04/04/2012, 17:53h | Notícias

Toque de Estudo

Por Inaira Campos
A partir do dia nove de abril pais e alunos das cidades baianas de Olindina, Cristópolis e Itapicuru viverão uma realidade diversa. Pais cujos filhos não estiverem devidamente matriculados em escolas e assistindo aulas serão encaminhados a delegacias, multados (de três a 20 salários mínimos conforme o artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente) e poderão até ser presos. Os alunos, se surpreendidos “matando aula”, serão abordados por policiais militares, que atuarão acompanhados de conselheiros do Estado e agentes de proteção à infância, e levados ao Conselho Tutelar, de onde só sairão depois da convocação dos pais ou responsáveis.
Os pais ou responsáveis serão autuados por crime de abandono intelectual – previsto no artigo 246 do Código Penal – e o trabalho de fiscalização da efetividade da medida envolverá os poderes locais. “Os conselheiros tutelares, agentes de proteção da infância e adolescência e se necessário a Polícia Militar – sempre acompanhada de um representante dos órgãos de defesa da criança – estarão nas ruas averiguando situações suspeitas que remetam ao abandono dos estudos”, explica o José Brandão Neto, que estabeleceu a portaria apelidada por ele de “Toque de Estudo”, e que tem o objetivo evitar a evasão escolar e disciplinar os alunos em sala de aula.
Segundo o Brandão Neto, o número de alunos que faltam às aulas, em alguns casos, chega a 90%. “São relatos feitos por professores, diretores de escolas, pais e até mesmo alunos mais velhos que se chocam ao ver salas de aulas praticamente vazias. Também foi constatado que a maioria dos adolescentes que cometem algum delito é analfabeta ou não estão matriculados regularmente na escola”, explica.
O advogado e ex-presidente da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande Sul, Irany Sousa pondera sobre a medida. “Já existe a previsão específica acerca de negligência e abandono de incapaz na legislação brasileira e a responsabilidade de controle e fiscalização acerca da vida escolar de crianças e adolescentes é da família, da sociedade e em último caso, do Estado. Nesta medida o Estado se antecipa. As providências em relação a alunos faltosos devem se dar primeiro com advertências, intermediação da escola, denúncias da sociedade que observa o abandono. Deve-se observar o contexto anterior. Me parece uma medida extremada. Existem mecanismos razoáveis para contornar tal situação”.
Polêmica
A decisão divide opiniões. “O número de pais que procuram o Conselho Tutelar no intuito de organizar a documentação e matricular os filhos na escola, aumentou significativamante. Ações como esta abrem os olhos de quem não quer enxergar a escola como um espaço de crescimento e formação para seus filhos”, afirma a presidente do Conselho Tutelar na cidade de Olindina, Valdete Almeida.
De acordo com Brandão Neto, as ações acerca do Toque de Estudo foram tomadas a partir de uma análise realizada pelos Conselhos Tutelares da região, que constataram que grande parte dos dois mil alunos matriculados nas três cidades baianas não frequentavam regularmente a escola e que as famílias não apresentavam justificativas para a ausência ou diziam não estar cientes da situação.
Para a pesquisadora e pedagoga Michelle Ramos, a medida é equivocada no que se refere ao controle e a criminalização dos responsáveis pelas crianças e adolescentes e não leva em consideração a falta de estrutura das instituições de proteção para valer seus direitos, que mesmo antes da medida já não conseguem atender às demandas locais. “Essa postura de criminalização dos responsáveis sem entender a realidade em que a família e o aluno estão inseridos torna essa medida equivocada e talvez tão violenta quanto a questão da evasão escolar. Há “conscientização” dos pais sobre as faltas escolares ou eles agem simplesmente por receio da punição?”
A portaria prevê ainda pena de prisão para pais de alunos ausentes que sejam incapazes de ler e escrever. A acusação, segundo Brandão Neto, será de abandono intelectual, listada no artigo 246 do Código Penal.
Mais controle
Seguindo a tendência do “Toque de Estudo”, a Secretaria de Educação de Vitória da Conquista – também na Bahia – lançou no último dia 20 o “uniforme inteligente”, que controla a freqüência dos alunos através de um chip implantado no tecido da camisa. De acordo com a Secretaria o objetivo é, além de garantir a freqüência dos alunos, facilitar a comunicação entre os pais e a escola. A cidade será a primeira do País a monitorar seus estudantes por meio dos chips.
O monitoramento é feito através de Rádio-Frequência de identificação e os chips serão identificados por sensores instalados na entrada das escolas. Através de um sistema, os pais ou responsáveis que cadastrarem um número de celular, receberão uma mensagem de texto indicando a hora de entrada e saída do aluno. Segundo o secretário de Educação do município, Coriolano Moraes, o investimento na tecnologia foi de R$ 1,2 milhão e contemplará alunos de 25 escolas municipais, das 203 da rede. A expectativa do gestor é que todos os 43 mil estudantes da rede, entre seis e 14 anos, tenham os novos uniformes até o ano que vem.
Tal medida também tem causado incômodo. “Esta medida é absurda. O chip desresponsabiliza os pais e a escola da educação dos alunos. A exceção – educação pelo estado – se torna regra, mesmo antes da orientação pedagógica. A medida é inócua”, reitera Irany Souza.
A pedagoga Michelle Ramos reitera os desdobramentos da medida no tangente a desresponsabilização dos atores e das fragilidades no diagnóstico da questão, o que indica a ineficiência da medida. “Os gestores escolares e professores têm a responsabilidade e o desafio de garantir as condições de ensino e aprendizagem, tornando a escola um ambiente acolhedor e que trabalhe a questão da evasão escolar junto com os alunos, os pais e a comunidade”, afirma.

FONTE: http://prvl.org.br/noticias/toque-de-estudo/

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