Relógio contra o crime
25 Jul 2011 08:11:02 -0300 | ||
GeralProibição para que menores de 18 anos fiquem nas ruas após as 11 da noite reduz a criminalidade juvenil em 61 cidades do país Há seis anos, em Fernandópolis, o crack literalmente dava em árvores. O consumo de drogas nessa cidade de 65.000 habitantes do interior paulista estava tão disseminado que, nas imediações de uma de suas principais avenidas, era comum encontrar pedras da droga em meio às folhagens das árvores. O método de estocagem da mercadoria buscava diminuir os riscos de prisão em flagrante para os traficantes, cujos alvos preferenciais eram, como sempre, jovens e adolescentes. Foi sobretudo a preocupação com esses jovens e sua exposição a um ambiente infestado pela praga das drogas, que levou o juiz Evandro Pelarin, da Vara da Infância e Juventude, a tomar uma decisão hoje copiada em sessenta municípios brasileiros: proibir a presença nas ruas de menores desacompanhados de seus pais depois das 23 horas. "O objetivo era proteger os adolescentes. Mas a medida acabou servindo também para reduzir os índices de criminalidade juvenil", diz o magistrado. Desde que a medida entrou em vigor, em 2005, as infrações cometidas por menores em Fernandópolis caíram 26%. Furtos. lesões corporais e homicídios foram os crimes que sofreram as maiores quedas (veja o quadro acima). O porte de armas e o tráfico de drogas registraram aumento. o que, segundo especialistas, não aponta necessariamente para uma degradação da situação. "Esse tipo de indicador tende a subir quando a polícia está mais presente. Já o contrário, a queda no número de prisões ou apreensões de drogas e armas, pode ser um sinal de que a polícia está inerte ou desmotivada", diz o coronel José Vicente da Silva. Nas primeiras blitze em Fernandópolis, agentes do conselho tutelar encarregados da inspeção chegaram a usar um ônibus para acomodar as dezenas de menores flagrados na rua depois do horário autorizado. Hoje, sobra espaço na perua dos fiscais. Todas as noites, acompanhadas de policiais, as equipes visitam desde boates frequentadas pela classe média até bares e pontos de tráfico de drogas na periferia. Os métodos de abordagem variam de acordo com o lugar. Nos bares de periferia e classe média, a ação parte dos fiscais, que se limitam a pedir documentos aos frequentadores - os policiais apenas os observam. Já nos conhecidos pontos de venda de drogas da cidade, quem vai na frente é a polícia - e a aproximação é na base do "todo mundo na parede". Nos dois casos, os menores encontrados nos locais são encaminhados para o conselho tutelar, de onde só saem quando um adulto da faml1ia for buscá-los. Por deixarem os filhos na rua além do horário estabelecido por lei, os pais recebem uma advertência. Em caso de reincidência, têm de pagar multas que podem chegar a 6.000 reais. O toque de recolher para menores já funciona em cidades de quinze estados brasileiros. Em São Paulo, Bahia, Goiás e Mato Grosso, doze municípios adotaram a medida só neste ano. Santo Estêvão e Feira de Santana, na Bahia, separadas por apenas 40 quilômetros de distância, vivem situações bastante distintas. Em Feira de Santana, o toque de recolher foi aprovado pela Câmara Municipal, mas, por falta de regulamentação, ainda não entrou em vigor. Lá, no ano passado, 51 jovens com menos de 18 anos morreram assassinados, a maioria em decorrência de envolvimento com o tráfico de drogas. Isso significa uma taxa de 31 homicídios por 100000 habitantes para essa faixa etária. Pelos padrões da Organização Mundial de Saúde (OMS), basta um índice três vezes mais baixo para que um lugar seja considerado endemicamente violento. Ao contrário de Feira de Santana, Santo Estevão é uma cidade pequena, com apenas 48000 habitantes. Em 2009, uma briga na madrugada entre dois adolescentes por causa de um papelote de cocaína culminou num assassinato e levou a Justiça (Juiz José Brandão) a implantar o toque de recolher. Desde então, não só não se registrou em Santo Estêvão mais nenhum homicídio envolvendo adolescentes como a criminalidade juvenil como um todo diminuiu 35% e a prostituição infantil praticamente acabou - ou melhor, migrou para cidades vizinhas onde não há toque de recolher. Na França, medidas similares vigoram nas cidades de Nice, Orléans e Cagnes-sur-Mer, também com resultados positivos. Segundo a prefeitura de Nice, há muito que não se recolhe nenhum menor na cidade. A medida é rigorosamente respeitada pelos moradores, ainda que não preveja punições para quem a infringir. "Trata-se de um, , medida preventiva não repressiva", explicou Elodie Ching, assessora de imprensa da prefeitura de Nice. No Brasil, apesar dos bons resultados produzidos pela iniciativa, o toque de recolher para menores não tem escapado das críticas. Em junho de 2009, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, órgão vinculado à Presidência da República, emitiu um parecer afirmando que medida contraria o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal ao restringir "o direito à liberdade, incluindo o direito de ir e vir". O Conselho Nacional de Justiça, órgão do Poder Judiciário, chegou a derrubar uma portaria que instituiu o toque de recolher na cidade mineira de Patos de Minas. A medida vigorou por quatro meses, durante, os quais, em média, os atos infracionais praticados por menores caíram para 49, contra setenta registrados nos quatro meses anteriores. Nos casos seguintes, porém, o CNJ entendeu que seria de responsabilidade dos Tribunais de Justiça julgar a legitimidade desse tipo de portaria. Desde então, a maioria das decisões tem sido favorável ao toque de recolher. A interferência exagerada do estado na sociedade não é especialmente bem vinda em algumas áreas - e a esfera familiar é uma delas. Mas há casos em que ela se faz necessária. Da mesma forma que pais que maltratam seus filhos estão sujeitos a perder sua guarda, também os que concordam em expô-los a ambientes onde imperam a droga, o álcool e a bandidagem sujeitam-se - e sujeitam os demais - à tutela da Justiça. É o preço da omissão |
0 Comentários