PUBLICADO no ano de 2010

O "TOQUE DE ACOLHER" ("TOQUE DE RECOLHER" PARA IMPRENSA).

O TOQUE DE ACOLHER **

1- INTRODUÇÃO:

Em maio de 2009, inspirado em decisões de outros Juízes e pelo fato de a referida medida já existir em países do 1º Mundo, emitimos a decisão do “toque de acolher”, pioneira na Bahia, que a imprensa passou a chamar de “Toque de recolher”.

Referida decisão contém, em resumo, a seguinte determinação:


“Os Agentes Voluntários de Proteção à Infância e à Juventude (antigos Comissários de Menores) devem encaminhar crianças e adolescentes – desacompanhados dos pais ou de adulto responsável – em situações de risco (por exemplo, menores de 18 anos, pelas ruas que estiverem depois dos HORÁRIOS* , ou em contato com bebidas alcoólicas, drogas ou prostituição), aos pais, imediatamente, como medida de proteção prevista no art. 101, I, do ECA, mediante advertência, sem prejuízo de outras providências, como a responsabilização dos pais, sempre com o apio das polícias (civil e militar).”

*Art. 4º. As crianças e adolescentes, desacompanhadas de seus respectivos responsáveis legais ou acompanhantes, nos termos do art. 2º desta Portaria, são proibidas de permanecer nas ruas ou em locais públicos, espaços comunitários, bailes, festas, promoções dançantes, shows e boates, inclusive em Lan Houses e congêneres, nos seguintes horários:

I – até de 12 anos não podem permanecer depois das 20:30 horas, salvo em evidente atividade escolar, religiosa, esportiva ou similar;

II- entre os 13 e os 15 anos devem retornar para casa até até às 22:00 horas, salvo em evidente atividade escolar, religiosa, esportiva ou similar;

III – Para adolescentes entre 16 anos e os 18 anos, só haverá limitações de horários caso estejam em situações de risco

Parágrafo 1º – Independentemente do horário (ou seja a qualquer hora do dia e da noite), sendo verificando que alguma criança ou adolescente está em situação de risco em razão do local ou horário inadequado, ou mesmo em razão da sua própria conduta, será ele encaminhado aos pais, ou responsáveis legais, os quais serão notificados na forma do art. 4º do ECA

Parágrafo 2º Consideram-se situações de risco para crianças e adolescentes, dentre outras: estarem em locais de ingestão de bebidas alcoólicas, drogas, exposição à prostituição, desamparo em geral, importunação ofensiva ao pudor, exposição a som com poluição sonora de alto volume, propagado por veículos particulares ou estabelecimentos comerciais, menores de dezoito anos em condução de veículo automotor ou motocicletas, menores nas ruas, desacompanhados de pais ou responsável, desde que a eles existente ou potencial a situação de risco, como nos exemplos acima, mormente se presentes nas ruas, calçadas, estabelecimentos comerciais como bares, restaurantes, lanchonetes, em evasão escolar.

O fato é que mais de 90 cidades, por meio de seus dignos juízes, pelo Brasil afora (1- ACRE- MANCIO LIMA-AC, 2- BAHIA: Santo Estevão, Antônio Cardoso ,Ipecaetá, 3- SÃO PAULO , Mirassol, Itapura , Ilha Solteira, Fernandópolis, Meridiano, Macedônia, Pedranópolis, 4- RIO DE JANEIRO: Teresópolis, 5- MINAS GERAIS: Patos de Minas, Arco s, Pompéu, Itabirito, 6- RIO GRANDE DO SUL: Quaraí, 7- ESPÍRITO SANTO: Marataízes; 8- PARAÍBA: Sapé, Ta peroá, Livramento e Assunção; 9- CEARÁ:QUIXADÁ; 10 - RONDÔNIA: Guajará Mirim; 11- GOIÁS: Mozarlândia, Aragarças (GO), Bom Jardim de Goiás (GO) e Baliza (GO)) já estão adotando a medida, com pequenas variações, atentos à necessidade da medida e aos seus efeitos sociais.

Hoje tem-se 90% de aprovação popular em Santo Estêvão-BA, Ipecaetá-BA e Antônio Cardoso-BA. 85% de aprovação no site da TV Bahia e cerca de 90% de aprovação em enquete do Jornal A tarde.

Fizemos uma reunião com o Delegado e Comandante da PM, e com os 03 Prefeitos das respectivas cidades, que, após alguns encontros e reuniões por provocação da Justiça, passaram a solicitar a publicação da Portaria que disciplinasse o assunto.

Pensamos, no início, em não aplicar a medida nas cidades de Antônio Cardoso e Ipecaetá, em razão da falta de estrutura das aludidas cidades, mas ante à grita dos Prefeitos respectivos, cedemos ao clamor dos mencionados representantes e acabamos por estender a determinação para lá também, até poque o efeito psicológico da existência da medida ajuda os pais a educarem melhor seu filhos, pois eles têm mais este motivo para seus descendentes os obedecerem.

2- DOS RESULTADOS DE SÃO PAULO E BAHIA:

Em Fernandópolis- SP, de agosto de 2005 até agora, os resultados numéricos, são os seguintes:

“Furtos praticados por adolescentes: em 2004, 131 ocorrências; em 2005, 123; 2006, 82; 2007, 59; e, 2008, 55. Porte de armas (armas de fogo e ‘brancas’, como facas): 2004, 2 ocorrências; 2005, 15; 2006, 5; 2007, 2; e, 2008, 2. Lesões corporais praticadas por adolescentes: 2004, 61 ocorrências; 2005, 68; 2006, 49; 2007, 53; e, 2008, 48. Total geral dos atos infracionais: 2004, 346 ocorrências; 2005, 378; 2006, 329; 2007, 290; e, 2008, 268. Fonte: Livro de Registro Geral de Feitos da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fernandópolis.


Já na Comarca de Santo Estêvão-BA, os relatórios Estatísticos de Crianças e Adolescentes, que se envolveram em ocorrência policial, na condição de vítimas de crimes e autores de atos infracionais, antes e após a portaria de 009/2009, até a presente data, é o seguinte:

“(COMARCA) JULHO/2009:


Mês Nº DE OCORRENCIA ENVOLVENDO MENORES INFRATORES e MENORES VITIMAS Total

Janeiro 11+ 21 =32

Fevereiro 15+04 =19

Março 19+12 =31

Abril 16+21 =37

Maio 15+05 =20

Junho 16+17 =33

Julho 06+04 =10


*junho, dezembro e JANEIRO sempre foram os meses de maior violência por causa das festas juninas, natalinas periodo de férias escolares. Dados da Polícia e do Juizado que totalizam a quantidade acima.

*Em junho a Portaria 009/2009 só funcionou por 05 (cinco) dias, sendo suspensa em razão dos festejos juninos.Por isso o mês de referência de comparação é o mês de julho, cuja portaria vigorou sem interrupção.

Total de casos nos seis primeiros meses = 172 (cento e setenta e dois) casos.

Média por mês = 29 (vinte e nove) casos

Em relação a julho, redução de da violência pueril= 71% (setenta e um por cento).

Dados acima se referem às ocorrências policiais mensais em Santo Estevão, Antonio Cardoso, Ipecaeta, e na Justiça da Infância.


DO FIM DAS DROGAS NAS ESCOLAS DE SANTO ESTEVÃO-BA

O Coordenador do Juizado e Juiz de Paz da cidade apresentou relatório onde se comprova que, desde junho de 2009 até abril de 2010, não há mais registros de drogas nas escolas de Santo Estêvão-Ba.

Tal sucede também graças ao Apoio do Prefeito de Santo EStêvão que determinou a ronda escolar pela guarda municipal.
Então, contra fatos não há argumentos: os números comprovam a eficácia da medida.

Além do encaminhamento dos filhos aos pais, como regra geral das medidas de proteção, havendo necessidade, a família recebe auxílio de psicólogas e assistentes sociais, dependendo do tipo de situação de cada um.

3- DO CONVÊNIO DE DESINTOXICAÇÃO PARA ADOLESCENTES POBRES VICIADOS

As 03 Prefeituras e o Poder Judiciário firmaram convênio para adolescentes pobres, viciados em drogas, com o fim de oferecer tratamento contra dependência em clínicas particulares de alto custo (mensalidades de custam R$1.000,00 e R$ 2.000, aproximadamente), em CLINICAS PARTICULARES, sendo que cerca de 05 jovens já foram encaminhados para tratamento em Cínicas de Candeias e Simões Filho-BA .

Já tivemos reunião com Empresa de ônibus para por em prática o benefício do passe-livre, de forma limitada, como benefício aos Agentes de Proteção à Infância e à Juventude, que não são remunerados, mas trabalham no toque de acolher, desde que a respectiva empresa de ônibus consinta expressamente no convênio.

Também é importante mencionar que nós (Juiz, Policiais, Conselheiros Tutelares, servidores com nível superior e psicopedagogos etc) vamos às escolas, Câmaras de Vereadores, associações de bairro, clubes de serviço para tentar explicar as razões da decisão.


4. Da constitucionalidade da medida. Do princípio da proteção integral. Os os direitos e garantias individuais não são absolutos.

O artigo 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90) consagra o princípio da proteção integral, nos seguintes termos:

“Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.”

Por sua vez, giza o Art. 3º: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando- se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, (...)”.

A Constituição Federal, no artigo 227, prescreve que “é dever da família, da sociedade e do Estado”, relativamente aos menores de 18 anos, “colocá-los a salvo de toda forma de negligência”.

A defesa de todos os direitos das crianças e dos adolescentes, é responsabilidade de todos e tem prioridade absoluta, conforme reza o art. 4º do ECA. Ao Magistrado cabe colocá-los a salvo de toda forma de negligência,discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, Constituição Federal).

O direito da criança e do adolescente de ir, vir e permanecer não significa que podem locomover-se nos logradouros públicos de forma absoluta, porque sua condição jurídica impõe limitações à sua liberdade de locomoção visando à proteção integral, sendo juridicamente consagrada a teoria da relatividade dos direitos e garantias individuais, estampados no art. 5º da Constituição Federal, não podendo ser utilizados como verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas como bem afirmou o STF no julgado RT-STF709/418;STJ-6ª T RHC, nº 2777-0/RJ.

Referido direito não é ilimitado, uma vez que encontra seus limites nos demais direitos igualmente previstos pela Carta Magna (princípio da relatividade ou conveniência das liberdades públicas), pois ainda que a criança e o adolescente gozem de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, ressalva-se a aplicação da proteção integral de que trata o ECA (art. 3º do ECA), por serem pessoas em desenvolvimento.

Assim, como visto supra, segundo a melhor doutrina constitucionalista de Alexandre de Morais (Direito Constitucional, Editora Atlas, 17ª Edição) e Pedro Lenza (Direito Constitucional Esquematizado, Editora Saraiva, 2009), por exemplo, os direitos e garantias individuais não são absolutos, podendo, portanto, ser relativizados diante de outros interesses maiores da própria coletividade.

Lado outro, as presentes Portarias se encontram em sintonia com campanha maciça do Governo Federal para que o cidadão brasileiro seja registrado, ou seja, tenha a certidão de nascimento, especialmente as crianças e adolescentes, haja vista que a decisão deste Magistrado incentiva os jovens possuírem os documentos básicos (certidão de nascimento, registro de identidade) para provarem que, eventualmente , são maiores de idade.

A CF/88, pois, manda resguardar os menores não de uma ou outra forma de negligência, mas de “toda forma de negligência”. Resta claro, destarte, que menores de 18 anos, não podem ficar desassistidos, descuidados, jogados à própria sorte; principalmente, em locais onde se usam bebidas alcoólicas, indiscriminadamente, ou até drogas.

Uma pessoa com menos de 18 anos, que se embriague na rua ou até mesmo use drogas, está numa situação de negligência e risco. Se estiver junto de algum adulto ou mesmo de outro adolescente que use uma substância proibida, a negligência e o risco potencial permanecem.

Nítido que configura negligência e estado de risco iminente a hipótese em que o menor, desacompanhado de adulto responsável, vá e permaneça em um lugar onde há consumo de álcool, sem qualquer controle, e até de drogas, como ocorre nas ruas, altas horas da noite.

Essas formas de negligência levam os menores a comprometimento físico e mental, violando o ECA, consoante artigo 3.º, onde fica claro que a proteção deve ser integral.

“Como reflexo do direito do artigo 5° da CF /88, ao direito de locomoção, também o Estatuto estabelece esse direito limitado, porém pelas restrições legais .

A liberdade física de Locomoção não quer dizer, entretanto, que se tem de deixar a pessoa legalmente considerada hipossuficiente ao deus-dará, perambulando à toa, vida errante, sem rumo, sem ponto de destino. A liberdade orientada, protegida, é que a autêntica liberdade do infante ou jovem inexperiente nos caminhos da vida, a liberdade alcançada por meio da educação. ' Só a educação conduz à liberdade real, afirma José de Faria Tavares.

Por outro lado, não se pode simplesmente, ignorar a questão da capacidade, e do dever estatal de proteção integral à criança e ao adolescente. A liberdade de escolha ou de locomoção pressupõe um mínimo de capacidade ou aptidão psicológica para o ser exercício ou a sua efetivação, como diz Tarcísio José Martins Costa.

A liberdade aí reconhecida “não significa poder locomover-se ao seu simples alvedrio, pois estão sujeitos à autorização dos pais ou responsáveis, segundo seus critérios de consciência e de educação”. É a liberdade que se volta especialmente contra o constrangimento abusivo que possa ser caracterizado como situação cruel, opressiva ou de violência ou mesmo de cárcere privado, o que pode até dar margem ao exercício do direito de buscar refúgio e auxílio previsto no inciso VII do mesmo artigo, como bem diz José Afonso da Silva no seu consagrado “Curso de Direito Constitucional Positivo ”.

Esclarece, finalmente que “a liberdade de ir, vir e estar é protegida por habeas corpus, concedida sempre que alguém (criança, adolescente ou adulto) sofrer ou achar ameaçado de sofrer violência ou coação na sua liberdade delocomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (CF, art. 5º LXVIII)”.

Cabe aqui destacar que a lei não se refere ao ir, vir e estar viver na rua.

Com a concentração urbana das grandes cidades, uma considerável população flutuante vive nos logradouros públicos ou sub-pontes ou viadutos. Eles vivem assim não por opção, mas por falta de oportunidade. No entanto, a rua tem suas regras, limites e valores de significado relativo. São crianças e jovens em estado de abandono.

Assim, educação de rua é equivoco. A rua é deseducadora por sua natureza, sem dignidade e sem respeito. Deve ser apenas uma etapa de contato com projetos pedagógicos especiais para atender a esse tipo de população.

A que se distinguir o “recolher” ou seja privação da liberdade em razão da pobreza e o “acolher” com política social com serviços adequados e atendimento especial” (Direito da Criança e do Adolescente, Uma Proposta Interdisciplinar, Tânia da Silva Pereira, Editora Renovar, 2ªEdição)


DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA: COMBATE À PEDOFILIA:

A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, ratificada pelo Brasil, pelo Decreto-Legislativo nº 99.710/90, determina que o Estado deve proteger a criança e adolescente contra todas formas de exploração e abuso sexual, podendo haver restrições ao Direito Menoril quando em conflito com interesses da segurança pública, da ordem pública (ordre public), da proteção da saúde ou moral públicas (art. 15 e 34 da Convenção referida);

Aqui havia taxas de violências infanto-juvenis, como crimes de roubo, homicídio qualificado e o tráfico de entorpecentes, inclusive venda drogas em escola pública nesta cidade, ameaça a professor em plena sala de aula, ao tempo em que também são vítimas de exploração e prostituição sexuais agravadas pelo fato de a Comarca se localizar rente à BR 116 (Rio-Bahia), inclusive com interligação e notícias de grandes índices de Prostituição pueril no Povoado “Paraguaçu” e cidade de Itatim-BA, ambos os locais de Comarcas vizinhas, localidades também situadas na BR 116, tendo, após a medida, a prostituição infantil se deslocado para cidades sem o toque de acolher, como bem atesta reportagem da Revista Época anexa.

Nossa Portaria foi pioneira, no Brasil, a fazer referência ao combate à Prostituição Infantil, haja vista que nossa Comarca situa-se na BR-116 (RIO-BAHIA), onde havia muitos casos de pedofilia praticada, em regra, em bares, restaurantes ou postos de gasolina ao longo da Rodovia, cujos autores são os motoristas que circulam na aludida via.

O art. 19 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica de 1969) determina que “todas as criança têm direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer, por parte da família, da sociedade e do Estado”. O Brasil veio ratificar esta Convenção, mais de vinte anos depois, por meio do Decreto nº 678/1992.

“Como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, segundo Antônio Carlos Gomes da Costa2, elas desfrutam de todos os direitos dos adultos que sejam aplicáveis em razão de sua idade e ainda têm direitos especiais decorrentes do fato de:

1- não terem acesso ao conhecimento pleno de seus direitos;

2- não terem atingido condições de defender seus direitos frente às omissões e transgressões capazes de violá-los;

3- não contam com os meios próprios para arcarem com a satisfação de suas necessidades básicas;

4- não podem responder pelo cumprimento das leis e deveres e obrigações inerentes à cidadania da mesma forma que o adulto, por se tratar de seres em pleno desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e sociocultural”.

PONTO DE VISTA DA CIENCIA DA PSICOLOGIA:

Até em um enfoque da ciência da Psicologia, os doutos defendem a medida como um processo para formação da moral autônoma, ainda mais que a lei não está sendo internalizada pelos jovens.

Vejamos melhor como a especialista trata o assunto:

“O menor e o toque de recolher - Vera Lúcia Dias – Psicóloga

Temos visto nos últimos dias a multiplicação de decisões determinando toque de recolher para os menores de idade e muitos têm se manifestado contra tais decisões.

Penso que, se todos prestassem mais atenção no número de adolescentes morrendo antes da hora, envolvidos com o consumo e tráfico de drogas, marginalidade ou vivendo uma sexualidade precoce e mal orientada que resulta na geração de novas vidas ou doenças, olhariam com mais carinho para tais decisões.

Não que estas coisas só aconteçam na calada da noite, mas o fato é que se vivêssemos numa sociedade onde ainda valesse a máxima do “primeiro a obrigação e depois a diversão”, muitos jovens não estariam trocando o dia pela noite, o banco da escola por festas, games e videogames, lan houses e outras atividades e ambientes que acabam por roubar a energia intelectual que deveria estar concentrada em sua vida escolar.

Nós, ligados à educação das gerações mais jovens, nos assustamos com o enfraquecimento e a frouxidão da família em sua tarefa precípua de impor limites desde o berço para que se aprenda a conviver com normas e leis mais tarde.

Talvez seja por isso que sejamos receptivos ao toque de recolher para os menores. De tanto ouvir mães declarando com todas as letras que não dão conta de seus filhos ou que querem entregá-los ao juiz ou ao Conselho Tutelar, é que nos perguntamos: se no fritar dos ovos é mesmo o Estado quem irá frear aqueles que as famílias não conseguiram, por que ele não pode se antecipar e adotar medidas preventivas como essa em questão? Se os pais não conseguem segurar seus filhos em casa, por que não podem contar com o auxílio da Lei para impedi-los de sair?

Afinal de contas – quem já estudou a respeito, sabe disso –, no processo de formação do juízo moral, antes que o ser amadureça internalizando as normas, constituindo o que chamamos de moral autônoma, elas estão fora do indivíduo numa moral heterônoma, ou seja, exercida por pais, professores, religiosos, leis, juízes, etc.

Se chegamos ao extremo do toque de recolher é porque, na sociedade em que vivemos, não tem havido um desenvolvimento saudável e as pessoas não internalizam a Lei. Desrespeitam-na com toda sorte de delitos, descobertos ou não. Acham que podem passar por cima de tudo e de todos e assim acabam, na pior das hipóteses, matando por pouco ou morrendo por nada, contando talvez com a triste impunidade reinante.

E, enquanto assim for, consideramos válidas todas as tentativas de impedir que os menores fiquem expostos a situações que roubam sua dignidade de filhos do Criador e que poderão levá-los aos vícios, à exploração sexual ou dos traficantes, à gravidez precoce, aos acidentes no trânsito ou envolvimentos com a lei.

Antes “preso” em casa hoje do que num Centro de Recuperação ou penitenciária amanhã”


COMPETÊNCIA DISCIPLINAR DA JUSTIÇA DA INFÃNCIA E DA JUVENTUDE DO art. 149 do ECA: ATO JURISDICIONAL.


Uma considerável modificação na estrutura de proteção e defesa da infanto-adolescência se concretizou no novo sistema da infância e da juventude. Para Antônio Fernando do Amaral e Silva, em “O Estatuto, do Novo Direito da Criança e do Adolescente e a Justiça da Infância e Juventude”, a esta a jurisdição É administrativa, também chamada de graciosa e voluntária.

A jurisdição voluntária, exercida na área da infância e da juventude é exercida sobre situações e direitos a serem protegidos contra a formação de futuros litígios. Outrossim, a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959 determinou, no seu segundo princípio, que a criança gozara de proteção especial.

Segundo uma das maiores doutrinadoras4 sobre o ECA e que nós Juízes e demais integrantes da Justiça devemos respeitar, o "Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu um novo entendimento sobre a atuação do Juiz da Infância e Juventude. Explica Kazuo Watanabe: “o Estatuto perfilhou a tendência doutrinária que procura conferir ao juiz, cada vez mais, um papel ativo no processo. Isso conduz, por outro lado, à atenuação do formalismo processual”. Não se aplica modernamente, sobretudo no âmbito da Justiça da Infância e Juventude o princípio da inércia do Juiz".

Continua a Autora:

"Atendida a Organização Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado, e em nome do poder discricionário que próprio do Juiz da Infância e Juventude, não se pode recusar-lhe a possibilidade de, em situações especiais, expedir Portarias de caráter normativo, atendidas as formalidades especiais e os princípios legais, ouvido o Ministério Público".

O §1º do art. 149 do ECA refere-se a fatores que devem ser considerados na expedição de Portarias, a citar
a) os princípios desta Lei; b ) as peculiaridades locais; d ) o tipo de freqüência habitual ao local;”

Alfim, conclui a autora:

"Algumas das situações indicadas no art. 149, ECA, guardam certas características de generalidades: a) entrada em estádio, ginásio e campo desportivo; b) freqüência em bailes ou promoções dançantes; c) entrada em boate ou congêneres; d) freqüência em casa que explore diversões eletrônicas; e) freqüência a estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão.

Não se pode confundir as portarias de caráter geral, ou seja, não previstas em lei, como autorizava o art. 8º do antigo Código de Menores, com as portarias de caráter genérico envolvendo situações fundadas em lei, o que prevê os incisos do art. 149, I do ECA".

Já para Valter Kenji Ishida, transcrevendo acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, expressamente observa:“vedando as disposições gerais, -se ue essa proibição diz respeito somente aos alvarás e não às portarias, eis que inviável a analise particular quanto a estas”.

Neste caminhar, haveremos de reconhecer que a existência de realidades sociais e culturais vivenciadas nas pequenas cidades menores, bem diversas de condições próprias das grandes capitais. Os juízes da infância e juventude vivem as mais diversas situações, exigindo-lhes cotidianamente enfrentar situações desconhecidas, apesar da experiência”. Os problemas dos grandes centros são diversos daqueles existentes nas pequenas ou médias comunidades urbanas.

Assim, em nome da discricionariedade que lhe é peculiar prevê expressamente o art. 153, ECA que “se a medida judicial a ser adotada não corresponder a procedimento previsto nesta ou em outra lei, a autoridade judiciária poderá investigar os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias, ouvido o Ministério Público. Autoriza, portanto, através da informalidade, os procedimentos verificatórios de situações não previstas e providências diversificadas para atender circunstâncias peculiares, fundadas em leis, com a oitiva do Ministério Público”.


DAS LIMITAÇÕES LEGAIS: DA JURISPRUDENCIA DO STJ SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Os artigos 1º, 3º, 70, 72, 98, 99, 100, 101, 146, 149, Incisos I e II, 153 e 212, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de 13 de julho de 1990) trazem a seguintes regras que passaremos tecer, doravante, os respectivos comentários.

O art. 4º do ECA DIZ:

“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.”


Como já dito, vê-se que o ECA reza que crianças e adolescentes têm os mesmos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei.

Mas por que esta proteção especial? Será que os infantes têm o Juízo moral (maturidade) já formado? Será que eles podem se expor á noite, diante de traficantes de drogas que vem até atacando policiais aqui na Bahia?

A mencionada proteção subsiste porque se tratam de indivíduos em desenvolvimento, incapazes ou com a capacidade civil limitada, merecendo proteção do Estado. Desta forma, o próprio ECA limita, relativiza, os direitos dos crianças e adolescentes, mormente em situação de risco.

Por outras palavras, haverá obediência à Constituição, no tocante ao direito à proteção integral, se a medida observar os princípios da “brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”( com adaptações, Evandro Pelarin, juiz de Fernandópolis-SP).

O. ECA, no art. 5.º, giza o direito de “convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”, (art. 5º e 19 ).

A Constituição Federal é clara quando menciona, no art. 227, que “é dever da família, da sociedade e do Estado”, relativamente aos menores de 18 anos, “colocá-los a salvo de toda forma de negligência”.

Sabe-se que, em primeiro lugar, a obrigação é dos pais, contudo, se os pais e sociedade falham, por negligência, ao não conseguir impedir o contato de menores com drogas ou situações de prostituição, o Estado tem o dever de agir.
O ECA, no art. 5.º, GIZA punição por qualquer atentado aos direitos fundamentais dos menores, dentre eles, o direito de “convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”, (art. 19 do ECA).

O art. 70 do ECA diz “é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”, ISTO É, a lei utiliza a palavra TODOS e não só os PAIS E MÃES.

“Não conseguindo os pais cumprir, satisfatoriamente, a obrigação de proteção, o ECA OBRIGA não só que o Estado atue, como o Estatuto prescreve também, textualmente, que os pais devem obedecer às ordens judiciais no sentido da prevenção e da proteção. Isso significa dizer, v.g., que, se os pais não fixam um horário para o filho retornar para casa, caso o Juiz o faça, os pais devem observar e cumprir essa ordem judicial, conforme o art. 22 do Estatuto” (Evandro Pelarin- Juiz de Fernadopolis)

O Poder Judiciário não erra quando fixa um horário de permanência de menores de 18 anos nas ruas, vez que, ao recomendar um horário a um jovem, um limite de tempo para que permaneça na rua, sozinho, é uma medida que vai, antecipadamente, tirá-lo dos lugares a ele prejudiciais.

O ECA, no art. 72, diz que “as obrigações previstas nesta Lei não excluem da prevenção especial outras decorrentes dos princípios por ela adotados”. E princípio que embasa todo Estatuto da Criança e do Adolescente – que a m e dida do “toque de acolher” busca alcançar – é, justamente, o da “proteção integral” (artigo 3.º).

As medidas de proteção (e não só elas podem ser aplicadas), previstas no artigo 101 do ECA são as seguintes:

“Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente ; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar o u ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - abrigo em entidade; VIII - colocação em família substituta.

Ora, se os pais não conseguem impor um limite temporal para o filho ficar na rua, e este permanece num lugar onde sua saúde corre risco (ou, onde o seu direito em não ficar num meio onde há presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes está a perigo), desrespeitando suas ordens, cabe ao Estado tomar providências, aplicando as medidas de proteção, entre elas, “encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade” (artigo 101, inciso I, do Estatuto)
A forma como se dará esse encaminhamento é a retirada do menor da situação de risco real ou iminente, por transporte em veículo da Prefeitura ou da Justiça, jamais em viatura da polícia, para a sede do Juizado da Infãncia e da Juventude, notificando- se os pais que, em seguida, vão buscar os filhos, pois, assim, protegem-se os jovens do risco, levando-os a local seguro para os pais buscá-los, devolvendo-os ao convívio familiar.

Observem que, mesmo em países onde há elevado nível de políticas públicas e consciência dos deveres da paternidade e maternidade responsáveis, encontram-se medidas muito semelhantes ao “toque de acolher”, como Reino Unido, Dinamarca, Alemanha, Espanha, conforme noticiado pela rede Globo.
Não é de se deslembrar que a nova Lei da adoção, Lei- 12.008/09, que alterou o ECA, positivou o “toque de acolher” como o princípio do acolhimento, pois é priorizado, em detrimento de qualquer medida de proteção, o convívio familiar, sendo esta a medida de preferência.
Diz a Lei: “Art. 19. ...........................................................................

§ 1o Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional (...).

(..)

§ 3o A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, ...”
Nossa medida, acima de tudo, traz os filhos para o convívio familiar como sempre pretendeu o legislador estatutário, o que foi reafirmado, agora, pela nova Lei 1208/09:

“ Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de acolhimento familiar ou institucional deverão adotar os seguintes princípios: I - preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar; II -integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa;”


Em suma, a novel legislação deu preferência à prevalência familiar3, o que nossa medida ajuda a manter, pois o adolescente nas ruas, em situações de risco, tendem a arrefecer o vínculo familiar, pois educação da rua é deseducação e perdição.

A PRÓPRIA Lei nº 12.015/09 criou a figura do menor vulnerável: aquele com idade inferior a 14 anos, é considerado vulnerável pelo Código Penal, merecendo proteção estatal no combate à Pedofilia.

Observem que, mesmo em países onde há elevado nível de políticas públicas e consciência dos deveres da paternidade e maternidade responsáveis, encontram-se medidas muito semelhantes ao “toque de acolher”, como Reino Unido, Dinamarca, Alemanha, Espanha, conforme noticiado pela rede Globo (docs anexos).

“Se o Poder Público insiste em desconsiderar a norma, fazendo dessa previsão letra morta, caberá controle e intervenção do Judiciário, uma vez que, nesses casos, deixa-se o critério da razoabilidade para adentrar-se a seara da arbitrariedade, fato que, em último grau, caracteriza a omissão como ilegal. A partir do momento em que opta pela inércia não autorizada legalmente, a Administração Pública sujeita-se ao controle do Judiciário da mesma forma que estão sujeitas todas as demais omissões ilegais do Poder Público, tais como aquelas que dizem respeito à consecução de políticas públicas.( passagem de informativo de Jurisprudência do STJ)”

“ Além disso, o art. 212 do ECA autoriza a aplicação de todas espécies de ações pertinentes a defesa dos direitos e interesses da infanto-adolescência, representando a efetividade da tutela processual de todos os direitos e interesses consagrados no estatuto. (...) Para Ada Pelegrini Grinover isto significa que o dispositivo ora em exame significa, em última analise, que o sistema processual a de ser interpretado de modo a autorizar a conclusão de que nele existe sempre uma ação capaz de propiciar, por um provimento adequado, a tutela efetiva e concreta de todos os direitos materiais”.


A hermenêutica do inciso II, art. 92 do ECA abre, ao menos teoricamente, um amplo leque de possibilidades de intervenção estatal, com vistas ao saneamento de relações paterno-filiais.

As medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis prevista no art. 129 do ECA caracterizam-se por comandos assistenciais e por determinações que devem ser impostas pelo Conselho Tutelar ou pela Autoridade Judiciária(Direito da Criança e do Adolescente, Uma Proposta Interdisciplinar, Tânia da Silva Pereira, Editora Renovar, 2ªEdição, pág. 28) .

A falta inerente a autoridade parental ou o abuso de autoridade autorizam o juiz a adotar a medida que lhe pareça reclamada para segurança dos menores de dezoito anos.

Da decisão do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (RMS 8563/MA), num mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público do Estado do Maranhão contra a Portaria 1/96, baixada pela MM Juíza de Direito da Infância e Juventude da Comarca de Imperatriz-MA, pela relatoria do eminente e saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, decidiu que:

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA N° 8.563 - MARANHÃO (5.487). EMENTA: Recurso ordinário em mandado de segurança. Estatuto da Criança e do Adolescente. Edição de Portarias. Súmula n° 267/STF. 1. Para impugnação de decisão judicial, baseada no artigo 149 da Lei nº 8.069/90, há previsão do cabimento do recurso de apelação (artigo 199 do Estatuto da Criança e do Adolescente). 2. O mandado de segurança não é sucedâneo do recurso de apelação, ao qual pode ser conferido efeito suspensivo. Incidência da Súmula n° 267/STF. 3. As portarias impugnadas pela via do mandamus não encerram conteúdo teratológico.4. Recurso ordinário improvido. VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:

O Ministério Público do Estado do Maranhão impetrou o mandado de segurança, visando impugnar as Portarias nºs 01/96 e 02/96, editadas pela Juíza da Infância e da Juventude do mesmo Estado, apontada como autoridade coatora.

A Portaria n° 01/96, em suma, proíbe "a permanência de crianças e adolescentes entre 0 a 14 anos nas ruas, praças, casas de vídeo-games, phliperama, bares, boates ou congêneres, logradouros públicos, parque de diversões, clubes, danceterias, após as 20:30, salvo se acompanhados, estritamente, pelos pais ou responsável"(fls. 09). A mesma Portaria também determina que os menores encontrados em descumprimento ao estabelecido sejam conduzidos ao Juizado para entrega aos pais ou responsáveis e outras providências.

A Portaria nº 02/96 determina a abertura de procedimento investigatório, nos termos do artigo 153 do Estatuto da Criança e do Adolescente, em razão das denúncias feitas ao Juizado, "dando conta de que muitas crianças e adolescentes encontram-se, durante o dia, perambulando pelas ruas desta cidade e Comarca de Imperatriz, vários na condição de pedintes, consumindo drogas, bem assim à margem de qualquer freqüência escolar e de saúde"(fls. 12). Determina, ainda, "a expedição de mandado de condução de todos os menores (crianças e adolescentes) que se encontrarem nas situações acima referenciadas " (fls. 12).

Requer o impetrante seja declarada a nulidade da Portaria n° 01/96 ou dos dispositivos que a viciam e a nulidade do procedimento investigatório determinado pela Portaria n° 02/96.

O inconformismo, contudo, não prospera.

Primeiramente, no tocante à Portaria n° 01/96, o próprio recorrente afirma que embora a mesma "não mencione o dispositivo em que se fundamenta, não se poderia furtar ao Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/90, Art. 149, que prevê a competência disciplinar da autoridade judiciária" (fls. 04).

Efetivamente, a autoridade judiciária, na citada portaria, disciplina a permanência de crianças e adolescentes em locais considerados inadequados em determinados horários.

Para impugnação de decisão judicial, baseada no artigo 149 da Lei nº 8.069/90, há previsão do cabimento do recurso de apelação. Anote-se o teor do artigo 199 da mesma lei:

"Art. 199 - Contra as decisões proferidas com base no art. 149 caberá recurso de apelação.”

A jurisprudência desta Corte é tranqüila no sentido de que o mandado de segurança não é sucedâneo do recurso processual adequado, mormente no presente caso em que ao recurso de apelação poderia o Relator conferir efeito suspensivo. Anote-se:

"Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição. " (Súmula n° 267/STF)

Vejamos mais os seguintes precedentes:

" "MANDADO DE SEGURANÇA. PORTARIA CONJUNTA EXPEDIDA POR JUÍZES DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. ATO DE NATUREZA JURISDICIONAL. Havendo recurso próprio para atacar a matéria contra a qual se insurge aparte, descabido é o uso do mandado de segurança. Recurso ordinário improvido. " (ROMS n° 1.343/SP, 4a Turma, Relator o Senhor Ministro Barros Monteiro, DJ de 23.05.94)

Quanto à Portaria n° 02/96, a irresignação recursal vem pautada no artigo 153 da Lei n° 8.069/90. No entanto, não restou caracterizada a mencionada contrariedade, já que foi determinada a oitiva do Ministério Público, o que foi cumprido com a expedição do ofício n° 77/96 (fls. 14), ficando ciente a Promotora da Infância e Juventude do inteiro teor da referida Portaria. Ademais, como bem disposto no Parecer do Ministério Público Federal, "percebe-se que é da natureza do impulso oficial a desnecessidade da oitiva prévia do Ministério Público " (fls. 275).

Para concluir, esclareço que as Portarias impugnadas pela via do mandamus não encerram conteúdo teratológico, conforme se pode extrair dos seguintes trechos do Acórdão recorrido:

"Como visto, a MM. Juíza impetrada baixou as portarias questionadas, primeiro, proibindo a permanência de crianças e adolescentes, até 14 anos de idade, após as 20:30 horas, "nas ruas, praças, e logradouros públicos", de Imperatriz. Mas esclareceu que tais medidas seriam aplicadas, apenas e exclusivamente, aos menores desacompanhados de seus pais ou responsável, ressalvando, ainda, a situação dos adolescentes que estivessem no itinerário escola-residência, caso em que tal horário não deveria ser observado.

Depois, além de determinar a abertura de procedimento investigatório, previsto no art. 153 do Estatuto, mandou expedir mandado de "encaminhamento", unicamente, aos menores que se encontrassem, durante o dia, perambulando pelas ruas, vários na condição de pedintes, consumidores de drogas, e à margem de qualquer freqüência escolar e de saúde. E, se é atribuição da autoridade judiciária disciplinar, mediante portarias e alvarás, tudo o que vise a proteger a criança e o adolescente, como pessoas emcondição de desenvolvimento, resguardando-as de toda sorte de negligência, que coloque em risco a sua dignidade e o respeito a que têm direito, isso não implica em violação aos seus direitos e garantias fundamentais.

Observe-se, aliás, que o permanente estudo das questões atinentes à criança e ao adolescente, constitui obrigação dos setores organizados da sociedade, dentre os quais o Poder Judiciário, que não pode se furtar de oferecer a sua parcela de contribuição, colimando escopo de conferir-lhes proteção integral.

E "proteção integral", no dizer de uma das mais expressivas autoridades na matéria, o Magistrado e Professor Antonio Chaves, significa "amparo completo não só da criança e do adolescente, sob o ponto de vista material e espiritual, como também a sua salvaguarda, desde o momento da concepção, zelando pela assistência à saúde e bem-estar da gestante e da família, natural ou substituta da qual irá fazer parte" (Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, São Paulo, LTr. 1.994, p. 45).

Na espécie, a edição das portarias foi justificada, pois foram baixadas com observância dos requisitos acima especificados, especialmente para controle e fiscalização dos menores de rua que, na cidade de imperatriz, são em grande número, o que é notório, porquanto vem sendo amplamente noticiado pela imprensa.

De outra parte, não se pode acolher a afirmação de que tais portarias contenham determinações de caráter geral, se a lei prevê medidas fundamentadas, caso a caso. Basta que se leia o teor dessas portarias, para se tenha certeza de que são especificamente dirigidas aos menores com idade máxima de até 14 anos de idade, desde que desacompanhados de seus pais ou responsável, após as 20:30 horas, e bem assim aos menores que estejam perambulando pelas ruas, na condição de pedintes, e consumindo drogas, mostrando-se razoável a medida tomada pela impetrada.

Revela notar, por fim, que, para edição da segunda portaria hostilizada, dado a natureza do ato, não havia necessidade de colher, previamente, a manifestação ministerial.

Não houve, assim, em nenhum momento, intenção da autoridade impetrada de violar os direitos dos menores atingidos pelas aludidas portarias, mas apenas, diante dos aspectos fáticos da espécie, o intuito de protegê-los, livrá-los, resguardá-los mesmo de toda sorte de negligência, inclusive, das situações de risco a que, naturalmente, estavam expostos." (fls. 242 a 244).

Do exposto, nego provimento ao recurso ordinário.

DO PRINCÍPIIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANCA NO DIREITO COMPARADO: RFFLEXOS NO BRASIL.

O princípio do melhor interesse da criança consolidou-se no sistema jurídico brasileiro com bases constitucionais incluído entre os direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios por elas adotadas (§2º, art. 5º da CF/88).

Na doutrina internacional, o princípio do melhor interesse da criança tem como origem o Instituto do Parens Patriae utilizado na Inglaterra como prerrogativa do Rei e da Coroa a fim de proteger aqueles que não poderiam fazer por conta própria.

O Instituto do Parens Patriae é definido por Daniel B. Grifth como “autoridade herdada pelo estado para atuar como guardião de um individuo com uma limitação jurídica”. Também nos Estados Unidos o Princípio do BestInterest (Melhor Interesse da Criança) esta vinculado as atribuições do juiz quanto ao Parens Patriae.

Ele emana a função tradicional do estado como guardião daqueles que são legalmente incapazes. O poder, controla conferido pelo rei foi agora transferido para cada estado. A Suprema Corte Norte-americana tem reconhecido esta prerrogativa como parte de uma tradição de longa data.

COMO FUNCIONA A MEDIDA?

O disposto no artigo 101, inciso I, do Estatuto fala que o jovem cujos direitos estiverem violados ou ameaçados de violação (entre eles, especificamente, o direito à convivência em ambiente livre de entorpecentes), deve ser protegido mediante o seu “encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade”. E a forma como se dará esse encaminhamento é a retirada do menor da situação de risco real ou iminente, por transporte em VEÍCULO DA PREFETURA OU DO JUIZADO, para a sede do Juizado, intimando-se imediatamente os pais, em seguida, para buscar os filhos.

Em caso de REINCIDÊNCIA DOS pais que não observarem o dever de guarda, permitindo que os filhos menores permaneçam nas ruas, mormente em atividade de risco, em inobservância ao disposto na Portaria, por caracterizar descumprimento de determinação judicial, estarão infringindo os artigos 22 e 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sujeitando-se a multa que variará entre 03 e 20 salários-mínimos, sem prejuízo das demais responsabilidades (logicamente, sabemos da pobreza da nossa região, e jamais vamos aplicar a multa (em 10 meses nenhum a multa foi aplicada) e se o fizermos será no máximo na metade do salário) e de acordo com as condições das pessoas.

Aqui, os Prefeitos FORNECEM OS VEÍCULOS para os rondas noturnas, pois o menor nunca é conduzido em viaturas  E NUNCA É ABORDADO POR POLICIAIS pelo simples fato de estar fora dos horários da Portaria Judicial, execeto em flagrante delito ou em caso de mandado de apreensão.
Os referidos Prefeitos cedem servidores, como guardas municipais, e tudo que for necessário para efetividade da medida.

Salienta-se que no Fórum da cidade existe quase de 45 mil assinaturas de abaixo-assinados a favor da medida, cujas cópias foram entregues ao Conselheiro Ives Gandra quando fizemos defesa no CNJ da nossa medida.

Tais assinaturas são oriundas das cidades 1- Salvador, 2- Feira de Santana-BA, 3- Serrinha, 4- Santo Antônio de Jesus, 5- Conceição do Almeida, 6- Conceição do Coité, 7- Tucano, 8- Cachoeira, 9- Guanambi, 10- Ipecaetá, 11- Antônio Cardoso, 12- Santo Estevão, 13- Dias D'Ávila, 14- Candeias, inclusive cópias destes abaixo-assinados foram entregues na CPI da Pedofilia ao Senador Magno Malta, que também apoia a medida.


Além de todas as normas aqui citadas, não podemos esquecer que o artigo 4º da Lei de Introdução  – Decreto-Lei Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942 traz ao nosso ordenamento jurídico o princípio da indeclinabilidade da jurisdição, segundo o qual o Juiz não pode deixar de decidir quando a norma for omissa, devendo o mesmo aplicar a analogia, os bons costumes e os princípios gerais de direito, verbis:

“Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”



Não podemos olvidar que o Juiz tem compromisso com a sociedade e dever proferir decisões que atendam aos fins comuns, atenda aos reclamos do povo. Sempre que possível, o juiz deve se preocupar com a utilidade social da medida. Não é á-toa que ordenamento jurídico brasileiro se preocupou em alertar os magistrados desse dever, como bem rezam o art. 5º da LICC e o art. 6º do ECA:

“ Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”

“Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”.



“O direito é um organismo vivo. Um organismo contudo peculiar porque não envelhece, nem permanece jovem, visto ser contemporâneo à realidade



É necessário que o Poder Judiciário cumpra adequadamente a missão --- autêntica missão de serviço público --- que lhe incumbe. Impõe-se a esta Corte também atuar proficientemente, viabilizando a fluente transformação da luta em jogo. Então a oposição --- e como se vê bem vivermos em um mundo de oposições e confrontos, os particularismos afrontando os particularismos! --- então a oposição entre rigidez e elasticidade se manifesta” ( extraído de Informativo do STF. Força de lei, trad. Leyla Perrone-Moisés, Martins Fontes, São Paulo, 2.007, págs. 5-6.Rcl 4.335 / AC)

Além do mais, é absolutamente consentâneo que depois da primeira fase do direito processual civil (fase imanentista), sobreveio a segunda fase (da autonomia) e hoje, segundo a moderna processualística, vive-se terceira fase: fase crítica.

A fase critica é a que vivemos, com o objetivo de atender, por meio do processo, aos reclamos do público-alvo, para que tenhamos um melhor serviço jurisdicional e esta é a finalidade buscada pelo Egrégio CNJ.

Isto tem a ver com as 03 ondas renovatórias de acesso à ordem jurídica justa5. São as três grandes ondas renovatórias 1- existência de assistência integral e gratuita; 2- surgimento das ações coletivas em interesse metaindividuais; 3- e, por fim, a terceira onda, a que se vive hoje, quando os estudiosos do direito processual de todo o planeta6 se preocupam com uma maior satisfação do jurisdicionado com o serviço prestado pela Justiça, que deve ser efetiva e proteger os jurisdicionados lesados ou ameaçados.

E o CNJ está, como visto nas suas atribuições acima, em busca de uma Justiça que atenda aos reclamos do Jurisdicionado. Uma Justiça célere, eficaz.

A fase atual quer buscar saber qual grau de satisfação os “consumidores”(os jurisdicionados) têm sobre o serviço jurisdicional. Esta é a terceira fase da processualística.

Busca-se uma justiça cujos juízes sejam acessíveis à população e emitam decisões a favor dos homens de bem deste País. Decisões desta como o toque de acolher fazem o povo ter orgulho do Poder Judiciário da sua Comarca.

Estas são, pois, apenas algumas considerações que gostaria de fazer em face da polêmica gerada pela portaria editada. Percebe-se, pois, que a mesma conta com amplo apoio social. Mas, além disso, possui muita base jurídica, conforme acima explicitado, com imenso respeito a quem pense de forma diversa.


JOSÉ DE SOUZA BRANDÃO NETTO
JUIZ de Direito na BA.
PROFESSOR DE TEORIA GERAL DO PROCESSO
POSGRADUADO EM ATIVIDADE JUDICANTE pela EMAB
POSGRADUANDO EM DIREITO PROCESSUAL PENAL 
POSGRADUANDO EM DIREITO ELEITORAL
EX-ADVOGADO DA UNIÃO-AGU EM BRASILIA
APROVADO em concurso E EX-ACADÊMICO NA ANP NO CARGO DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL
EX-DELEGADO DE POLÍCIA-BA
APROVADO em concurso para CARGO DE ANALISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO-MPU
FORMARDO EM DIREITO PELA UFBA

1Autor do texto: JOSÉ DE SOUZA BRANDÃO NETTO, Juiz DE DIREITO
2APUD, Direito da Criança e do Adolescente, Uma Proposta Interdisciplinar, Tánia da Silva Pereira, Editora Renovar, 2ªEdição)
3“Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.. Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das medidas: (...) X - prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa (...);
4. Pereira , Tánia da Silva., Direito da Criança e do Adolescente, Uma Proposta Interdisciplinar,, Editora Renovar, 2ªEdição, 2008
5Expressão felicíssima de Kazuo Watanabe. As ondas renovatórias são oriundas do doutrinador italiano Mauro Capelleti. Tais fundamentos são referidos em Alexandre Freitas Câmara (Lições de Direito Processual Civil), bem em “Teoria Geral do Processo” de Ada Pelegrini Grinover, Antonio Carlos de Araujo Cintra e candido rangel Dinamaraco.,
6 Câmara, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, Lumem Juris, 16ª Edição.

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