O futuro do Brasil está no Semiárido da Bahia e no interior do Piauí. Os municípios de Boa Vista do Tupim, a 320 quilômetros de Salvador, e Castelo do Piauí, a 190 quilômetros de Teresina, conseguiram fazer com suas escolas aquilo que o Brasil precisaria fazer com todas as instituições públicas de ensino do país. Depois de anos trabalhando para mudar o modo como ensinam matemática e língua portuguesa, Boa Vista e Castelo conseguiram melhorar com consistência o desempenho de seus alunos da 1ª à 4ª série. Provaram que a escola pode cumprir seu papel, mesmo com alunos de baixa renda e professores inicialmente sem qualificação. 
A melhora de desempenho nos dois pequenos municípios da Bahia e do Piauí foi detectada pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb, divulgado no início do mês pelo Ministério da Educação. O Ideb é o principal indicador da qualidade do ensino no país. Ele combina o rendimento dos alunos em português e matemática na Prova Brasil com as taxas de aprovação, o que resulta numa nota de 0 a 10 para cada escola, cidade e Estado. A meta para o país é chegar a 2021 com média 6 nas escolas da 1ª à 4ª série. 

Castelo do Piauí tinha nota 2,9 em 2005, hoje tem 5. Boa Vista do Tupim começou com 2,2, hoje tem 5,8. Mais importante que o salto é saber o que está por trás dos números. Para entender os avanços, ÉPOCA tomou duas iniciativas. Primeiro, investigou as histórias de quatro redes de ensino de sucesso: as duas cidades, a rede estadual de Mato Grosso, que teve o maior avanço entre a 5ª e a 8ª, e o caso de Arapongas, no interior do Paraná, onde nenhuma escola ficou com menos de 5. 

A segunda iniciativa é um debate sobre as políticas que devem ser adotadas pelo próximo presidente da República, com o objetivo de multiplicar as boas experiências pelo país. O evento, aberto ao público, será nesta terça-feira, na sede da Editora Globo, em São Paulo. Contará com a participação de três estudiosos e autores de algumas das principais políticas de educação. 

As redes escolares visitadas por ÉPOCA seguem estratégias diferentes, mas têm um ponto em comum: acompanham os alunos ao longo do ano. Isso acontece com provas, projetos e maratonas. Quando um aluno mostra dificuldades, as escolas oferecem aulas de reforço e atividades específicas. "As boas escolas pensam o resultado ao longo do ano, não esperam o fim para repetir o aluno", diz Maria de Salete Silva, oficial de educação do Unicef no Brasil. 

Cidades e Estados têm autonomia para definir as estratégias de gestão de suas escolas. Isso é importante para que achem soluções para os problemas locais. Mas é papel do governo federal orientar os gestores sobre o tipo de avanço de que o país precisa. Desde que foi lançado, em 2007, o Ideb criou um movimento positivo de busca por resultados. Com uma medida simples, prefeitos e governadores passaram a ser cobrados não só pela quantidade de escolas construídas, mas pelo trabalho feito nelas. O movimento teve efeito: oito em cada dez redes melhoraram. A média nacional da 4ª série subiu de 3,8 para 4,6 antecipando a meta para 2011. 

"O resultado é tão bom que precisa ser visto com cautela", afirma José Marcelino de Rezende Pinto, especialista em política educacional da Universidade de São Paulo (USP). Ele diz que é difícil achar escolas que aumentem sua nota em 80% no período de dois anos, mesmo entre os países que deram grandes saltos na educação. Esse fenômeno, porém, ocorreu em mais de 200 escolas brasileiras. "A melhora pode ser fruto de política consistente ou de atalhos, como aumento artificial da aprovação, treinamento para a prova e até fraudes". Só com os resultados do Ideb, é difícil saber quais avanços são fruto de mudanças estruturais, aquelas que se sustentam ao longo dos anos, e quais são produto de truques ou distorções estatísticas. 

Um exemplo de crescimento suspeito é o de Ipecaetá, no interior da Bahia. De acordo com os números do Ideb, o município foi o que mais melhorou no país. A julgar pela reação da secretária municipal de Educação da cidade, a melhora não foi fruto de grandes planejamentos: "Foi um impacto", diz Suedem Santana, que soube do resultado após receber o e-mail de uma amiga. "Quando vi o aumento, pensei: Não acredito". É difícil mesmo acreditar. Em dois anos, Ipecaetá melhorou 147%. A nota saltou de 1,9 para 4,7. Para justificar o aumento, a secretária elencou algumas ações: aulas de reforço escolar (começaram neste ano), compra de ônibus escolares (entregues neste ano), a reforma das escolas (nem todas finalizadas até o dia da prova) e uma ação do Judiciário que determina toque de recolher para crianças e adolescentes durante o horário escolar. Não é fácil entender como a ação de um juiz e algumas iniciativas da prefeitura posteriores à aplicação da prova poderiam ter dobrado o desempenho dos alunos em português e matemática. 

A dificuldade em identificar as razões da melhora em Ipecaetá revela três problemas comuns a toda a rede pública e que são de responsabilidade do governo federal. O primeiro é o ponto de partida para qualquer política de avaliação: a segurança da prova. Assim como aconteceu com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2009, a Prova Brasil foi aplicada por uma empresa diferente da que tradicionalmente fazia a avaliação. Uma das normas é que os testes devem ser supervisionados por pessoas de fora da escola, para evitar que os professores ajudem seus alunos. Na escola que mais melhorou em Ipecaetá, porém, os próprios professores aplicaram a prova. "Se isso ocorreu, foi irregular, e os dados podem ser contestados", diz o ministro da Educação, Fernando Haddad.



Texto: Ana Aranha, de São Paulo, e Heliana Frazão, de Ipecaetá, Bahia


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