"PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA



INVESTIGADO:  “Zé do Caixão”

FATO: FURTO



DECISÃO



Trata-se de auto de prisão em flagrante lavrado em face de “Zé do Caixão”, comunicado pela autoridade policial LOCAL, segundo a qual o investigado fora surpreendido por policiais, no interior de um caminhão danificado na pista, no Povoado Catu Grande, tentando furtar duas “caixas de iogurte”, motivo pelo foi autuado em flagrante delito.
A D.D autoridade policial enquadrou a conduta do increpado, preliminarmente, no art. 155, §4º, I e IV, º do CP.
O estado de flagrância restou configurado, consoante art. 5°, LXI, da Constituição Federal e arts. 301 e 302, do Código de Processo Penal.
Houve a imediata comunicação a este Juízo, consoante art. 5°, LXII, da Constituição Federal.
O preso foi informado de seus direitos, como determinam os incisos XLIX, LXIII e LXIV, do art. 5° da Constituição Federal.
É o breve relato.
No que tange à falta de oitiva prévia do MP, os Tribunais Superiores vêm etendendo pela sua dencessidade, conforme se vê abaixo, verbis:

(…) STJ: PRESO EM FLAGRANTE. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. NULIDADE DO JULGADO NÃO EVIDENCIADA. (…) I. Conforme a novel redação do art. 310 do CPP, o Magistrado, ao tomar ciência da prisão em flagrante, deverá, de modo fundamentado, relaxar a custódia ilegal, conceder liberdade provisória, com ou sem fiança, ou decretar a segregação preventiva do agente.II. Mostra-se despicienda a existência de representação ministerial ou do agente policial para a conversão da prisão em flagrante em preventiva, devendo o Juiz, mesmo sem provocação, manter a segregação cautelar sempre que a medida mostrar-se necessária, nos termos do art. 312 do CPP, não se vislumbrando qualquer nulidade no decisum de 1º grau, já que o Julgador agiu em estrito cumprimento do disposto na lei adjetiva penal.”(….)(STJ:HC 226.937/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/04/2012, DJe 23/04/2012).

Diante do exposto e observando-se as prescrições legais e constitucionais, não há vícios formais a macular a peça,mas não homologarei o presente auto de prisão em flagrante pelas razões que seguem abaixo:

Quando o juiz recebe o auto de prisão em flagrante, nos art. 310 do CPP, deverá: 1) relaxar a prisão se esta for ilegal; 2) converter esta em preventiva; 3) conceder a liberdade provisória.
No caso dos autos, há ilegalidade material no auto, por se tratar de conduta atípica, pois incidente o princípio da insignificância.
Sem querer adentrar no mérito do caso sub judice, verifica-se que o caso em tela revela a inexistência de crime, em razão da atipicidade do fato.
Deveras, constatar-se a configuração da tipicidade formal, traduzida pela prática de conduta prevista no art. 155, § 4º, inciso IV, c/c art. 14, inciso II, caput, do CP, qual seja subtração de coisa alheia móvel. Entretanto, não restou caracterizada a presença da tipicidade material, assim entendida como a relevante lesão ou ameça de lesão ao bem jurídico.
Bastante pertinente é o magistério de Rogério Grecco, em Curso de Direito Penal, transcrito a seguir:

Já tivemos a oportunidade de salientar que o fato típico é composto pela conduta do agente, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva; pelo resultado; bem como pelo nexo de causalidade, entre aquela e este, e, por fim, pela tipicidade formal e conglobante.

Ainda, segundo o referido doutrinador, a tipicidade conglobante tem como requisito a tipicidade material, que é a necessidade de a conduta típica ter relevância jurídica, não podendo o Direito Penal se ocupar com lesões insignificantes, pois o resultado não é socialmente reprovável, daí se falar em princípio da insignificância, da intervenção mínima, pois quando o legislador criou o tipo de furto, o mesmo se preocupou com furtos que possuíssem grande prejuízo à sociedade, ele não tencionava legislar para coibir furtos de bagatela.
No feito, percebe-se a o desvalor da conduta perpetrada, ao tempo em que não se constata a produção de um resultado socialmente reprovável, que seja capaz de justificar a aplicação dos rigores efeitos do Direito Penal, em obediência aos princípios da Fragmentariedade e Intervenção Mínima, que norteiam esta ciência.
O reconhecimento da atipicidade do fato não conduz à impunidade da conduta, apenas limita as suas consequências, afastando a incidência do Direito Penal, reservando a aplicação de outras ciências jurídicas
Adotamos, pois, o entendimento esposado na doutrina internacional de Claus Roxin e defendida no Brasil por Rogério Grecco, Cezar Bitercourt e Mirabete, dentre outros.
In casu, trata-se de inexistência de tipicidade material, pela ausência de lesividade da conduta ( furto de duas caixas de iogurte), sendo que o valor da res furtiva não ultrapassa as cifras de R$ 80,00, i.e, menos de XX % do salário-mínimo.

Segundo o STF, para a aplicação do referido princípio necessário a concomitância de 04 requisitos: 1- conduta minimamente ofensiva; 2- ausência de periculosidade social da ação; 3- reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica inexpressiva (HC 109231-RA, 2ª T, Rel. Ricardo Levandowiski).
Atente-se que não há provas de que o investigado foi responsável pelo rompimento do cadeado, o que inviabliza qualificar o crime por esta circunstância.
Sobre o princípio da insignificãncia, assim vem decidindo o STF:
Processo: HC 105974 RS
Relator(a): Min. AYRES BRITTO
Julgamento: 23/11/2010
Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação: DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011
Parte(s): EVANDRO FERNANDES DOS SANTOS
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
RELATOR DO AG 1297452 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ementa
HABEAS CORPUS. CRIME DE TENTATIVA DE FURTO (CAPUT DO ART. 155, COMBINADO COM O INCISO II DO ART. 14, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). OBJETO – APARELHO CELULAR - QUE NÃO SUPERA O VALOR DE R$ 200,00 (DUZENTOS REAIS). ALEGADA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA, POR SE TRATAR DE UM INDIFERENTE PENAL. PROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. ANÁLISE OBJETIVA. ORDEM CONCEDIDA.

1. O objeto que supostamente se tentou subtrair não ultrapassa o valor de R$ 200,00 (duzentos reais): aparelho de telefone celular. Objeto que foi restituído à vítima, sendo certo que o acusado não praticou nenhum ato de violência.
2. Para que se dê a incidência da norma penal não basta a mera adequação formal do fato empírico ao tipo legal. É preciso que a conduta delituosa se contraponha, em substância, ao tipo em causa. Pena de se provocar a desnecessária mobilização de u’a máquina custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder em que o Judiciário consiste. Poder que não é de ser acionado para, afinal, não ter o que substancialmente tutelar.
3. A inexpressividade financeira do objeto que se tentou furtar salta aos olhos. Risco de um desfalque praticamente nulo no patrimônio da suposta vítima, que, por isso mesmo, nenhum sentimento de impunidade experimentará com o reconhecimento da atipicidade da conduta do agente.
4. Habeas corpus deferido para determinar o trancamento da ação penal, com a adoção do princípio da insignificância penal.”

Deste modo, seja em virtude do Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal ou da Insignificância, há de se reconhecer que não subsiste o caráter delitivo do fato narrado no presente feito, poupando-se o trabalho da polícia, do MP e da Justiça, eis que, a nosso sentir, não há justa causa para o andamento do respectivo inquérito.

DISPOSITIVO:

Ante todo exposto, relaxo a prisão em flagrante do investigado no termos dos arts. 651, 648,I, c/c art. 310, I, do CPP, tendo a presente FORÇA DE ALVARÁ DE SOLTURA SE POR OUTRO MOTIVO NÃO ESTIVER PRESO.
Ciência ao MP, inclusive para informar se pretende que o inquérito respectivo continue a tramitar (Súmula 524 do STF).
Transitado em julgado, arquivem-se os autos.


ITAPICURU/BA, 31 de janeiro de 2014."

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