Restrição de horário mexe com rotina no interior
“Toque de recolher” vira “toque de acolher” e aumenta cuidado com jovens do interior. Normas e horários de circulação, contudo, podem redundar em autoritarismo
22/04/2011 | 00:08 | Denise Paro, da sucursal - Foz do iguaçu
No Paraná, a cidade de Matelândia, a 70 quilômetros de Foz do Iguaçu, é uma das novatas na medida. No mês passado, a Câmara do município aprovou o projeto, sancionado pelo prefeito Édson Antônio Primon, para impedir que adolescentes com menos de 16 anos fiquem nas ruas desacompanhados após as 22 horas. A vereadora Liria Perini Canetti (PMDB), autora do projeto, diz que há muita criança circulando pelas ruas da cidade, que tem 16 mil habitantes. “A lei foi feita para ajudar as famílias a cuidar dos filhos”, argumenta.
“Toque de recolher” juvenil é visto como retrocesso
O presidente da Fundação Criança e vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ariel de Castro Alves, classifica o toque de recolher como um retrocesso. “Voltamos ao Código de Menores, antes do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], quando existia ‘carrocinha’ que recolhia crianças e adolescentes da rua para prendê-las em orfanatos e Febens”, diz.Para Alves, é preciso estabelecer políticas públicas permanentes e não medidas “histéricas” e esporádicas. Na opinião dele, todos os municípios precisam ter uma rede de atendimento estruturada para atender crianças e adolescentes, incluindo programas com educadores sociais que atuem 24 horas em abordagens e trabalhos socioeducativos. O trabalho tem de ser realizado nos conselhos tutelares, um órgão de proteção e não de punição. Em alguns municípios onde o toque de recolher foi adotado, o conselho passou a ter papel punitivo.
Alves também é contra a proibição de adolescentes frequentarem lan houses em qualquer horário. Para ele, a medida representa uma exclusão digital porque nem toda família tem computador em casa. O que é preciso, segundo Alves, é que os proprietários dos estabelecimentos façam o bloqueio dos sites de conteúdos inadequados para a faixa etária.
A promotora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Criança e Adolescente (CAOp), do Ministério Público do Paraná, Luciana Linero, diz que o toque de recolher viola a Constituição e o direito do cidadão ir e vir. A fim de se evitar problemas que envolvem crianças e adolescentes, segundo a promotora, é preciso fortalecer a família para que pais e mães protejam os filhos. “Isto está previsto legalmente desde 1990, mas são raros os municípios que contam com programas de apoio familiar”, diz.
Os municípios, segundo a promotora, deveriam oferecer o apoio às famílias por meio dos Centros de Referência da Assistência Social (Cras) e Centros de Referência Especializados da Assistência Social (Creas). “Achamos que é preciso programas específicos voltados para à família”, diz.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), principal órgão nacional do sistema de garantia da Criança e do Adolescente, emitiu parecer contrário ao toque de recolher em junho de 2009. No documento, o Conanda argumenta que as portarias judiciais contrariam princípios constitucionais, artigos 4 e 227, e os artigos 4 e 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que trata do direito à liberdade e de ir e vir. (DP)
O vereador Ademar Dorfschmidt (PMDB), de Toledo, é autor do projeto que tramita na Câmara. Dorfschmidt explica que não propõe implantar um sistema militar e proibir o direito de ir e vir das crianças e adolescentes. “Queremos criar mecanismos para as autoridades constituídas coibirem a exploração sexual, o uso de drogas e álcool”, diz.
Resultados
No Paraná, o toque de recolher prolifera em municípios do interior, onde é mais fácil fazer fiscalização e rondas. Em Guaíra, cidade que fica na fronteira com Salto Del Guairá, o toque de recolher foi implantado há cerca de um ano por meio de uma portaria judicial. O conselheiro José Tristão Filho diz que a medida funciona para adolescentes que têm uma certa disciplina. O que se notou, segundo ele, foi a redução do número de jovens nas ruas que riscavam carros ou pediam dinheiro. Mas casos considerados “crônicos” ainda persistem.
No estado de São Paulo, um dos pioneiros na adoção do toque de recolher, os resultados são parecidos. Fernandópolis, Noroeste de São Paulo, adotou o toque de recolher em agosto de 2005 por meio de uma portaria judicial. Desde aquela época pequenos furtos e arrombamentos de veículos caíram na cidade de 60 mil habitantes. “Não zerou nada, mas se controla muito bem”, diz o conselheiro Manoel Franco de Souza. No entanto, a cidade não consegue conter a dependência química entre jovens que precisam ser levados a outros locais para tratamento.
Outro município paulista que implantou o toque de recolher foi Ilha Solteira, divisa com Mato Grosso do Sul. Na cidade as rondas, de caráter esporádico, são feitas por voluntários – chamados de Agentes de Proteção - com apoio da Guarda Municipal. O Conselho Tutelar deixou de fazer o trabalho após uma deliberação contrária do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente (CMDCA). Dalmi Guedes Júnior, presidente dos Agentes de Proteção, diz que a medida reduziu de forma considerável o uso do narguilé e o número de adolescentes e crianças nas ruas. Em fevereiro, os agentes abordaram 27 jovens. Em março, foram nove.
Em Santo Estêvão-BA, onde todas as noites as rondas circulam na cidade desde maio de 2009, a violência juvenil foi reduzida em 35% em 2010, comprando com as ocorrências em 2009.
Recentemente, o Juiz da cidade baiana foi transferido para a cidade de Maracás-BA, mas a medida continua funcionando.
Interatividade
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Fonte: http://www.gazetamaringa.com.br adaptado.
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