INTRODUÇÃO
 O poder público tem adotado medidas para prevenção e contenção do  novo coronavírus, tendo sido editada a Lei n.º 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, a qual foi regulamentada pela Portaria n. 356, de 11 de março de 2020, do Ministério da Saúde.
 O art. 3º da Lei n.º 13.979/2020 introduziu um rol de medidas a serem implementadas para o enfrentamento da situação emergencial de saúde pública, dentre as quais destacamos o isolamento e a quarentena, tendo a legislação acima referida distinguido ambas as hipóteses na seguinte forma:
Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I – isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e
II – quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.
 Ainda sobre o tema, preleciona a bióloga Helivânia Sardinha dos Santos:
A quarentena consiste em um período em que pessoas saudáveis, mas que estiveram expostas a uma doença transmissível, seja por contato com um doente, seja por estar em regiões de surtos epidêmicos, têm sua liberdade de trânsito limitada.  Embora o nome remeta a um período de quarenta dias, a duração da quarentena é determinada com base no período de incubação da doença, ou seja, o tempo que a doença leva para se manifestar. Essa medida de saúde pública busca, assim, controlar a disseminação da doença. (…) A quarentena diferencia-se do isolamento porque restringe o trânsito de pessoas sadias que teriam sido expostas a um agente infeccioso, podendo estar contaminadas. Já o isolamento é a separação dos indivíduos doentes, portadores de doenças contagiosas. O objetivo das duas medidas, no entanto, é o mesmo: evitar a propagação de determinada doença” (disponível em https://www.biologianet.com/curiosidades-biologia/quarentena.htm.  Acesso em 21 de março. de 2020)
 Ademais, a Portaria interministerial n.° 05 de 2020 (Ministro da Justiça e Ministro da Saúde) dispôs que a autoridade policial poderá lavrar termo circunstanciado em detrimento daquele que for flagrado praticando os crimes previstos nos artigos 268 e 330 do código penal, além do previsto no art. 3º, II, da Lei 13.979/2020 (https://www.conjur.com.br/dl/governo-edita-portaria-autorizando.pdf. Acesso em 21 de março. de 2020).
 Inicialmente, é válido esclarecer que a Portaria apenas regulamentou a forma de prevenção e repressão das condutas relacionadas aos tipos penais alusivos à propagação da pandemia (disseminação mundial da doença) haja vista que a criação dos crimes relacionados ao combate à referida doença não é derivada do mencionado ato normativo, e sim da lei penal, diante do princípio da legalidade insculpido no artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal,  (” não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia  cominação legal”).
Crime de infração de medida sanitária preventiva
  O art. 268 do Código Penal versa acerca da infração de medida sanitária preventiva, nos seguintes termos:
Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.
Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.  O tipo penal visa tutelar a saúde pública, sendo sujeito passivo a sociedade, e a mera  circunstância de não se cumprir as determinações do Poder Público com o fim de  impedir a  difusão de uma doença contagiosa submete o sujeito ativo, em tese, nas penas da  infração criminal prevista no art. 268 do Código Penal, sendo relevante salientar que o tipo possui característica de norma penal em branco, uma vez que imprescinde de complementação nos atos normativos do poder público (portarias, decretos, regulamentos, etc).   
 Desta forma, o agente que descumprir determinação oriunda da legislação (Lei n.º 13.979/20) ou ato administrativo (norma do poder público), que vise impedir a introdução ou a propagação do novo coronavírus no Brasil, desde que o faça com livre consciência e vontade ou assuma o risco de produzir o resultado (dolo direto e/ou eventual), perpetrará, em princípio (a ser criteriosamente analisado no caso concreto),  a infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do CP), ainda que não implique resultado concreto, decorrendo do respectivo descumprimento de norma de cunho obrigatório (delito de perigo abstrato), em razão da presunção de risco causado à sociedade.
 A título de exemplificação, incidirá nas penas da infração de medida sanitária preventiva o agente (diagnosticado com a Covid-19) que, após receber determinação para realizar compulsoriamente testes laboratoriais, deixar de realizá-lo (artigo 3º, III, “b”, da Lei 13.979/20), ou se, isolado por determinação médica, ignorar a medida e circular livremente nas ruas, (artigo 3, I, da Lei 13.979/20).
   Por outro lado,  não configurá o delito se o indivíduo (sadio) apenas descumprir recomendações do poder público, englobando a hipótese do cidadão (não contaminado) que sair para efetivar compras não essenciais (“supérfluas”) em um supermercado ou apenas efetivar um passeio em local não interditado, contrariando uma mera  orientação (e não determinação) dos entes públicos para que “fique em casa”.
  Não é outro o entendimento oriundo do Ministério Público do Estado do  Rio Grande do Sul  (MP/RS), in verbis:
No caso do artigo 268 (infringir de determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa), a pena é de detenção, de dois meses a um ano, com ampliação de um terço se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro. Como exemplo, praticará o crime de infração de medida sanitária preventiva a pessoa que, mesmo após receber determinação para que realize compulsoriamente exame médico, não o faça (artigo 3º, inciso III, alínea “a”, da Lei 13.979/20). Da mesma forma, se a pessoa isolada por determinação fugir, também praticará o crime previsto no artigo 268 do Código Penal (artigo 3º, inciso I, da Lei 13.979/20)  (disponível em https://www.mprs.mp.br/noticias/50852/. Acesso: em 24 de março. 2020)
 Destarte, o crime só incide em caso de descumprimento de imposição legal obrigatória (proibições de acesso a praças públicas, praias, abertura e funcionamento de lojas em comércio ou shopping center, etc),  mas não quando houver apenas recomendações e/ou orientações oriundas do poder público e/ou de profissionais de saúde.
 Por se tratar de crime de perigo abstrato, a simples probabilidade de contágio causado à sociedade, em virtude do descumprimento de determinação do Poder Público, é suficiente para a caracterização do delito, ainda que não ocasione resultado concreto, desde que haja potencial ofensa ao bem jurídico tutelado, ou seja, à saúde pública, conforme preleciona BITENCOURT:
  Consuma-se o crime com a simples desobediência a determinação do Poder Público destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa. Tratando-se de crime de perigo abstrato, desnecessária para sua configuração a efetiva introdução ou propagação de doença contagiosa. Contudo, será necessário demonstrar a idoneidade do comportamento infrator para produzir um potencial resultado ofensivo à preservação do bem jurídico saúde pública, visto sob a perspectiva genérica, caso contrário, a conduta será atípica, pela sua insignificância (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal parte especial 4. São Paulo: Saraiva, 2014, p.293)
 Pode incidir a infração na hipótese de dolo eventual decorrente do fato de o agente ter ciência de que está assumindo o risco de introduzir ou propagar a doença contagiosa, mas descumprir a determinação do poder público. Cite-se o exemplo de uma pessoa ter sido diagnosticada com o vírus, mas se dirigir a uma praia ou local público com aglomeração de pessoas, não se importando acerca dos riscos efetivos de propagação da doença contagiosa.
Crime de epidemia
   Em relação ao crime de epidemia (art. 267 do Código Penal), este é praticado quando determinada pessoa, ciente de estar contaminada pela Covid-19, promover deliberadamente a transmissão da doença a outros.
   Oportuno registrar que a mens legis ( “espírito da lei”) abrange as situações de pandemia, porquanto não haveria lógica em conferir proteção à propagação de uma epidemia e deixar sem tutela penal a propagação do indigitado vírus (muito mais amplo e desastroso para a incolumidade pública), devendo-se conferir uma interpretação extensiva, ainda que se trate de norma penal incriminadora, porquanto a aludida hipótese apenas é vedada nas situações onde se configura um desvirtuamento do sentido da lei.
  Nesse sentido, colaciona-se a seguinte ementa de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF):
“CONSTITUCIONAL E PENAL. ACESSÓRIOS DE CELULAR APREENDIDOS NO AMBIENTE CARCERÁRIO. FALTA GRAVE CARACTERIZADA. INTELIGÊNCIA AO ART. 50, VII, DA LEI 7.210/84, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 11. 466/2007. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCIPIO DA RESERVA LEGAL. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE. 1. Pratica infração grave, na forma prevista no art. 50, VII, da Lei 7.210/84, com as alterações introduzidas pela Lei 11.466/2007, o condenado à pena privativa de liberdade que é flagrado na posse de acessórios de aparelhos celulares em unidade prisional. 2. A interpretação extensiva no direito penal é vedada apenas naquelas situações em que se identifica um desvirtuamento na mens legis. 3. A punição imposta ao condenado por falta grave acarreta a perda dos dias remidos, conforme previsto no art. 127 da Lei 7.210/84 e na Súmula Vinculante nº 9, e a conseqüente interrupção do lapso exigido para a progressão de regime. 4. Negar provimento ao recurso.” (STF RHC 106481, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 08/02/2011).
   A título de exemplificação, é o cenário em que uma pessoa infectada (ciente de sua doença) viaja para uma comunidade isolada onde o vírus ainda não tenha sido propalado e alguns habitantes iniciem um quadro de infecção viral, podendo responder criminalmente pelo delito sub examine, cuja redação do tipo penal foi prevista na seguinte forma:
Art. 267 – Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:
Pena – reclusão, de dez a quinze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)
  • 1º – Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.
  • 2º – No caso de culpa, a pena é de detenção, de um a dois anos, ou, se resulta morte, de dois a quatro anos.
 Se a conduta oriunda do delito resultar em morte, o crime passará a ser hediondo, sofrendo o agente todas as consequências previstas no art. 2.º da Lei 8.072/90.
Crime de perigo de contágio de moléstia grave
 Na hipótese de o agente ter ciência de que está contaminado com moléstia grave e, ainda assim, praticar ato capaz de produzir o contágio, incorrerá nas penas do crime previsto no artigo 131 do Código Penal, in verbis:
Art. 131 – Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Perigo para a vida ou saúde de outrem
  In casu, o crime é doloso e somente pode ser praticado com a presença do elemento subjetivo especial ou fim especial de agir (tradicional “dolo específico), não sendo punível em caso de dolo eventual, em face da motivação específica prevista no tipo (“com o fim de transmitir a outrem moléstia grave…”).
 É o caso, por exemplo, da pessoa que se dirige a um ambiente fechado (elevador com capacidade máxima ocupada), com o intuito direto de transmitir o vírus a terceiros.
 Registre-se, ainda, que  trata-se de delito formal, não sendo necessária, para a sua consumação, a incidência de resultado naturalístico, que seria o efetivo contágio das vítimas situadas no local (elevador, conforme o exemplo acima).
Perigo para a vida ou saúde de outrem
   Em relação à tipificação do delito em comento, prescreve o Código Penal:
 Art. 132 – Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:
Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.
Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)
 O delito é de perigo concreto e doloso (dolo genérico ou eventual), consumando com a conduta relacionada à exposição da vida ou saúde de terceiros. É o caso do agente que, sabendo do seu contágio, resolve descumprir a determinação médica e legal de isolamento, e se desloque para um local público onde exista aglomeração de pessoas, expondo-as à perigo direto e iminente de contágio ou assumindo o risco de produzir o resultado.
 Além disso, o tipo penal tem natureza subsidiária, porquanto  só incide nas hipóteses em que o comportamento do agente não constituir delito mais grave.
Crime de desobediência
  Em relação à infração criminal de desobediência (art. 330), a lei pode ser aplicada se, por exemplo, um agente público determinar que seja disseminada uma aglomeração em determinado local com a finalidade de evitar a disseminação do vírus (reunião de inúmeras pessoas em local público), e o indivíduo se recusar a cumprir a ordem legal, sem motivo justificado, atuando de forma consciente e voluntária (dolo genérico).
      O bem jurídico protegido  é a administração pública, tutelando-se a  sua autoridade e prestígio, sendo ainda delito comum, isto é, pode ser praticado por  qualquer pessoa. 
     Ademais, o tipo penal não se configura quando houver um simples pedido ou solicitação do funcionário, mas sim na hipótese de  uma ordem legal e individualizada  de funcionário público competente, dirigindo-se àquele que tem o dever jurídico de obedecê-la.
    Eis o teor do disposto no artigo 330 do Código Penal: 
Art. 330 – Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
Crime contra a economia popular
 Se o agente provocar o aumento de preço de álcool em gel, aproveitando-se do momento de crise e demanda extraordinária do produto durante o período da pandemia, visando angariar lucros desproporcionais em detrimento da sociedade e do consumidor, incidirá em crime contra a economia popular.
  Nesse ponto, vejamos o teor do art. 3º da Lei 1.521/51 :
Art. 3º. São também crimes desta natureza:
I – destruir ou inutilizar, intencionalmente e sem autorização legal, com o fim de determinar alta de preços, em proveito próprio ou de terceiro, matérias-primas ou produtos necessários ao consumo do povo;
II – abandonar ou fazer abandonar lavoura ou plantações, suspender ou fazer suspender a atividade de fábricas, usinas ou quaisquer estabelecimentos de produção, ou meios de transporte, mediante indenização paga pela desistência da competição;
III – promover ou participar de consórcio, convênio, ajuste, aliança ou fusão de capitais, com o fim de impedir ou dificultar, para o efeito de aumento arbitrário de lucros, a concorrência em matéria de produção, transportes ou comércio;
IV – reter ou açambarcar matérias-primas, meios de produção ou produtos necessários ao consumo do povo, com o fim de dominar o mercado em qualquer ponto do País e provocar a alta dos preços;
V – vender mercadorias abaixo do preço de custo com o fim de impedir a concorrência.
VI – provocar a alta ou baixa de preços de mercadorias, títulos públicos, valores ou salários por meio de notícias falsas, operações fictícias ou qualquer outro artifício;
  É a hipótese do empresário que, aproveitando-se da situação de emergência ou calamidade pública, promover o súbito aumento nos preços, sem motivo justificado, ou seja, atuando  de forma consciente e voluntária para provocar o aumento de preço mediante o artifício (expediente habilidoso) de que o produto estaria em “falta no mercado”.
Crimes contra as relações de consumo
 Em relação ao delito contra os consumidores, trazemos a seguinte tipificação prevista no  CDC (Código de Defesa do Consumidor- Lei n.º 8.078/90):
Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:
Pena – Detenção de três meses a um ano e multa.
  • 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
  • 2º Se o crime é culposo;
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.
 Com efeito, o agente que fizer  afirmação falsa  sobre dados essenciais do  álcool em gel poderá  responder pelo aludido  delito previsto no Código de Defesa do Consumidor ( CDC).
  Cite-se o exemplo do anúncio da venda de álcool em gel a 70% (setenta por cento), embora o produto efetivamente contivesse apenas 46% (quarenta e seis por cento), ofertando-se mercadoria com característica e conteúdo falsos em detrimento da saúde e boa-fé dos consumidores.
  O fato (objeto de tutela do direito penal) consubstancia-se mediante conduta dolosa, isto é, a vontade livre e consciente do agente de  fazer afirmação falsa ou enganosa de produto ou serviço, omitindo informação relevante ou patrocinando oferta de mercadorias com dados inverídicos, sem que haja a  necessidade da respectiva  aquisição do bem ou produto por parte do consumidor.
   De outra parte, se houver indução  do consumidor a  erro (instigação, inspiração de ideias, etc) ou a efetiva aquisição do produto com características não correspondentes à sua natureza ou qualidade, o agente poderá responder pelo crime contra as relações de consumo previsto do art. 7º, VII, da Lei 8.137/90, com penas de detenção de 02(dois) a 05 (cinco) anos ou multa, conforme a seguir descrito:”induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária” ( grifos acrescidos).
Crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais
   O tipo penal em análise tem previsão legal no artigo 273 do código penal  (CP), conforme abaixo transcrito:
        Art. 273 – Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
        Pena – reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
  • 1º – Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
  • 1º-A – Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
  • 1º-B – Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
    I – sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
        II – em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
        III – sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
        IV – com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; ((Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
        V – de procedência ignorada; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
     VI – adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
       Modalidade culposa
  • 2º – Se o crime é culposo: 
        Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
   O ilícito tem a característica de ser  “misto alternativo”, ou seja, a incidência de mais de um núcleo do tipo configura crime único, consumando-se, dentre outras hipóteses, com a comprovação do intuito de promover a falsificação ou adulteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (conduta dolosa, salvo a hipótese de crime culposo  previsto no §2º do CP), sendo considerado crime de perigo abstrato, isto é, prescinde da demonstração do efetivo perigo à saúde pública.
  Em relação ao objeto material, preleciona  Cleber Masson:
É o produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, ou seja, a substância líquida ou sólida voltada à atenuação da dor ou cura dos enfermos, ou ainda a matéria destinada à prevenção dos males que acometem os seres humanos” (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. São Paulo: editora método. 2018, p. 1028).
   Para fins de comprovação do fato criminoso, exige-se laudo pericial ou outro meio de prova apto a certificar a efetiva adulteração ou falsificação do produto (caput do art. 273 do CP), dispensando-se a perícia, porém, no caso do §1º-B, III e V, haja vista tratar-se de delito formal, que se aperfeiçoa com a simples importação, venda, exposição à venda, depósito, distribuição ou entrega a consumo do produto sem as características de identidade e qualidade  admitidas para a sua comercialização, ou de procedência ignorada, conforme se nota da seguinte ementa de decisão oriunda do Superior Tribunal de Justiça:
(…) MANUTENÇÃO EM DEPÓSITO DE SUBSTÂNCIAS MEDICAMENTOSAS IMPRÓPRIAS AO CONSUMO. DESNECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL PARA COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DELITIVA. DELITO FORMAL. MÁCULA INEXISTENTE. É dispensável a confecção de laudo pericial para a comprovação da materialidade do delito previsto no artigo 273, § 1º-B, incisos III e V, do Código Penal, tendo em vista tratar-se de delito formal, que se aperfeiçoa com a simples importação, venda, exposição à venda, depósito, distribuição ou entrega a consumo do produto sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização, ou de procedência ignorada. Precedentes… (STJ, 5ª Turma, HC 356047/SP, Rel. Jorge Mussi, Dje 05/12/2018)
    A principal distinção em relação à infração criminal prevista no artigo  66 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) está adstrita ao fato de que nesta hipótese o produto em si não é falso, consumando mediante declarações falsas sobre a natureza, quantidade e qualidade do álcool em gel, enquanto o crime do art. 273(caput) do Código Penal (CP) imprescinde (necessita) de comprovação  da respectiva falsificação, corrupção, adulteração ou alteração do produto.
  É válido ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a inconstitucionalidade na aplicação do preceito secundário  previsto no artigo §1º-B do artigo 273 ( pena de 10 a 15 anos de reclusão, e multa),  em razão da violação ao princípio da proporcionalidade, haja vista a equiparação desproporcional e irrazoável  na aplicação de elevadas penas para o agente responsável pela falsificação do produto e aquele identificado como o autor da comercialização de determinado bem de origem ignorada ou o responsável pela importação de medicamentos sem registro, tendo, “por ajuste principiológico”, fixado a orientação de aplicação da sanção cominada ao delito de tráfico de entorpecentes (05 a 15 anos de reclusão, além de multa), estando a discussão pendente de definição no Supremo Tribunal Federal (repercussão geral reconhecida no recurso extraordinário (RE) 979962).
  Eis a respectiva ementa da decisão oriunda do Tribunal da cidadania:
(…) INCONSTITUCIONALIDADE DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ARTIGO 273, § 1º-B, DO CÓDIGO PENAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA PENA DO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS. POSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/2006. 1. A Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade no Habeas Corpus n. 239.363/PR, declarou a inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 273, § 1º-B, do Código Penal, autorizando a aplicação analógica das penas previstas para o crime de tráfico de drogas. 2. Analisando o referido julgado, esta colenda Quinta Turma firmou o entendimento de que, diante da ausência de ressalva em sentido contrário, é possível a aplicação da causa de diminuição prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 no cálculo da pena dos condenados pelo delito previsto no artigo 273, § 1º-B, do Estatuto Repressivo. Precedentes.(STJ, 5ª Turma, HC 488299/PR, Rel. Jorge Mussi, DJe 28/03/2019)
  De outra parte, impende registrar que a ANVISA considera o álcool em gel a 70% como medicamento antisséptico, devendo ser produzido conforme as boas práticas de fabricação de medicamentos, cujos critérios de  elaboração são mais rigorosos dos exigidos para a produção de cosméticos (http://portal.anvisa.gov.br/anvisa-esclarece?. Acesso em 25 de março.2020).
   Além disso,  a Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, por intermédio de nota técnica, manifestou-se no sentido de que o álcool etílico em gel na condição de medicamento deve conter em seu rótulo a especificação mínima de 70% (setenta por cento) na sua composição (http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/NotaTecnicaAlcoolGelcompleto.pdf Acesso em 25 de março.2020).
   Portanto, o sujeito ativo da ilicitude criminal poderá ser preso em flagrante e responder criminalmente pelo delito sub examine, se for flagrado comercializando produto falsificado com a suposta “roupagem” de álcool em gel para prevenção e/ou eliminação da Covid-19.
Destinação de valores para minimização da Covid-19:
     Nas hipóteses de infrações penais sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos,  o Membro do Parquet poderá propor acordo de não persecução penal, com a destinação dos valores correspondentes à aplicação da prestação  pecuniária aos fundos de saúde,  para fins de aquisição de equipamentos e insumos ligados a ações de enfrentamento do novo coronavírus, conforme disposto no art. 3º da  Resolução Conjunta Presi-CN  n.º 01, de 20 de março/2020, do Conselho Nacional do Ministério Público- CNMP c/c  art. 9º da Resolução n.º 313, de 19 de março/2020, do  Conselho Nacional de Justiça-CNJ.
    No mesmo sentido,  os aludidos atos normativos também viabilizam a  destinação de recursos oriundos do cumprimento da pena de prestação pecuniária, transações penais (pena máxima não superior a 02(dois) anos- art. 61 da Lei n.º 9.099/95), e/ou suspensão condicional do processo (pena mínima igual ou inferior a 01(um) ano- artigo 89 da Lei dos Juizados Especiais Criminais), a fim de que sejam direcionados à aquisição de materiais e equipamentos médicos  necessários ao combate  da Covid-19.
CONCLUSÃO
    As infrações penais relacionadas ao descumprimento das respectivas normas são de ação penal pública incondicionada, ou seja, independem de provocação da vítima, podendo ser instaurada a investigação por parte do Delegado de Polícia ou Membro do Ministério Público, assim como lavrado termo circunstanciado ex officio (de ofício) pela autoridade policial e posteriormente submetido à apreciação do titular da ação penal (Ministério Público) para fins de propositura de transação penal ou denúncia, caso seja comprovada a materialidade e autoria do fato.
   Enfim, diante da proliferação da aludida pandemia, é necessário que toda a sociedade se conscientize e auxilie na contenção e minimização  dos efeitos negativos da propagação da Covid-19, cumprindo as determinações do Poder Público, e atentando, sempre que possível, para a observância das recomendações e orientações emanadas dos órgãos públicos e dos profissionais da área de saúde, no intuito de salvaguardar os direitos à vida e à saúde da população. 
REFERÊNCIAS:
ANVISA esclarece. Disponível em http://portal.anvisa.gov.br/anvisa-esclarece?. Acesso em 25 de março.2020.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal parte especial 4. São Paulo: Saraiva, 2014.
CORONAVÍRUS: MP esclarece sobre responsabilização criminal para descumprimento de medidas preventivas à doença e prática de preços abusivos. Disponível em https://www.mprs.mp.br/noticias/50852/. Acesso: em 24 de março. 2020.
DOS SANTOS, Helivânia Sardinha. Quarentena. Disponível em  https://www.biologianet.com/curiosidades-biologia/quarentena.htm.  Acesso em 21 de março. de 2020.
GOVERNO edita portaria que autoriza internação e quarentena compulsória. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/governo-edita-portaria-autorizando.pdf. Acesso em 21 de março. de 2020.
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Leandro Bastos Nunes é professor de pós-graduação em direito penal econômico, procurador da República, ex-advogado da União, especialista em direito penal e processo penal, palestrante, articulista, e  autor da obra “evasão de divisas”  (editora juspodivm).

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