Sentença manda Estado Construir Delegacia de polícia nova em SÃO GONÇALO DOS CAMPOS-BA
PODER JUDICIARIO DO
ESTADO DA BAHIA
JUÍZO DE DIREITO DA
VARA DOS FEITOS CÍVEIS
COMARCA DE SÃO
GONÇALO DOS CAMPOS
Ação Civil
Pública nº
0000511.39.2009.805.0237
Autor: O MINISTERIO PUBLICO DO
ESTADO DA BAHIA
Réu: O ESTADO DA BAHIA
SENTENÇA
Vistos, etc...
Trata-se de Ação Civil Pública com
pedido de liminar ajuizada pelo Ministério Público do Estado da Bahia em face
do Estado da Bahia, onde o autor alega em síntese que Instaurou Inquérito Civil
para apurar a situação caótica da Cadeia Pública deste Município, onde restou
apurado que o prédio onde funciona a cadeia foi edificado no ano de 1925,
possui 04 celas para abrigar pessoas do sexo masculino e 01 cela para o sexo
feminino, todavia, o prédio se encontra em péssimas condições, já tendo ocorrido
fugas de detentos em razão da tamanha fragilidade da carceragem, bem como uma
parte se encontra escorada com madeira para não desabar, tudo conforme
relatório analítico de fls. 22/32 e relatório técnico, ambos da lavra de
Viviane Tavares Pessoa, técnica em edificações – CREA 47568/D (fls. 33/344),
bem assim relatório da visita “in loco” efetuada pela Promotora de Justiça
desta Comarca.
O MP sustenta ainda que os detentos
não tem acesso ao banho de sol e que devido a insalubridade do local há
proliferação de doenças. Além das péssimas condições estruturais, ao longo dos
anos ocorreram várias evasões na referida unidade prisional facilitadas estas,
pela precariedade das instalações.
Alega que o Município de São Gonçalo
dos Campos doou ao Estado um terreno de 1.000m2 situado na rua Cícero Ribeiro
Pedreira, Neste, visando a construção de um
complexo policial, todavia hão houve qualquer providência por parte do
Estado para registrar a aludida doação.
O MP reconhece que o problema do
sistema prisional é crônico neste Estado, mas a população clama por uma solução
e a responsabilidade sem dúvidas é do Estado da Bahia, que por sua inércia
deixou a situação se agravar a tal ponto, de modo que essa inércia não pode
contaminar o Ministério Público e o Poder Judiciário. Não se pode admitir que o
descumprimento das leis, dentre elas a Lei Federal nº 7.210/84, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos, a Convenção Americana dos Direitos Humanos, Convenção Contra a
Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradante e da
própria Constituição Federal (art.5º caput, art.6º e art.144 da CRFB/88) possa
encontrar guarida na justiça, com a simples aceitação da discricionariedade do
Poder Executivo.
Afirma o MP que a situação da DEPOL
local gera prejuízo, pânico, terror, degradação, insegurança e desgraça não só
aos detentos, mas também, para a comunidade como um todo, principalmente para
os que residem na vizinhança.
Assim, por vislumbrar violação do interesse
difuso da sociedade pela garantia de segurança pública, é mister que de
imediato cessem os efeitos danosos
advindos da omissão estatal, razão pela qual o MP requereu medida liminar para
que o Estado sob pena de multa diária de R$10.000,00 determine a remoção de
todos os presos (12) que estejam nas celas da Delegacia de Polícia de São
Gonçalo dos Campos para outros estabelecimentos mais adequados e proibição de
ingresso de novos presos e condenados na referida cadeia pública, enquanto não
cessado o seu estado físico.
No mérito, requer confirmação da
liminar e condenação do Estado da Bahia em obrigação de fazer consistente na
construção de uma cadeia pública de forma a atender plenamente as disposições
da Lei 7.210/84, sob pena de multa diária em valor a ser fixado por este Juízo.
A liminar foi deferida às fls.
87/88.
O Réu foi devidamente citado e
apresentou contestação de fls. 104 a 119, onde alega em síntese que a decisão
de deferimento da liminar deve ser revista pois o Juízo não adotou o procedimento
de intimação prévia do Estado para se manifestar sobre o pedido no prazo de 72
horas (art.1º Lei 9.494/97). No mérito, requer a revogação da liminar e
contesta a ação afirmando que os pleitos do Parquet Estadual, apesar da boa
intenção, esbarram em uma série de entraves de ordem prática e técnica que
certamente levarão este Juízo a reconhecer a improcedência da ação.
Sustenta ainda que em face do
princípio da reserva do possível não seria possível o Poder Judiciário emitir
uma ordem judicial tendente a obrigar o Poder Público a oferecer a prestação um serviço público
além de suas capacidades materiais (financeiras e de infra-estrutura)
notadamente quando existem outras necessidades básicas a serem supridas com o
mesmo quantitativo de recursos, causando desordem orçamentária e,
consequentemente, o caos nas contas públicas.
O réu juntou ainda cópia do Agravo
de Instrumento (fls.132/156) ajuizado no TJ-BA contra a decisão interlocutória
que culminou com o deferimento da liminar.
O Ministério Público foi instado a
se manifestar sobre a contestação, e assim procedeu ás fls. 158/159, reiterando
os termos da exordial.
Às fls. 169/172 consta cópia da
Decisão da presidente do TJ/BA (Desa. Sílvia Carneiro Santos Zarif) proferida nos autos do pedido de suspensão
dos efeitos da Liminar nº 27.326-8 suspendendo os efeitos da liminar por
entender que os problemas em cadeias públicas não são exclusivos da cadeia
pública de São Gonçalo dos Campos, daí a liminar causaria grave lesão à ordem,
à segurança e à economia pública. O Agravo e Agravo de Instrumento
27.325-9/2008 foi provido, conforme DPJ de 28.02.2011.
Às fls. 175 consta ofício do
Delegado de Polícia comunicando nova fuga de detentos, dessa vez, fugiram
06(seis).
Às fls. 193 consta ofício do
Delegado de Polícia comunicando que a cadeia local permanece em situação
precária e colocando em risco a integridade física das pessoas ali custodiadas.
Às fls. 194 consta cópia da ocorrência de nº 21/10 relatando as péssimas
condições da DEPOL e que no local há baratas, escorpiões, cupim, mosquitos,
morcego, ratos e aranhas, colocando em risco à integridade dos presos, dos
policiais e das pessoas que por transitam pelas instalações da carceragem.
Ás fls. 195/199 consta o Laudo
Pericial emitido por dois peritos criminalistas lotados no Departamento de
Polícia Técnica da Secretaria de Segurança Pública do Estado, dando conta que
diante da situação verificada “in loco” podem asseverar que a edificação expõe
em perigo de vida, a integridade física e o patrimônio de outrem.
Às fls. 213/215 constam informações
do Governo do Estado de que seria inviável reformar a DEPOL local devido ao
alto custo e pelo fato do prédio pertencer ao Município e que estaria previsto
a construção de um complexo policial de médio (Distrito Integrado de Segurança
Pública, de estrutura pré-fabricada) para esta Comarca. Às fls. 235 verifica-se
que o custo orçado para construção do DISEP tipo III(fls.237) é de
R$1.910.088,62.
Às fls. 245 o Ministério Público
afirma que decorridos mais de 05(cinco) anos desde o ajuizamento da ação
coletiva, absolutamente nada foi feito pelo Estado da Bahia para solucionar o
grave problema da cadeia pública local, e que o Estado não deve ficar
aguardando eternamente uma doação de terreno pelo Município, ao contrário, deve
adotar todas medidas legais cabíveis, inclusive desapropriação, razão pela qual
reitera os pedidos da exordial e requer o julgamento da lide.
É o relatório, passo a fundamentar e
decidir.
É caso de julgamento conforme o
estado do processo, na forma do art. 330, I do CPC, verifico que não há
necessidade de produção de provas em audiência e que os elementos constantes
dos autos são mais que suficientes para afirmarmos que o feito está maduro e
comporta o julgamento antecipado.
O pedido deve ser julgado
procedente. Inicialmente, registro que não há arguição de preliminares, razão
pela qual passo ao exame de mérito.
A
via eleita pelo MP, incontestavelmente, é adequada para o presente feito. O MPE
busca com esta ação garantir um tratamento digno àqueles que se encontram sob a
custódia do Estado, tratamento este garantido por Leis, Convenções e pela
Própria Constituição Federal, como bem asseverou o MP na sua exordia.
É inegável a situação de calamidade
em que se encontra a cadeia pública de São Gonçalo dos Campos -BA, situação
essa que atinge não somente os presos lá custodiados, mas também os servidores
públicos lotados na unidade e toda a população que vive temerosa a respeito de
rebeliões e fugas, inclusive já ocorridas, conforme comprovado nos autos
(fls.175).
Assim, o direito defendido pelo
Ministério Público corresponde a verdadeiro direito difuso, pois, diz respeito
a um número indeterminado de pessoas, ligados por uma mesma situação fática.
O fato do estado da Bahia buscar
melhorar a situação das cadeias existentes, conforme mencionado pela
Procuradoria às fls. 243, é louvável e necessário, mas a construção de uma nova
delegacia de polícia nesta Comarca é imperiosa, sabemos que depende de dotação orçamentária, devendo o
Estado gerir seu orçamento da maneira que melhor entender, mas isso é a regra
geral, nem sempre é a regra geral que deve prevalecer, não podemos concordar
que o Estado venha ferir a dignidade da pessoa humana dos detentos e muito
menos colocar suas vidas e a vida do servidores públicos e da população que por
ali transita em sério risco de morte, como bem concluíram os peritos técnicos
no laudo pericial de fls. 195/199.
A Constituição Federal deve ser
respeita e cumprida integralmente, não apenas a parte que interessa ao Estado.
Em verdade, o escopo do Ministério Público é garantir uma maior segurança aos
servidores em exercício na referida cadeia, seus familiares, bem como a todos
os habitantes da comarca. Além disso, visa-se garantir a segurança e a
dignidade dos presos que lá se encontrem. O indivíduo que tem sua liberdade
privada em razão da prática de um crime deve ter seus direitos de ser humano
resguardados, sua dignidade preservada, com a garantia de condições mínimas de
higiene e segurança.
O art. 41 da LEP estabelece direitos
elementares que devem ser assegurados aos que estão sob a responsabilidade do
Estado, como direito à alimentação, vestuário, educação, instalações
higiênicas, assistência médica, farmacêutica e odontológica; como direitos que
tem por finalidade tornar a vida no cárcere tão igual quanto possível à vida em
liberdade. Entre estes direitos estão a continuidade do exercício das
atividades profissionais, artísticas e desportivas anteriores à prisão, desde
que compatível; assistência social e religiosa; trabalho remunerado e
previdência social, proporcionalidade entre o tempo de trabalho, de descanso e
de recreação; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias
determinados, contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita,
da leitura, e de outros meios de informação.
A humanidade da pena determina que o
homem não pode ser tratado como meio mas como fim, como pessoa, o que impõe
limitação a quantidade e à qualidade da pena e, consequentemente, o respeito à
vida e a proibição de penas cruéis ou degradantes, incluído o rigor
desnecessário e as privações indevidas impostas aos custodiados. Aos submetidos
à pena privativa de liberdade deverão ser propiciadas as condições para uma
existência digna, velando-se por sua vida, saúde e integridade física e moral.
Se aos condenados devem ser assegurados estes direitos, com mais razão ainda
quando se está diante de presos provisórios, que aguardam numa delegacia a
instrução processual e não receberam, ainda, uma sentença condenatória.
Antes da concessão da liminar na
presente ação, a situação da cadeia sob análise era precária e insustentável e
com a suspensão dos efeitos da liminar, a situação permanece,o Estado se
encontra inerte ao caos.
Quer significar que a dignidade deve
ser preservada e permanecer inalterada em qualquer situação em que a pessoa se
encontre. A prisão deve dar-se em condições que assegurem o respeito à
dignidade. Segundo o preciso magistério do preclaro jurista Alexandre de
Moraes:
"A
dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta
singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e
que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas,
constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve
assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações
ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária
estima que merecem todas pessoas enquanto seres humanos" (in Direitos Humanos
Fundamentais, 2ª edição, São Paulo: Atlas, 1998, p. 60)
Ao vedar o ingresso de novos presos
na aludida cadeia e determinar a remoção dos que indignamente ali se encontram,
bem assim ao determinar em obrigação de fazer a construção de uma nova cadeia
nesta Comarca, não esta o Poder Judiciário invadindo a discricionariedade
administrativa. Isto por que o Poder Judiciário não pode permitir que a
discricionariedade administrativa seja fundamento para tolhimento de direitos e
garantias fundamentais previstos na Constituição.
Além do mais, modernamente, a
doutrina e a jurisprudência vêm aumentado o poder de ingerência do Judiciário
dentro da chamada discricionariedade administrativa. Sempre que esta
discricionariedade represente uma ilegalidade, o Judiciário pode e deve
intervir.
A discricionariedade é algo
legítimo, sem a qual a administração pública estaria vinculada aos desejos e
anseios do Poder Legislativo. Ocorre que muitas das vezes, há um mau uso dessa
discricionariedade por parte do Poder Executivo (Administração Pública),
passando essa da esfera do legítimo para o ilegítimo, e, por conseguinte,
deixando de ser discricionariedade para ser tão somente arbitrariedade. Então
para evitar isso, é que a doutrina, a frente das leis, começa a traçar teorias e
princípios para um maior controle dessa discricionariedade. Pois devemos ter
sempre em mente que o princípio básico que deve seguir a Administração Pública
é tão simplesmente atender ao interesse coletivo.
Frise-se que a situação da delegacia
local é muito precária, como relatou a
Promotora de Justiça, o Delegado, os peritos técnicos em laudo oficial e a
técnica em edificações no seu laudo analítico de forma que chegou-se ao ponto de ter que escorarem uma
parte do prédio com pedaços de madeira e no seu interior verificou-se a
presença de baratas, escorpiões, cupim, mosquitos, morcego, ratos e aranhas,
colocando em risco à integridade física
e a saúde dos presos, dos policiais e das pessoas que transitam pelas instalações da carceragem.
No entendimento da Procuradoria
Fazenda Pública Estadual o Poder Judiciário não pode compelir o Estado a
realizar novas construções de delegacias, ante a necessidade de dotação
orçamentária e o princípio da reserva do possível, todavia, este Magistrado
entende de forma diversa, uma vez que a dotação orçamentária já foi feita para
o exercício de 2012, conforme informação do Procurador do Estado às fls.213, no
entanto, o Estado ao invés de cumprir a programação e construir o complexo
policial conforme informações de fls.229/237, preferiu se acomodar aguardando
uma suposta doação de um terreno por parte do Município de São Gonçalo dos
Campos, mesmo ciente de que essa doação já teria sido feita em 23.02.1999,
conforme escritura pública de doação, de fls. 80/81, bastava tão somente o
Estado adotar as providências cabíveis quanto ao registro e demais atos
necessários à execução do projeto de construção do complexo policial denominado
DISEP. E, ainda que não houvesse doação de terreno, o Estado deveria adotar
suas providências e não ficar a mercê do Poder Público Municipal.
Quanto ao princípio da reserva do
possível, a Procuradoria do Estado tem se equivocado na sua interpretação. Trata-se de pensamento equivocado, pois a
necessidade de previsão orçamentária para realização de despesas
públicas é regra dirigida essencialmente ao administrador, não ao juiz, que
pode deixar de observar o preceito para concretizar uma outra norma
constitucional, através de uma simples ponderação de valores. A Constituição
Federal de 1988 veda o início de programas ou projetos não incluídos na lei
orçamentária anual (art. 167, inc. I), a realização de despesas que excedam os
créditos orçamentários (art. 167, inc. II), bem como a transposição,
o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa (art. 167, inc. VI).
Percebe-se, portanto,
que houve uma preocupação do constituinte em planejar todas as despesas
realizadas pelo Poder Público. Porém, é óbvio que isso não impede o Juiz de
ordenar que o Poder Público realize determinada despesa para fazer valer um
dado direito constitucional, até porque as normas em colisão (previsão
orçamentária versus direito fundamental a ser concretizado) estariam no
mesmo plano hierárquico, cabendo ao juiz dar prevalência ao direito fundamental
dada a sua superioridade axiológica em relação à regra orçamentária. Nesse
sentido, vale destacar a importante decisão do Min. Celso de Mello, do Supremo
Tribunal Federal, ao apreciar a Pet. 1.246-SC, vejamos:
“: (...) entre proteger a inviolabilidade do
direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável
assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º,caput e art.
196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse
financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema -
que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção:
aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana ([1]).
Portanto, como ficou
demonstrado, “o simples argumento de limitação orçamentária, ainda que
relevantes e de observância indispensável para a análise da questão, não bastam
para limitar o acesso dos cidadãos ao direito à saúde
garantido pela Constituição Federal” ([2]).
É
o caso dos autos, o Estado em momento algum comprovou sua limitação
orçamentária para construir uma delegacia nesta Comarca, pelo contrário, orçou
e fez previsão para construí-la no exercício de 2012, todavia, não cumpriu a
promessa, se mantém inerte até a apresente data.
O
doutrinador Duciran Van Marsen Farena, citado pelo juiz federal George Marmelstein Lima nos autos da ação civil pública n° 2003.81.00.009206-7,
promovida pelo Ministério Público Federal em face da União,do Estado do Ceará e
do Município de Fortaleza perante a 4ª Vara Federal de Fortaleza-CE, argumenta:
“As
alegações de negativa de efetivação de um direito social com base no argumento
da reserva do possível devem ser sempre analisadas com desconfiança. Não basta
simplesmente alegar que não há possibilidades financeiras de se cumprir a ordem
judicial; é preciso demonstrá-la. O que não se pode é deixar que a evocação da
reserva do possível converta-se "em verdadeira razão de Estado econômica,
num AI-5 econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra
tudo o que a Carta consagra em matéria de direitos sociais" (FARENA,
Duciran Van Marsen. A Saúde na Constituição Federal, p. 14. In: Boletim do
Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, n. 4, 1997, p. 12/14)
Portanto, as alegações da
Procuradoria de que os presos não podem ser transferidos para outras unidades
prisionais e de que o problema em tela
não é só de São Gonçalo dos Campos mas de grande para dos municípios baianos,
não comove este Magistrado. Cada Juiz deve ser responsável pela jurisdição da
comarca em que atua, conhecer a realidade e necessidade do local e proferir
decisões que permitam um aprimoramento das relações sociais daquele local. Se
todos os Juízes e Promotores das comarcas onde há problemas similares
resolvessem reagir, por certo, teríamos
melhorias nas condições físicas de cada cadeia, o Estado seria obrigado a
investir nesse setor. Se não o fizesse, arcaria com as responsabilidades,
inclusive poderíamos colocar todos os presos em liberdade ou para cumprir
outras espécies de pena, pois, a nenhum cidadão, seja ele criminoso ou não,
cabe suportar o ônus da incompetência e falência do Estado e ver sua dignidade
sendo jogada ao lixo.
Vale ressaltar ainda que a simples
alegação de falta de recursos merece também ser rechaçada tendo em vista que o
Governo do Estado da Bahia chegou a
investir mais em publicidade do que em Segurança Pública. Segundo artigo
publicado pelo Deputado Estadual Eraldo Rocha, disponível em: <http://agencia-oposicao.jusbrasil.com.br/politica/4888295/heraldo-rocha-diz-que-gastos-com-publicidade-do-governo-wagner-sao-maiores-do-que-com-seguranca-publica>
o Governo da Bahia investe mais em publicidade do que em Segurança Pública,
chegando ao ponto de gastar R$213 milhões de reais nos três primeiros anos de
governo ao passo que no mesmo período investiu-se apenas R$111,4 milhões em
Segurança Pública. Merece destaque também o previsão orçamentária para gastos
com a copa do mundo 2014, verificando o site da Secretaria Estadual da Fazenda,
constatamos o valor orçado de R$565.874.274,00 (quinhentos e sessenta e cinco
milhões, oitocentos e setenta e quatro mil, duzentos e setenta e quatro reais)
sendo que encontram-se empenhados R$166.897.303.38, liquidados R$97.464.901,38
e já quitado a importância de R$89.330.414,03. Registre-se ainda que o
Demonstrativo Contábil Consolidado do Estado da Bahia no exercício de 2013
comprova que o Estado investiu em Segurança Pública apenas 14,1% do valor que
foi orçado para o exercício, ou seja, orçou-se R$487.017,85 mas investiu-se/executou-se
apenas R$68.489,999 sendo que nas atividades de desporto e lazer foram
investidos R$217.880.990,00 ou 81,9% do orçamento previsto, observando que
esses dados são oficiais, disponíveis no site da Secretaria da Fazenda da
Bahia: < http://www.sefaz.ba.gov.br/administracao/contas/balanco_anual/balancogeral_2013.pdf>
Assim, rememorando que a construção
de uma Delegacia na modalidade DISEP tipo III, (Distrito Integrado de Segurança
Pública – Pequeno Porte) foi estimada pelo próprio Estado em R$1.910.088,62 (um
milhão, novecentos e dez mil e sessenta e dois centavos) podemos concluir que
este é um valor insignificante para o Estado, ante a sua capacidade econômica,
no penúltimo exemplo acima, vê-se que só com os gastos da copa 2014 previu-se
uma verba que daria para construir mais de
290 delegacias, ou seja, resta evidente que o problema não é falta de
recursos e sim falta de interesse político em investir na Segurança Pública. O
Poder Judiciário não pode se omitir diante desse quadro.
Durante toda a instrução processual,
que durou de 2008 a 2014, percebeu-se que a situação permanece calamitosa e
insustentável por culpa exclusiva do Estado da Bahia.
Diante
de todo exposto, julgo procedente o pedido principal formulado por MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA em face do ESTADO DA BAHIA, para determinar:
a) remoção no prazo de
15 dias de todos os presos que por ventura estejam nas celas da Delegacia de Polícia
de São Gonçalo dos Campos para outros estabelecimentos mais adequados e
proibição de ingresso de novos presos e condenados na referida cadeia pública,
enquanto não cessado o seu estado físico.
c) condenação do Estado da Bahia em obrigação de
fazer consistente na construção de uma cadeia pública neste Município, no prazo
de até 12(doze) meses, de forma que a nova unidade possa atender plenamente as
disposições da Lei 7.210/84, sob pena de multa diária de R$100.000,00 (cem mil
reais) a ser suportada pelo Réu, nos termos do art.11 da Lei 7.437/1985.
Após o trânsito em julgado, em
conseqüência, restará extinto o processo, nos termos do artigo 269, inciso I,
do Código de Processo Civil, com resolução de mérito. . Publique-se,
registre-se e intime-se
Sem Custas e Honorários.
Cumpra-se.
São Gonçalo dos Campos-BA, 07 de
maio de 2014
JOSE DE SOUZA BRANDÃO NETTO
Juiz de Direito
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