RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ENTIDADES DE CLASSE DA MAGISTRATURA NACIONAL. IMPUGNAÇÃO À RESOLUÇÃO 170/2013 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ALEGAÇÃO DE MÚLTIPLAS OFENSAS AO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO. ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUE OBJETIVOU REGULAMENTAR A PARTICIPAÇÃO DE MAGISTRADOS EM CONGRESSOS, SEMINÁRIOS, SIMPÓSIOS, ENCONTROS JURÍDICOS E CULTURAIS E EVENTOS SIMILARES. COMPETÊNCIA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUE TRADUZ DIRETA EMANAÇÃO DO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E QUE LHE OUTORGA PODER PARA, LEGITIMAMENTE, PRATICAR ATOS E EXPEDIR REGULAÇÕES NORMATIVAS DESTINADOS A VIABILIZAR O CUMPRIMENTO, POR PARTE DOS MAGISTRADOS, DE SEUS DEVERES FUNCIONAIS, NOTADAMENTE OS DE PROBIDADE E DE RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE NO DESEMPENHO DO OFÍCIO JURISDICIONAL. NECESSIDADE DE O MAGISTRADO MANTER CONDUTA IRREPREENSÍVEL EM SUA VIDA PÚBLICA E PARTICULAR, RESPEITANDO, SEMPRE, A VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE O IMPEDE DE RECEBER, A QUALQUER TÍTULO OU PRETEXTO, AUXÍLIOS OU CONTRIBUIÇÕES DE PESSOAS FÍSICAS, DE ENTIDADES PÚBLICAS OU DE EMPRESAS PRIVADAS, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS EM LEI (CF, ART. 95, PARÁGRAFO ÚNICO, N. IV). SUBSTRATO ÉTICO-JURÍDICO DESSE DEVER QUE REPOUSA EM DUPLO FUNDAMENTO, TANTO DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL QUANTO DE NATUREZA DEONTOLÓGICA. AS VEDAÇÕES CONSTITUCIONAIS REFERIDAS NO ART. 95, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI FUNDAMENTAL COMO ELEMENTOS DE GARANTIA DA IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO E DE PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL. O ALTO SIGNIFICADO DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO. ESTRUTURA CONSTITUCIONAL DESSE DIREITO FUNDAMENTAL (ADI 3.045/DF, REL. MIN. CELSO DE MELLO). ALEGADO DESRESPEITO A ESSA LIBERDADE PÚBLICA IMPUTADO AO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. APARENTE INOCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE, DE SITUAÇÃO DE LESIVIDADE. RESTRIÇÕES QUE, FUNDADAS NA CONSTITUIÇÃO E EXPLICITADAS PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (RESOLUÇÃO CNJ 170/2013), TÊM OS MAGISTRADOS COMO OS SEUS ÚNICOS E ESPECÍFICOS DESTINATÁRIOS. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DOS PODERES NORMATIVOS RECONHECIDOS AO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (ADI 3.367/DF E ADC 12/DF). INFORMAÇÕES PRESTADAS PELO CNJ E PELO CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA CUJO TEOR OBSTARIA O RECONHECIMENTO DA PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA PRETENSÃO MANDAMENTAL DEDUZIDA, EM LITISCONSÓRCIO ATIVO, PELAS ENTIDADES DE CLASSE DA MAGISTRATURA NACIONAL. DESCARACTERIZAÇÃO DA RELEVÂNCIA JURÍDICA DA POSTULAÇÃO MANDAMENTAL QUE SE MOSTRARIA IGUALMENTE AFETADA PELA APARENTE INADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL UTILIZADO, EIS QUE INVIÁVEL O MANEJO DE MANDADO DE SEGURANÇA PARA IMPUGNAR ATO EM TESE (SÚMULA 266/STF), ASSIM CONSIDERADO AQUELE QUE SE MOSTRA REVESTIDO DOS ATRIBUTOS DE NORMATIVIDADE E DE GENERALIDADE ABSTRATA. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado contra deliberação do Conselho Nacional de Justiça consubstanciada na Resolução nº 170, de 16 de fevereiro de 2013, que possui o seguinte conteúdo normativo:

“Art. 1.º Os congressos, seminários, simpósios, encontros jurídicos e culturais e eventos similares realizados, promovidos ou apoiados pelos Conselhos da Justiça, Tribunais submetidos à fiscalização do Conselho Nacional de Justiça e Escolas Oficiais da Magistratura, estão subordinados aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, de forma que o conteúdo do evento, sua carga horária, a origem das receitas e o montante das despesas devem ser expostos de forma prévia e transparente.
Art. 2.º Os congressos, seminários, simpósios, encontros jurídicos e culturais e eventos similares, quando promovidos por Tribunais, Conselhos de Justiça e Escolas Oficiais da Magistratura, com participação de magistrados, podem contar com subvenção de entidades privadas com fins lucrativos, desde que explicitado o montante do subsídio e que seja parcial, até o limite de 30% dos gastos totais.
Art. 3.º A documentação relativa aos congressos, seminários, simpósios, encontros jurídicos e culturais e eventos similares, quando realizados por órgãos da justiça submetidos ao Conselho Nacional de Justiça, inclusive as Escolas Oficiais da Magistratura, ficará à disposição do CNJ para controle, bem como de qualquer interessado.
Art. 4.º A participação de magistrados em encontros jurídicos ou culturais, quando promovidos ou subvencionados por entidades privadas com fins lucrativos, e com transporte e hospedagem subsidiados por essas entidades, somente poderá se dar na condição de palestrante, conferencista, presidente de mesa, moderador, debatedor ou organizador.
Parágrafo único. A restrição não se aplica aos eventos promovidos e custeados com recursos exclusivos das associações de magistrados.
Art. 5.º Ao magistrado é vedado receber, a qualquer título ou pretexto, prêmios, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei.
Art. 6.º Esta Resolução entrará em vigor 60 (sessenta) dias após a sua publicação em sessão de julgamento pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça.” (grifei)

As litisconsortes ativas sustentam, nesta impetração mandamental, que a Resolução em causa transgride os direitos de seus associados (a) à fiel observância da cláusula do devido processo legal, nela incluídas as prerrogativas inerentes à ampla defesa e ao contraditório, (b) à liberdade de atividade intelectual e científica e (c) aos postulados da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além de o ato em questão alegadamente ofender os direitos das próprias entidades de classe à liberdade de associação e ao seu funcionamento “sem intervenção estatal”.
As autoras protocolaram, ainda, em 08/05/2013, a petição eletrônica nº 21.534, com o objetivo de evidenciar a imprescindibilidade da concessão do provimento cautelar ora requerido, eis que “a edição da Resolução nº 170 do CNJ levou as impetrantes a interromper a organização de todos os eventos jurídicos e culturais subvencionados por entidades privadas com fins lucrativos, que estavam em fase de planejamento e pré-execução quando da sua publicação, ocorrida em 26.2.2013 (...)”.
Passo a examinar a postulação cautelar formulada pelas ora impetrantes. E, ao fazê-lo, entendo, em juízo de estrita delibação, que não se acham cumulativamente presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida liminar em referência.
Devo observar, inicialmente, que a presente ação de mandado de segurança poderá sofrer, nesta Suprema Corte, juízo negativo de cognoscibilidade, eis que aparentemente ajuizada contra ato estatal — a Resolução CNJ nº 170/2013 — revestido de conteúdo normativo e abstrato, subsumível, por isso mesmo, à noção de ato em tese.
Com efeito, os preceitos inscritos em tal diploma normativo traduziriam, em princípio, ato em tese, cujo coeficiente de normatividade e de generalidade abstrata impediria, na linha de diretriz jurisprudencial firmada pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula 266), a válida (e adequada) utilização do remédio constitucional do mandado de segurança:

“Não se revelam sindicáveis, pela via jurídico-processual do mandado de segurança, os atos em tese, assim considerados aqueles (…) que dispõem sobre situações gerais e impessoais, que têm alcance genérico e que disciplinam hipóteses neles abstratamente previstas. Precedentes. Súmula 266/STF.”
(RTJ 180/942-943, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Cumpre enfatizar, neste ponto, que normas em tese — assim entendidos os preceitos estatais qualificados em função do tríplice atributo da generalidade, impessoalidade e abstração — não se expõem ao controle jurisdicional pela via do mandado de segurança, cuja utilização deverá recair, unicamente, sobre os atos destinados a dar aplicação concreta ao que se contiver nas leis, em seus equivalentes constitucionais ou, como na espécie, em regramentos administrativos de conteúdo normativo, consoante adverte o magistério da doutrina (HELY LOPES MEIRELLES, “Mandado de Segurança e Ações Constitucionais”, p. 39/40, 33ª ed., 2010, atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, Malheiros; ALFREDO BUZAID, “Do Mandado de Segurança”, vol. I/126-129, itens ns. 5/6, 1989, Saraiva; CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, “Manual do Mandado de Segurança”, p. 41/43, 3ª ed., 1999, Renovar; FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA, “Mandado de Segurança e Controle Jurisdicional”, p. 28/29, item n. 2.1.1, 2ª ed., 1996, RT, v.g.).
Esse entendimento doutrinário, por sua vez, expressa, de maneira clara, a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que sempre vem enfatizando, a propósito da matéria em exame, não serem impugnáveis, em sede mandamental, aqueles atos estatais cujo conteúdo veicule prescrições disciplinadoras de situações gerais e impessoais e regedoras de hipóteses que se achem abstratamente previstas em tais atos ou resoluções (RTJ 132/189, Rel. Min. CELSO DE MELLO — MS 32.022-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
E é, aparentemente, o que sucede na espécie, pois a Resolução CNJ nº 170/2013 — pela circunstância de apenas dispor, normativamente, “in abstracto”, sobre situações gerais e impessoais — depende, para efeito de sua aplicabilidade, da prática necessária e ulterior de atos concretos destinados a realizar as prescrições abstratas formalmente consubstanciadas no mencionado ato normativo.
Isso significa, portanto, que a possibilidade jurídico-processual de impugnação, em sede mandamental, do ato normativo em questão equivaleria, em última análise, a tornar questionável a utilização do mandado de segurança como inadmissível sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, desconsiderando-se, desse modo, a advertência deste Supremo Tribunal Federal, cujas decisões já acentuaram, por mais de uma vez, a inviabilidade do emprego do “writ” mandamental como instrumento de controle abstrato da validade constitucional das leis e dos atos normativos em geral (RTJ 110/77, Rel. Min. FRANCISCO REZEK — RTJ 111/184, Rel. Min. DJACI FALCÃO — RTJ 132/1136, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

“É plena a insindicabilidade, pela via jurídico-processual do mandado de segurança, de atos em tese, assim considerados os que dispõem sobre situações gerais e impessoais, têm alcance genérico e disciplinam hipóteses que neles se acham abstratamente previstas. O mandado de segurança não é sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade nem pode substituí-la, sob pena de grave deformação do instituto e inaceitável desvio de sua verdadeira função jurídico-processual.”
(RTJ 132/189, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

“I. (...) Todavia, se o decreto tem efeito normativo, genérico, por isso mesmo sem operatividade imediata, necessitando, para a sua individualização, da expedição de ato administrativo, então contra ele não cabe mandado de segurança, já que, admiti-lo, seria admitir a segurança contra lei em tese, o que é repelido pela doutrina e pela jurisprudência (Súmula nº 266).”
II. - Mandado de segurança não conhecido.
(RTJ 138/756, Rel. Min. CARLOS VELLOSO — grifei)

Não foi por outra razão que o eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA, ao apreciar, como Relator, o MS 28.169/DF — impetrado contra a Resolução CNJ nº 80/2009 —, negou seguimento a referido mandado de segurança, por entender, corretamente, que tal ato “(...) é dotado de caráter normativo, disciplinando situações gerais e abstratas. Produz, portanto, efeitos análogos ao de uma lei em tese, contra a qual não cabe mandado de segurança nos termos da Súmula 266 desta Corte” (grifei).
Esse mesmo entendimento foi recentemente reafirmado pelo eminente Ministro LUIZ FUX, em decisão que não conheceu de mandado de segurança também impetrado contra resolução emanada do E. Conselho Nacional de Justiça:

“(...). 2. A Resolução nº 175 do CNJ, enquanto dotada de generalidade, abstração e impessoalidade, não se expõe ao controle jurisdicional pela via do mandado de segurança, nos termos da Súmula nº 266 do STF.
3. O Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADC nº 12, Rel. Min. Ayres Britto, reconheceu o poder normativo do Conselho Nacional de Justiça, para inovar na ordem jurídica a partir de parâmetros erigidos constitucionalmente.
4. O Conselho Nacional de Justiça pode emitir juízos, ex ante e ‘in abstracto’, acerca da validade ou invalidade de determinada situação fática concreta.
5. Mandado de segurança extinto sem resolução de mérito.”
(MS 32.077/DF, Rel. Min. LUIZ FUX — grifei)

Ainda que superável essa aparente inviabilidade da ação mandamental (matéria a ser oportunamente analisada), tenho para mim que o exame dos fundamentos do ato ora apontado como coator parece descaracterizar — ao menos em juízo de estrita delibação — a plausibilidade jurídica da pretensão cautelar deduzida nesta sede processual, especialmente se se tiver em consideração a finalidade institucional de que se acha investido, por efeito de determinação constitucional, o Conselho Nacional de Justiça.
A EC nº 45/2004, ao instituir o Conselho Nacional de Justiça, definiu-lhe um núcleo irredutível de atribuições, além daquelas que lhe venham a ser conferidas pelo Estatuto da Magistratura, assistindo-lhe o dever-poder de efetuar, no plano da atividade estritamente administrativa e financeira do Poder Judiciário, o controle do “cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” (CF, art. 103-B, § 4º).
Para tanto, a EC nº 45/2004 previu meios destinados a viabilizar o pleno exercício, pelo Conselho Nacional de Justiça, de suas atribuições, inclusive aquelas pertinentes ao desempenho de sua jurisdição censória, cabendo destacar, entre os diversos instrumentos de ativação de sua competência administrativa, aqueles que lhe permitem “zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências”, e “zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União” (CF, art. 103-B, § 4º, I e II — grifei).
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.367/DF (RTJ 197/839-840), bem explicitou referidas atribuições, indicando-lhes a própria razão de ser, como resulta claro de fragmento do voto então proferido pelo eminente Ministro CEZAR PELUSO, Relator da causa:

“A segunda modalidade de atribuições do Conselho diz respeito ao controle ‘do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes’ (art. 103-B, § 4º). E tampouco parece-me hostil à imparcialidade jurisdicional.
Representa expressiva conquista do Estado democrático de direito, a consciência de que mecanismos de responsabilização dos juízes por inobservância das obrigações funcionais são também imprescindíveis à boa prestação jurisdicional. (…).
Entre nós, é coisa notória que os atuais instrumentos orgânicos de controle ético-disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição (…).
Perante esse quadro de relativa inoperância dos órgãos internos a que se confinava o controle dos deveres funcionais dos magistrados, não havia nem há por onde deixar de curvar-se ao cautério de Nicoló Trocker: ‘o privilégio da substancial irresponsabilidade do magistrado não pode constituir o preço que a coletividade é chamada a pagar, em troca da independência dos seus juízes’. (…).
Tem-se, portanto, de reconhecer, como imperativo do regime republicano e da própria inteireza e serventia da função, a necessidade de convívio permanente entre a independência jurisdicional e instrumentos de responsabilização dos juízes que não sejam apenas formais, mas que cumpram, com efetividade, o elevado papel que se lhes predica. (…).” (grifei)

Mostra-se relevante destacar, de outro lado, que o eminente Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Francisco Falcão, ao justificar a necessidade de edição da Resolução em causa, assim fundamentou, no ponto, as razões que evidenciariam a plena legitimidade jurídica do ato em referência:

“O presente procedimento (ATO n°. 0006235-27.2011.2.00.0000) teve início no dia 5/12/2011 através de ofício encaminhado pela Ministra Eliana Calmon, à época Corregedora Nacional de Justiça, ao então Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Cezar Peluso. Referido ofício foi acompanhado de minuta de Resolução, a qual visava regulamentar a participação de magistrados em seminários, cursos, congressos, encontros culturais, esportivos ou recreativos e eventos similares. Na oportunidade, dentre os fundamentos para a edição de uma Resolução de âmbito nacional visando regulamentar a matéria, consideraram-se ‘as inúmeras críticas publicadas por grandes veículos de imprensa nacional sobre a participação de magistrados e seus familiares em eventos patrocinados ou subsidiados por pessoas físicas ou por pessoas jurídicas de direito privado, ainda que indiretamente’ (Evento 1).
Proferi voto na 161ª Sessão Ordinária do CNJ, quando afirmei que diversos veículos de comunicação já viriam noticiando determinados fatos que reputo gravíssimos. Dentre estes fatos estariam: festa de magistrados em que teve sorteio de automóvel, cruzeiros e viagens à Europa; associação divulga lista de patrocinadores que incluem empresas privadas e **; em festa para mais de mil pessoas, promovida no Clube Monte Líbano, a ** distribui no último dia primeiro, presentes oferecidos por empresas públicas e privadas para juízes estaduais. Entre os brindes havia: automóveis, cruzeiros, viagens internacionais e hospedagem em resorts com direito a acompanhante. Houve sorteio de um ‘Volkswagem Fox’ zero quilômetro e de viagens nacionais e internacionais.
Ainda na 161ª Sessão do CNJ, asseverei que, em 2010, a festa da** teve patrocínio do **, da cervejaria **, da seguradora **, e da operadora de planos de saúde **. (…). A ** cedeu duas passagens de ida e volta para Paris e a ** um ‘Ford Fiesta’ zero quilômetro.
Da mesma forma, em ofício encaminhado à Corregedoria Nacional de Justiça, o Presidente da ** reconheceu que houve o sorteio de passagens aéreas, hospedagem na pousada Campos do Jordão, viagem para Maceió, duas geladeiras, viagem para Costa do Santinho, viagem para Costa do Sauipe, uma semana de locação de carro econômico, uma semana de hospedagem no hotel Rosean Inn, na cidade de Orlando na Flórida com direito a acompanhante, cruzeiro marítimo no navio Splendor Of the Seas, o segundo maior transatlântico do mundo, outro cruzeiro no mesmo transatlântico, viagem para Maceió, fretamento aéreo através da CVC e sorteio do carro ‘Fox’ prata, 1.0, modelo 2012.
Note-se, excelência, que eventos de que participam magistrados estavam sendo realizados sem qualquer controle, como fiz constar em meu voto. E mesmo depois da regulamentação tais eventos estão sendo realizados, mas necessitam de controle.
Apenas para ilustrar, cito, aqui, a programação do Encontro do Colégio Permanente de Diretores de Escolas Estaduais de Magistratura - COPEDEM, que seria realizado de 16 a 19 de maio de 2013, no Hotel Dolphin — Distrito de Fernando de Noronha/PE.
Acrescento, ainda, que, até o Festival de Parintins, evento tradicional de Manaus/AM, tem contado com a presença de magistrados, conforme indica a programação de 2013, documento anexo.
Em Sessão ocorrida no dia 19/2/2013 (163ª Sessão Ordinária do CNJ), o Plenário deste Conselho aprovou, por maioria, o texto substitutivo da Resolução (Evento 65). Vejamos a certidão da 163ª Sessão Ordinária do CNJ:

‘Após o voto do Conselheiro Carlos Alberto (vistor), que apresentou nova proposta de resolução elaborada em conjunto com o Corregedor Nacional de Justiça, o Conselho, por maioria, aprovou o substitutivo da resolução.
Vencidos, parcialmente, os Conselheiros Sílvio Rocha e Tourinho Neto, que não aprovaram o art. 2° e propuseram alterações aos artigos 4° e 5°. Vencidos, parcialmente, os Conselheiros Vasi Werner, Jefferson Kravchychyn e Jorge Hélio, que vedaram o patrocínio do art. 2°. Vencido, em maior extensão, o Conselheiro José Lucio Munhoz, o qual conheceu e aprovou questão de ordem no sentido de realizar-se consulta pública. Votou o Presidente. Presidiu o julgamento o Conselheiro Joaquim Barbosa. Plenário, 19 de fevereiro de 2013.
Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Joaquim Barbosa, Francisco Falcão, Carlos Alberto, Neves Amorim, Tourinho Neto, Ney Freitas, Vasi Werner, Silvio Rocha, José Lucio Munhoz, Wellington Cabral Saraiva, Gilberto Martins, Jefferson Kravchychyn, Jorge Hélio, Emmanoel Campelo e Bruno Dantas.
Presente o Procurador-Geral da República e, representando o Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Cláudio Pereira de Souza Neto, Secretário-Geral.
Manifestou-se o advogado Alberto Pavie Ribeiro OAB/DF 7.077’.

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) requereram seu ingresso no feito, como interessadas (Eventos 11, 13 e 35, respectivamente). Também a AJUFE e a AMB requereram a realização de audiência pública, bem como vista do procedimento (Eventos 35 e 36, respectivamente).
Os requerimentos para a realização de audiência pública, de vista dos autos e de adiamento do julgamento foram todos considerados prejudicados. Decisão do Corregedor Nacional de Justiça asseverou que (Evento 41):

‘De fato, assiste razão aos requerentes quando aduzem tratar-se de matéria de interesse da sociedade e da magistratura, como de resto ocorre com todas as demandas tratadas pelo Conselho Nacional de Justiça.
Entretanto, como se trata de feito que já teve a proposta de redação apresentada pelo relator ao Plenário do CNJ, não há que se falar em adiamento, concessão de vista ou realização de audiências públicas.
Não se olvide, entretanto, que a participação da sociedade e das entidades de classe da magistratura nacional nos assuntos que lhe digam respeito não pode se resumir a etapas de um processo. Assim, ainda que editado o ato normativo, este Conselho permanece sempre atento a qualquer demanda recebida no intuito de proceder aos ajustes que visem ao aperfeiçoamento da medida.
Isto posto, está prejudicado o pedido de realização de audiências públicas, vista dos autos e adiamento formulado pelos requerentes’.

Tanto a ANAMATRA quanto a AMB reiteraram pedidos de discussão da minuta de Resolução (Eventos 50 e 61, respectivamente).
Ocorre que, em momento algum, as associações impetrantes ofereceram qualquer proposta de regulamentação, em suas manifestações nos autos. Tanto as iniciais dos Mandados de Segurança em questão, quanto suas manifestações no procedimento do CNJ, indicam que são contrárias a qualquer forma de controle.
Note-se que, por ato da Presidência do CNJ, compete à Corregedoria Nacional de Justiça acompanhar o cumprimento da Resolução em questão (Evento 88), e está sempre à disposição das Associações para esclarecer o Alcance da regulamentação e ouvir todas as ponderações, como aliás ficou consignado na decisão que proferi no evento 41, que ora Reitero: ‘Não se olvide, entretanto, que a participação da sociedade e das entidades de classe da magistratura nacional nos assuntos que lhe digam respeito não pode se resumir a etapas de um processo. Assim, ainda que editado o ato normativo, este Conselho permanece sempre atento a qualquer demanda recebida no intuito de proceder aos ajustes que visem ao aperfeiçoamento da medida’.
3- CNJ (Eventos 91 e 93).
Sendo o que cumpria informar a Vossa Excelência, permanece esta Corregedoria Nacional de Justiça à disposição para quaisquer esclarecimentos que se mostrem necessários.” (grifei)

O relato que venho de reproduzir, emanado do eminente Senhor Corregedor Nacional de Justiça, revela as graves razões que levaram o Conselho Nacional de Justiça a editar a Resolução ora questionada, movido pela necessidade de impor a observância do que prescreve, em cláusula vedatória, a norma inscrita no art. 95, parágrafo único, n. IV, da Constituição da República, cujo texto não pode deixar de ser respeitado por quem quer que seja, especialmente por membros integrantes do Poder Judiciário. Já escrevi, em decisões por mim anteriormente proferidas no Supremo Tribunal Federal, que os membros de qualquer Poder (como os juízes), quando atuam de modo reprovável ou contrário ao direito, transgridem as exigências éticas que devem pautar e condicionar a atividade que lhes é inerente.
A ordem jurídica não pode permanecer indiferente a condutas de quaisquer autoridades da República, inclusive juízes, que hajam eventualmente incidido em reprováveis desvios éticos no desempenho da elevada função de que se acham investidas.
A Resolução CNJ nº 170/2013, considerados os fatos e motivos que lhe deram origem, constituiria, nesse contexto, elemento de concretização da ética republicana, por cuja integridade todos, sem exceção, devemos velar, notadamente aqueles investidos em funções no aparelho de Estado, quer no plano do Poder Executivo, quer na esfera do Poder Legislativo, quer, ainda, no âmbito do Poder Judiciário.
Inquestionável, desse modo, a alta importância da vida ilibada dos magistrados, pois a probidade pessoal, a moralidade administrativa e a incensurabilidade de sua conduta na vida pública e particular (LOMAN, art. 35, VIII) representam valores que consagram a própria dimensão ética em que necessariamente se deve projetar a atividade pública (e privada) dos juízes.
Sabemos todos que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis, isentos e imparciais, que desempenhem as suas funções com total respeito aos postulados ético-jurídicos que condicionam o exercício legítimo da atividade pública. O direito ao governo honesto — nunca é demasiado proclamá-lo — traduz prerrogativa insuprimível da cidadania.
É por tal razão que a defesa dos valores constitucionais da probidade administrativa e da moralidade para o exercício da magistratura traduz medida da mais elevada importância e da mais alta significação para a vida institucional do País.
Daí a necessidade de atenta vigilância sobre a conduta pessoal e funcional dos magistrados em geral, independentemente do grau de jurisdição em que atuem, em ordem a evitar — tal como objetiva a Resolução em causa — que os juízes, recebendo, de modo inapropriado, auxílios, contribuições ou benefícios de pessoas físicas, de entidades públicas ou de empresas privadas, inclusive daquelas que figuram em processos judiciais, desrespeitem os valores que condicionam o exercício honesto, correto, isento, imparcial e independente da função jurisdicional.
Embora inquestionável a posição de grande eminência dos magistrados no contexto político-institucional emergente de nossa Constituição, impõe-se reconhecer, até mesmo como decorrência necessária do princípio republicano, a possibilidade de o Conselho Nacional de Justiça efetuar o controle estabelecido pela Resolução ora impugnada, que teve o claro propósito — ao explicitar o comando vedatório fundado no inciso IV do parágrafo único do art. 95 da Lei Fundamental — “(...) de estabelecer parâmetros para a participação de magistrados em eventos jurídicos e culturais, de modo a não comprometer a sua imparcialidade para decidir, em caso de subvenção por entidades privadas”, inibindo, desse modo, eventuais condutas desviantes ou, até mesmo, transgressões funcionais por parte de autoridades judiciárias.
Na realidade — e especialmente a partir da Constituição republicana de 1988 —, a estrita observância do postulado da moralidade passou a qualificar-se como pressuposto de validade dos atos estatais, consoante proclama autorizado magistério doutrinário (MANOEL DE OLIVEIRA FRANCO SOBRINHO, “O Princípio Constitucional da Moralidade Administrativa”, 2ª ed., 1993, Genesis; ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”, p. 284, item n. 2.3, 3ª ed., 1998, Atlas; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 132/134, 2ª ed., 1995, Malheiros; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 412/414, itens ns. 14/16, 4ª ed., 1993, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 83/85, 17ª ed., 1992, Malheiros; MARIA SYLVIA ZANELLA DE PIETRO, “Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988”, p. 116/118, item n. 2.5, 1991, Atlas, v.g.).
Cabe relembrar, neste ponto, o alto significado que o princípio da moralidade — fundamento precípuo da Resolução ora impugnada — assume em nosso sistema constitucional, tal como esta Suprema Corte já teve o ensejo de enfatizar:

“O PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA — ENQUANTO VALOR CONSTITUCIONAL REVESTIDO DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO — CONDICIONA A LEGITIMIDADE E A VALIDADE DOS ATOS ESTATAIS.
- A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado.
O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. (...).”
(RTJ 182/525-526, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A análise do conteúdo da deliberação que o Conselho Nacional de Justiça formulou na Resolução em questão revelaria, portanto, na perspectiva de um juízo de sumária cognição, a aparente inocorrência das alegadas violações ao art. 5º, incisos IX, XVII, XVIII, LIV e LV, ao art. 8º, I, e ao art. 93 da Constituição da República, bem assim aos “princípios da proporcionalidade e razoabilidade”.
Sustenta-se, ainda, que o Conselho Nacional de Justiça, por meio de Resolução formalmente inidônea, teria criado, por isso mesmo, de modo ilegítimo, infração disciplinar nova, em ofensa ao princípio da reserva constitucional de lei.
O exame do contexto emergente deste processo mandamental, ao contrário, parece revelar que o Conselho Nacional de Justiça teria agido de maneira legítima, mediante adoção de ato incluído na esfera constitucional de suas atribuições jurídicas, não se registrando, em consequência, ao menos em juízo de estrita delibação, qualquer atuação “ultra vires” do órgão ora apontado como coator, conforme orientação jurisprudencial que o Plenário desta Suprema Corte firmou no julgamento da ADC 12/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO.
Na realidade, a Resolução CNJ nº 170/2013, ao dispor sobre “a participação de magistrados em congressos, seminários, simpósios, encontros jurídicos e culturais e eventos similares”, longe de caracterizar indevida “intervenção estatal” ou mesmo ofensa à liberdade de associação e de funcionamento das autoras, traduziria emanação direta do que prescreve a própria Constituição da República (RE 579.951/RN, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI), considerados, notadamente para esse efeito, além da regra de competência fundada no art. 103-B, § 4º, do texto constitucional, os postulados da impessoalidade e da moralidade, que representam valores essenciais na conformação das atividades de órgãos ou agentes de qualquer dos Poderes do Estado, especialmente de magistrados e Tribunais judiciários, como precedentemente já assinalado.
É importante ressaltar, no ponto, que a Resolução em causa tem por únicos destinatários os magistrados, e somente estes, considerada a circunstância — juridicamente relevante — de que se acham eles, por efeito de expressa prescrição constitucional, sujeitos à competência e à ação fiscalizadora do Conselho Nacional de Justiça.
A leitura do ato ora impugnado, notadamente da regra inscrita em seu art. 4º, evidencia que as restrições estabelecidas dirigem-se, exclusivamente, a magistrados, cuja participação “em encontros jurídicos ou culturais, quando promovidos ou subvencionados por entidades privadas com fins lucrativos e com transporte e hospedagem subsidiados por essas entidades, somente poderá se dar na condição de palestrante, conferencista, presidente de mesa, moderador, debatedor ou organizador” (grifei).
Esse tratamento normativo do tema não impede que as entidades de classe da magistratura nacional, como as litisconsortes ora impetrantes, promovam simpósios, seminários, congressos, cientes, no entanto, de que os juízes que por elas venham a ser convidados para participar desses encontros estarão, eles apenas, em razão de sua própria investidura funcional no cargo judiciário, sujeitos a limitações que, fundadas no texto da própria Constituição, foram explicitadas pelo Conselho Nacional de Justiça na Resolução objeto deste litígio mandamental.
Ou, em outras palavras, o ato normativo sob análise não compromete os objetivos estatutários, não afeta as finalidades institucionais, não inibe o funcionamento regular nem interfere na intimidade gerencial das associações ora impetrantes, que poderão, por isso mesmo, promover as atividades para as quais foram instituídas, preservada, em consequência, a autonomia jurídica que tais entidades ostentam, infensas, desse modo, a qualquer indevida “intervenção estatal”.
Entendo, por tal razão, ao menos em sede de mera delibação e analisada a questão sob a estrita perspectiva da liberdade de associação, que a Resolução CNJ 170/2013 não vulneraria os elementos que compõem a estrutura constitucional desse direito fundamental, consideradas as razões que expus, como Relator, em voto proferido na ADI 3.045/DF.
O que não se revela aceitável, contudo, é pretender que magistrados possam incidir em comportamentos que impliquem, tal seja a situação ocorrente, transgressão a uma expressa vedação constitucional (CF, art. 95, parágrafo único, n. IV) que não permite, qualquer que seja o pretexto, a percepção, direta ou indireta, de vantagens ou de benefícios inapropriados, especialmente quando concedidos por pessoas físicas, entidades públicas ou empresas privadas, com especial destaque para aquelas que, costumeiramente, figuram em processos instaurados perante o Poder Judiciário.
Vale enfatizar, de outro lado, que a atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa, que se qualifica como valor impregnado de substrato ético e erigido à condição de vetor fundamental no processo de poder, condicionando, de modo estrito, o exercício, pelo Estado e por seus agentes, da autoridade que lhes foi outorgada pelo ordenamento normativo. Esse postulado, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos nos quais se funda a própria ordem positiva do Estado.
É por essa razão que o princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle de todos os atos do poder público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos órgãos e dos agentes governamentais, não importando em que instância de poder eles se situem.
A Resolução nº 170/2013, que o Conselho Nacional de Justiça editou com fundamento em competência que lhe foi constitucionalmente deferida, objetivou atribuir efetividade à vedação inscrita no art. 95, parágrafo único, n. IV, da Lei Fundamental, cuja razão de ser prende-se à sua precípua destinação de instituir a garantia de imparcialidade dos membros do Poder Judiciário, visando, com tal cláusula proibitiva, conferir aos jurisdicionados a certeza de que lhes será assegurado o direito a um julgamento justo por parte de magistrados isentos, além de atuar como elemento de defesa da própria integridade profissional e pessoal dos juízes, como destaca, com particular ênfase, o magistério doutrinário (UADI LAMMÊGO BULOS, “Curso de Direito Constitucional”, p. 1.282, 7ª ed., 2012, Saraiva; GILMAR FERREIRA MENDES e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Curso de Direito Constitucional”, p. 942, 8ª ed., 2013, Saraiva; ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”, p. 522/524, 29ª ed., 2013, Atlas, v.g.), valendo reproduzir, por expressivo desse entendimento, fragmento da lição exposta por JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Curso de Direito Constitucional”, p. 592/594, 36ª ed., 2012, Malheiros):

“(…) As garantias de imparcialidade dos órgãos judiciários aparecem, na CF, sob forma de vedações aos juízes, denotando restrições formais a eles. Mas, em verdade, cuida-se aí, ainda, de proteger a sua independência e, consequentemente, do próprio Poder Judiciário. Assim é que a CF, no art. 95, parágrafo único, veda-lhes: a) exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; b) receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; c) dedicar-se à atividade político-partidária; d) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; e) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. Essas duas últimas vedações foram acrescentadas pela EC-45/2004, tornando, assim, expressas proibições que decorriam do sistema e a respeito das quais ninguém tinha dúvida, tanto que o magistrado que exercesse aquelas atividades vedadas cometia improbidade, sujeito à punição correspondente, prevista em lei (…).” (grifei)

Não foi por outro motivo que o Código de Ética da Magistratura Nacional, editado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2008, ao dispor sobre normas de caráter deontológico, deu especial relevo aos valores que, expressamente consagrados no texto constitucional, informam e conformam o próprio desempenho do ofício jurisdicional e a conduta pessoal dos magistrados, como se extrai dos “consideranda” e das regras que compõem esse importante instrumento de regência do comportamento público e privado dos membros do Poder Judiciário:

“Considerando que a adoção de Código de Ética da Magistratura é instrumento essencial para os juízes incrementarem a confiança da sociedade em sua autoridade moral;
Considerando que o Código de Ética da Magistratura traduz compromisso institucional com a excelência na prestação do serviço público de distribuir Justiça e, assim, mecanismo para fortalecer a legitimidade do Poder Judiciário;
Considerando que é fundamental para a magistratura brasileira cultivar princípios éticos, pois lhe cabe também função educativa e exemplar de cidadania em face dos demais grupos sociais;
Considerando que a Lei veda ao magistrado ‘procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções’ e comete-lhe o dever de ‘manter conduta irrepreensível na vida pública e particular’ (LC nº 35/79, arts. 35, inciso VIII, e 56, inciso II);
…...................................................................................................
Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.
…...................................................................................................
Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas legais.
Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.
…...................................................................................................
Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.
…...................................................................................................
Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.
Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.
Art. 17. É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional.
Art. 18. Ao magistrado é vedado usar para fins privados, sem autorização, os bens públicos ou os meios disponibilizados para o exercício de suas funções.
Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial. (…).” (grifei)

Em suma: tais são as razões que me levam, em juízo de sumária cognição, a indeferir o pedido de medida cautelar, rememorando, por oportuno, que a outorga de provimento liminar, resultante do concreto exercício do poder geral de cautela conferido aos juízes e Tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos pressupostos referidos no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009: a existência de plausibilidade jurídica (“fumus boni júris”), de um lado, e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (“periculum in mora”), de outro.
Sem que concorram esses dois requisitos — que são necessários, essenciais e cumulativos —, não se legitima a concessão da medida liminar, consoante enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão especificados no art. 7º, II, da Lei nº 1.533/51, a saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança.
Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar.”
(RTJ 112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID — grifei)

Consideradas, portanto, as razões que venho de expor, tenho por inocorrente, na espécie, ao menos em juízo de estrita delibação, a plausibilidade jurídica da pretensão cautelar ora em análise.
Sendo assim, e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, indefiro o pedido de medida liminar.
2. Esta decisão é por mim proferida no exercício eventual da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em face da ausência transitória, no território brasileiro, dos eminentes Senhores Ministros Presidente e Vice-Presidente desta Corte (RISTF, art. 37, I, c/c o art. 13, VIII).
3. Comunique-se, encaminhando-se cópia da presente decisão aos eminentes Senhores Ministros Presidente do Conselho Nacional de Justiça e Corregedor Nacional de Justiça.
Publique-se.
Brasília, 08 de julho de 2013.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator
(RISTF, art. 37, I)

*decisão publicada no DJe de 5.8.2013
**nomes suprimidos pelo Informativo

OUTRAS INFORMAÇÕES
19 a 23 de agosto de 2013

Decreto nº 8.080, de 20.8.2013 - Altera o Decreto nº 7.581, de 11.10.2011, que regulamenta o Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC, de que trata a Lei nº 12.462, de 5.8.2011. Publicado no DOU em 21.8.2013, Seção 1, p. 2.

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