que é pessoa pública mas que as ofensas ultrapassaram a pessoa do vereador atingindo a ¿pessoa comum¿ e também seus filhos e familiares; g) afirma que as ofensas ultrapassaram o direito à liberdade de expressão e requer indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Com a inicial juntou documentos e no evento 8 juntou áudios com a gravação das supostas ofensas proferidas publicamente em carro de som.
Citado, o réu ofertou contestação no evento 15, e ponderou que: a) não há prova dos fatos alegados; b) se houvesse ofensas seria para os vereadores que votassem a favor do projeto o que não seria o caso; c) apenas teria externado sua preocupação com a situação do cemitério, sem ofender a imagem ou honra do requerente; d) que as críticas estão sujeitas às pessoas públicas como é o caso do vereador; e) que a postura dos representantes do parlamento de tentar impedir manifestação de opinião sobre seus atos afronta aos direitos de liberdade de expressão; f) que apenas externou sua opinião acerca do projeto de Lei e que não há o direito de indenizar.
Não houve acordo na audiência de conciliação.
É O SUCINTO RELATÓRIO.

DECIDO.
Trata-se de Ação de Indenização por Dano Moral movida por ARNOBIO OLIVEIRA DOS SANTOS em face de Parte ré:, ambos qualificados nos autos.
Conheço diretamente da demanda, nos termos do artigo 355, inciso I, do novo Código de Processo Civil. Como ensina Cândido Rangel Dinamarco em lição compatível com o novo CPC: ¿A razão pela qual se permite a antecipação do julgamento do mérito é invariavelmente a desnecessidade de produzir provas. Os dois incisos do art. 330 desmembram essa causa única em várias hipóteses, mediante uma redação cuja leitura deve ser feita com a consciência de que só será lícito privar as partes de provar quando as provas não forem necessárias ao julgamento (Instituições de Direito Processual Civil, v. III, 2ª ed., Malheiros, p. 555).¿
Conforme já decidiu, na mesma linha, o Excelso Supremo Tribunal Federal:
¿A necessidade de produção de prova há de ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique em cerceamento de defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do Magistrado¿ (RE 101171, Relator Min. FRANCISCO REZEK, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/10/1984, DJ 07-12-1984 p. 20990).¿
É o caso dos autos, vez que desnecessária dilação probatória, porquanto as alegações controvertidas encontram-se elucidadas pela prova documental, não tendo o condão a prova oral de trazer quaisquer esclarecimentos relevantes para seu deslinde. No mais, versa a demanda matéria de direito, tratando-se da interpretação dos ditames constitucionais e legais, tendo em vista a matéria objeto do processo.
Destarte, perfeitamente cabível que se julgue antecipadamente o mérito, sem olvidar que, nos termos do artigo 139, inciso II, do Código de Processo Civil, compete ao magistrado velar pela rápida solução do litígio, privilegiando a efetividade do processo, quando prescindível a instrução processual (cf. José Roberto dos Santos Bedaque, Efetividade do Processo e Técnica Processual, 2a ed., Malheiros, p. 32/34), e atendendo a garantia constitucional de razoável duração do processo (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal).
A ação não merece prosperar.
O autor alegou que, em razão da votação de um projeto de Lei na cidade de Fátima, na qual exerce a vereança, houve ofensas proferidas pelo réu, tendo este chamado os vereadores que não se declararam contra o projeto de ¿irresponsáveis¿,¿picaretas¿ e ¿lixos da política local¿.
Juntou cópias do Projeto de Lei e da Ata de Sessão em que o projeto fora reprovado por unanimidade. Não há notícia de que a demandante tenha oferecido queixa-crime.
As partes não conciliaram e requerem o julgamento conforme o estado do processo.
Nos áudios juntados no evento 8, fica claro que em nenhum momento o demandado se dirige à pessoa do demandante. Ao contrário, resta evidente que trata-se de uma narrativa onde o demandado expõe sua opinião e elogia os vereadores que já se opõem publicamente ao projeto de Lei.
Não há nos autos qualquer prova de que o réu tenha proferido os xingamentos diretos em relação à parte autora, até porque as supostas ofensas, são direcionadas àqueles que estejam a favor do projeto de Lei, de forma que tendo este sido rejeitado à unanimidade, as supostas ofensas não atingem a nenhum dos vereadores, mesmo que indiretamente.
Destarte, ainda que fosse citado nominalmente o vereador, ora autor da presente demanda, entendo que as tais supostas ofensas proferidas (¿irresponsáveis¿, ¿picaretas¿ e ¿lixos da política local¿), não teriam o condão de alcançar a injúria passível de indenização, principalmente por tratar-se o vereador,  pessoa pública.
Nesse sentido é a jurisprudência:
TJ-SC - Apelação Cível AC 20130394079 SC 2013.039407-9 (Acórdão) (TJ-SC) Jurisprudência¿Data de publicação: 19/03/2014 EMENTA DIVULGAÇÃO, NAS RUAS DE MUNICÍPIO, ATRAVÉS DE MOTOCICLETA EQUIPADA COM SISTEMA DE SOM, CONTRATADA POR SINDICATO DE TRABALHADORES, ACERCA DA MANIFESTAÇÃO FAVORÁVEL DE VEREADOR À APROVAÇÃO DE PROJETO DE LEI QUE AUTORIZARIA A TRANSFERÊNCIA DA EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO, A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. DEMANDA AJUIZADA POR AGENTE POLÍTICO, PLEITEANDO INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL EM VIRTUDE DE PRETENSO ABALO À HONRA E À IMAGEM. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO VENCIDO, DEFENDENDO QUE O APELADO TERIA OBJETIVADO ATINGIR DE FORMA DIRETA, NEGATIVA E INEQUÍVOCA, SUA CARREIRA PÚBLICA, JÁ QUE FORA O ÚNICO DOS VEREADORES, A TER O NOME REFERIDO NA MENSAGEM SONORA. DIVULGAÇÃO DE FATOS VERÍDICOS, DE INTERESSE PÚBLICO, TRANSMITIDOS EM MENSAGEM CIVILIZADA. INEXISTÊNCIA DE ABUSO NO DIREITO DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. FUNÇÃO PÚBLICA QUE SE SUJEITA À EXPOSIÇÃO, CRÍTICAS E DESAPROVAÇÕES. AUSÊNCIA DE DANO À HONRA E À INTEGRIDADE DO APELANTE, HOMEM PÚBLICO, PELA DIVULGAÇÃO DE SUA CONVICÇÃO A RESPEITO DE PROJETO DE LEI VOTADO NA CASA LEGISLATIVA. CONDUTA CONTRÁRIA AO DIREITO NÃO CONSTATADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. INSURGÊNCIA CONHECIDA E DESPROVIDA. "Os políticos de uma forma geral e, inclusive, quaisquer agentes públicos, pela posição que ocupam e em razão de suas funções estão expostos às mais diversas críticas sobre a sua atuação na administração da máquina pública, devendo conviver e aceitar as insurgências do povo e das pessoas que o representam de alguma forma, só podendo caracterizar abalo a sua moral quando comprovada a má-fé daqueles que o criticaram ou ainda o abuso desse direito por parte desses" (Apelação Cível nº 2008.057056-3, de Brusque. Relator: Des. Saul Steil, j. 27/05/2011).


Sobre o tema, em situação análoga, direta e muito mais ácida, já decidiram os Tribunais ao afastar a injúria contra vereador que teve seu rosto caricaturado pela foto do corpo de um rato, vejamos:

RECURSO INOMINADO. QUARTA TURMA RECURSAL - COMARCA DE FARROUPILHA - CÍVEL Nº 71007188980 (Nº CNJ: 0061255-70.2017.8.21.9000) AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO OFENSIVA EM REDE SOCIAL FACEBOOK. POSTAGEM DE ILUSTRAÇÃO DE CORPO DE ROEDOR COM A CARICATURA DA FACE DO PARLAMENTAR. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AUTOR PESSOA PÚBLICA EXPOSTO A CRÍTICAS EM RAZÃO DO DESEMPENHO DA VENERANÇA. POSTAGEM FEITA DENTRO DE CONTEXTO POLÍTICO E EM ALUSÃO A FATO ESPECÍFICO ENVOLVENDO O AUTOR E DE CONHECIMENTO PÚBLICO. EXCESSO AO DIREITO DE EXPRESSÃO NÃO VERIFICADO. ABALO MORAL NÃO CARACTERIZADO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.

Ademais, toda pessoa que alça voo em funções públicas, em especial na arena política, deve estar propensa a receber em maior número e grau as críticas, até porque tais críticas, foram feitas em um contexto narrativo e de opinião e nitidamente direcionadas aos vereadores que porventura viessem a votar a favor do projeto e não a nenhuma pessoa física. Sobre o tema destaco:
TJ-SC - Apelacao Civel AC 64975 SC 2005.006497-5 (TJ-SC) Jurisprudência¿Data de publicação: 09/09/2005 EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - VEICULAÇÃO DE FATOS SUPOSTAMENTE OFENSIVOS À HONRA DE VEREADOR - PRETENDIDO RESSARCIMENTO PELAS OFENSAS PROFERIDAS EM PROGRAMA DE RÁDIO - INTENÇÃO DE OFENDER NÃO CONFIGURADA - OPINIÃO PÚBLICA - EXPRESSÕES NÃO DIRECIONADAS À PESSOA FÍSICA - VEREADOR SUJEITO À CRÍTICAS POLÍTICAS - HOMEM PÚBLICO - NÃO OCORRÊNCIA DE CALÚNIA, INJÚRIA OU DIFAMAÇÃO - NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ABALO MORAL - PLEITO INDENIZATÓRIO AFASTADO - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS REFORMADA - PEDIDOS JULGADOS IMPROCEDENTES - RECURSO PROVIDO. Eventual ofensa à honra e integridade de um indivíduo, notadamente quando se trata de homem público, deve ser baseada numa acusação injusta, com o desiderato explícito de comprometer seu conceito pessoal e político. O apontamento de fatos supostamente ocorridos durante a vereança do autor, bem como a censura da opinião pública, não devem ser suficientes à configuração do dano moral indenizável, eis que o indivíduo inserido no mundo político, ao assumir determinado cargo, deve ter ciência da possibilidade de enfrentar oposição dos administrados e legislados, os quais depositaram total confiança ao o elegerem como seu representante.

TJ-SC - Inteiro Teor. Apelação Cível AC 574719 SC 2007.057471-9 (TJSC) Jurisprudência¿Data de publicação: 19/06/2009 Decisão: São Carlos (Vara Única), em que é apelante Sizenando Souza Filho eapelado Jair Werlang: ACORDAM, em Segunda...DE OFENDER NÃO CONFIGURADA - OPINIÃO PÚBLICA - EXPRESSÕES NÃO DIRECIONADAS À PESSOA FÍSICA - VEREADOR...SUJEITO À CRÍTICAS POLÍTICAS - HOMEM PÚBLICO - NÃO OCORRÊNCIA DE CALÚNIA, INJÚRIA OU DIFAMAÇÃO - NÃO..



Ante o exposto, com fundamento no inciso I, do artigo 487, do Código de Processo Civil, C/C ART.5º, IVX DA CF/88, JULGO IMPROCEDENTE o pedido ajuizado por ARNOBIO OLIVEIRA DOS SANTOS. 
Nesta fase não há condenação em custas e honorários.
Publicar, registrar e intimar.
Cícero Dantas, 25 de JUNHO de 2019.

JUIZ
 

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