Toque de recolher: o que vi em Santo Estêvão
Toque de recolher: o que vi em Santo Estêvão
Muita gente pensa que bater nos filhos "com moderação" é algo aceitável e até necessário. Muitos, como eu, acham que não. Nem uma palmada? Não. Nem uma palmada. Podem ocorrer num momento de descontrole, de covardia do gigante pai contra o indefeso garoto. Mas não é correto nem construtivo.
Entretanto todo mundo concorda que as crianças devem aprender a respeitar limites. Não porque é bonito, educado, ou porque “o que os outros vão pensar?” Nada disso. É que simplesmente sem limites não se vive em sociedade. Cada um tem necessariamente que respeitar o espaço do outro, ou nos mataríamos todos. É intrínseco à organização social. Se um pai não ensina limites ao filho não produzirá apenas um indivíduo egoísta e intratável. Produzirá alguém incapaz para o convívio social, que fará mal aos outros, mas também a si mesmo.
Depois de ir várias vezes a Santo Estêvão buscar informação para matérias sobre o tal toque de recolher, conversando com pais, professores, adolescentes, autoridades e pessoas comuns, constatei que é disso essencialmente que se trata: de colocar regras, de apontar limites, para quem não tem ainda discernimento e autonomia para decidir sobre a própria vida. E isso não é ruim.
Qualquer pai responsável, consciente e que ama seu filho não vai deixá-lo na rua de noite indefinidamente se ele tem 9,10 ou mesmo 15,16 anos. Estou certo de que muitos integrantes da confortável classe média ou alta que reprovam a ideia do toque de recolher imposto pela lei, querem seus filhos adolescentes recolhidos à segurança do lar quando anoitece.
Será este zelo uma responsabilidade e um direito individual, restrito ao âmbito familiar? O Estado não tem o direito de impor estes limites? Por que não, se é exatamente isso que ele faz quando nos obriga a respeitar regras como não dirigir sob efeito de álcool e obedecer uma velocidade máxima nas ruas e estradas?
Sempre tenho a inclinação de analisar as coisas sob um ponto de vista liberal e liberalizante, e portanto fui a Santo Estêvão na primeira vez achando toque de recolher uma ideia ruim e errada. Fiquei surpreso ao procurar gente contrária e não encontrar. Com exceção, claro, de uma pequena parte dos adolescentes. Principalmente os mais velhos, acima de 16, que afinal, após alguns meses acabaram liberados do horário pelo próprio juiz que implantou a regra.
Entretanto, espantado mesmo fiquei foi ao notar que não eram os mais próximos da maioridade os que tanto preocupavam os pais ou incomodavam vizinhos promovendo baderna nas ruas (atenção: baderna, não crimes). O grave mesmo é que havia crianças até com menos de 10 anos, que não tinham mais horário para chegar em casa.
Os pais, que tinham perdido o controle sobre os filhos, ficaram felizes com o estabelecimento de horários, porque agora têm argumento e ajuda externa para manter os filhos em casa. Não são pais carrascos, mas pais amorosos, que se preocupavam com o que poderia estar ocorrendo com os garotos nas ruas tarde da noite ou de madrugada. Pais que não dormiam direito, porque não conseguiam ficar em paz.
Então fui obrigado a me dobrar à realidade e mudar de opinião. Não seria também obrigação do estado prover meios nos quais as famílias podem se apoiar para colocar as coisas em ordem?
Reconheço que há riscos envolvidos. Que a abordagem aos garotos precisa ser respeitosa e não repressora; que numa cidade grande, a medida pode fracassar pelo simples fato de faltar gente para fiscalizar; que se as autoridades da área não abraçarem a ideia não adianta nada; que a fiscalização não pode concentrar esforços na periferia e deixar os filhinhos de papai à vontade nos bares chiques.
Mesmo assim, acredito que a hipótese de aplicação da medida pode e deve ser considerada. Desde que se desarmem os espíritos e que tanto os defensores quanto os detratores do toque de recolher o encarem como proteção e não como punição.
Posted via email from Glauco Wanderley
Muita gente pensa que bater nos filhos "com moderação" é algo aceitável e até necessário. Muitos, como eu, acham que não. Nem uma palmada? Não. Nem uma palmada. Podem ocorrer num momento de descontrole, de covardia do gigante pai contra o indefeso garoto. Mas não é correto nem construtivo.
Entretanto todo mundo concorda que as crianças devem aprender a respeitar limites. Não porque é bonito, educado, ou porque “o que os outros vão pensar?” Nada disso. É que simplesmente sem limites não se vive em sociedade. Cada um tem necessariamente que respeitar o espaço do outro, ou nos mataríamos todos. É intrínseco à organização social. Se um pai não ensina limites ao filho não produzirá apenas um indivíduo egoísta e intratável. Produzirá alguém incapaz para o convívio social, que fará mal aos outros, mas também a si mesmo.
Depois de ir várias vezes a Santo Estêvão buscar informação para matérias sobre o tal toque de recolher, conversando com pais, professores, adolescentes, autoridades e pessoas comuns, constatei que é disso essencialmente que se trata: de colocar regras, de apontar limites, para quem não tem ainda discernimento e autonomia para decidir sobre a própria vida. E isso não é ruim.
Qualquer pai responsável, consciente e que ama seu filho não vai deixá-lo na rua de noite indefinidamente se ele tem 9,10 ou mesmo 15,16 anos. Estou certo de que muitos integrantes da confortável classe média ou alta que reprovam a ideia do toque de recolher imposto pela lei, querem seus filhos adolescentes recolhidos à segurança do lar quando anoitece.
Será este zelo uma responsabilidade e um direito individual, restrito ao âmbito familiar? O Estado não tem o direito de impor estes limites? Por que não, se é exatamente isso que ele faz quando nos obriga a respeitar regras como não dirigir sob efeito de álcool e obedecer uma velocidade máxima nas ruas e estradas?
Sempre tenho a inclinação de analisar as coisas sob um ponto de vista liberal e liberalizante, e portanto fui a Santo Estêvão na primeira vez achando toque de recolher uma ideia ruim e errada. Fiquei surpreso ao procurar gente contrária e não encontrar. Com exceção, claro, de uma pequena parte dos adolescentes. Principalmente os mais velhos, acima de 16, que afinal, após alguns meses acabaram liberados do horário pelo próprio juiz que implantou a regra.
Entretanto, espantado mesmo fiquei foi ao notar que não eram os mais próximos da maioridade os que tanto preocupavam os pais ou incomodavam vizinhos promovendo baderna nas ruas (atenção: baderna, não crimes). O grave mesmo é que havia crianças até com menos de 10 anos, que não tinham mais horário para chegar em casa.
Os pais, que tinham perdido o controle sobre os filhos, ficaram felizes com o estabelecimento de horários, porque agora têm argumento e ajuda externa para manter os filhos em casa. Não são pais carrascos, mas pais amorosos, que se preocupavam com o que poderia estar ocorrendo com os garotos nas ruas tarde da noite ou de madrugada. Pais que não dormiam direito, porque não conseguiam ficar em paz.
Então fui obrigado a me dobrar à realidade e mudar de opinião. Não seria também obrigação do estado prover meios nos quais as famílias podem se apoiar para colocar as coisas em ordem?
Reconheço que há riscos envolvidos. Que a abordagem aos garotos precisa ser respeitosa e não repressora; que numa cidade grande, a medida pode fracassar pelo simples fato de faltar gente para fiscalizar; que se as autoridades da área não abraçarem a ideia não adianta nada; que a fiscalização não pode concentrar esforços na periferia e deixar os filhinhos de papai à vontade nos bares chiques.
Mesmo assim, acredito que a hipótese de aplicação da medida pode e deve ser considerada. Desde que se desarmem os espíritos e que tanto os defensores quanto os detratores do toque de recolher o encarem como proteção e não como punição.
Posted via email from Glauco Wanderley
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