Segue sentença do colega com jurisdição em Piracicaba, São Paulo, indeferindo pedido de dupla maternidade a casal homoafetivo, fundamentando-se no direito de gêmeos, gerados em inseminação artificial, de fazer a opção somente quando alcançada a maioridade. Trata-se de “Pedido de Providências” em que as requerentes S... e J... solicitam constar dos registros de nascimento de L... e de L..., gestadas por S... e concebidas por inseminação artificial, os nomes de ambas “como mães dos recém-nascidos” (fl. 02).
Comprovaram estarem casadas desde 24.10.2015 (fl. 04) e que as crianças nasceram em 11.12.2015 (fls. 05/06) por força de inseminação artificial a que fora submetida S..., mediante a utilização de sêmen de doador anônimo (fls. 10/18).
Houve pareceres do Ministério Público (fls. 08 e 72/73), o último deles pelo deferimento da pretensão.
É a síntese do necessário.
FUNDAMENTO E DECIDO.
1) A pretensão posta neste expediente vai muito além da tutela dos interesses das requerentes no que tange à confecção, pura e simples, do registro de nascimento dos recém-nascidos L... e L..., mas deriva necessariamente seu foco de análise aos privilegiados interesses desses infantes.
Não se pode relegar a um plano secundário o direito desses bebês, os maiores interessados, dando indevido privilégio à pretensão das requerentes, a despeito de não se negar a possibilidade de, como qualquer casal, darem o afeto e a atenção necessários às crianças.
Destarte, reduzir a análise da questão somente à viabilidade registrária da pretensão redundaria em lançar decisão com espectro estreito e fundamentação precária, porquanto a pretensão, embora não se confunda do ponto de vista técnico-jurídico, toma foros de estabelecimento definitivo de filiação nos moldes da adoção ou da “investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento”, prevista na Lei nº 8.560/92.
Ou seja: na prática, a decisão sobre a pretensão das duas requerentes em quererem ser mães dos meninos L... e L... determinará ou não definitivamente a filiação dessas crianças, não havendo possibilidade alguma de ser vindicada por terceiro(s) à luz do art. 1.604 do Código Civil, e diante do anonimato que protege o doador do sêmen fertilizador da correquerente S..., genitora biológica dos gêmeos.
Nessa quadra, se os efeitos jurídicos são idênticos, então os critérios de avaliação dos benefícios e prejuízos às crianças evidentemente devem ser os mesmos da adoção, donde imprescindível olhar com maior rigor técnico a pretensão inicial.
Faz-se necessário, pois, “jogar um pouco mais de luz” nessa discussão, tirando-a da atual e instalada situação de normose.
2) Das consultas jurídicas realizadas, também não olvida este Juízo a existência, como alegado pelo I. Representante do Ministério Público, “de precedentes admitindo adoção ou reconhecimento de filiação homoparental por pessoas de orientação homoafetiva” (fl. 73).
Indo mais além, igualmente não se ignora o teor do parecer lançado nos autos do Processo nº 2014/88189, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Exmo. Des. Hamilton Elliot Akel (DJe de 07.11.2014), que, pautando-se no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277-DF (que reconheceu como entidade familiar a união estável homossexual nos mesmos moldes da heterossexual), entendeu que a legislação infraconstitucional deve passar por uma “releitura para atender às suas novas finalidades”, evitando, assim, tratamento distinto entre tais modalidades de união.
Cumpre observar, a propósito, a ressalva lançada na própria ementa do V. Acórdão daquela ação, de que “não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade”, o que não se deu naquela hipótese mas ocorre nesta, consoante a seguir se demonstrará. Essa ressalva é de suma importância diante da observância jurídica à eficácia erga omnes e ao efeito vinculante daquele julgado da Corte Suprema.
3) A Constituição Federal, em seu art. 227, caput, prevê: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
E o seu §6º estabelece: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Esse dispositivo é repetido no art. 1.596 do Código Civil.
Já o “Estatuto da Criança e do Adolescente”, em diversas passagens, regulamenta a prevalência do “superior interesse” das crianças e dos adolescentes sobre outros quaisquer. Notem-se as previsões de interesse a esta decisão:
“Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.
“Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.
“Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”.
Na mesma senda e erigindo ao nível de “princípios” que regem a aplicação de medidas protetivas do “Estatuto”, está o “interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto” (art. 100, parágrafo único, inciso IV).
Inegável que toda e qualquer criança tem o direito de ostentar em seus registros os mais completos dados de sua origem. Todavia, não se pode levar em conta de decisão, pena de flagrante risco de injustiça, somente elementos culturais e/ou sentimentais, e, ainda mais, de forma absolutista, antes e fundamentalmente devendo ser considerados aspectos de ordem biológica e psíquica das crianças, insista-se sempre, as maiores interessadas.
Dissociar uns dos outros elementos seguramente não conduziria à aplicação do justo e necessário direito às hipóteses como a em tela. A tanto, confira-se o precedente seguinte e que avaliza esse mais seguro modo interpretativo:
“PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO JUDICIAL. DIREITO DO MENOR. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. GUARDA. REVOGAÇÃO. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE. HERMENEUTICA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I - A LEGISLAÇÃO QUE DISPÕE SOBRE A PROTEÇÃO A CRIANÇA E AO ADOLESCENTE PROCLAMA ENFATICAMENTE A ESPECIAL ATENÇÃO QUE SE DEVE DAR AOS SEUS DIREITOS E INTERESSES E À HERMENÊUTICA VALORATIVA E TELEOLÓGICA NA SUA EXEGESE. II – (...)” (STJ, RMS 1.898/SP, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 12/04/1994, DJ 17/04/1995, pág. 9580).
4) Dos autos extrai-se que as requerentes receberam pareceres social e psicológico favoráveis à adoção na Vara da Infância e da Juventude desta Comarca, tanto que seus nomes estão inscritos no cadastro de pretendentes (fls. 47/51, 61/65 e 68/69).
Todavia e por óbvio, somente puderam ser considerados elementos de análise relativos às próprias requerentes, e não às crianças em si, com abordagem nas respectivas estruturas psicológica e ambiental que possam ou não lhes ser favoráveis. Noutro giro de ideias, neste expediente não podem ser aquilatadas exclusivamente as condições das requerentes para adotarem.
A discussão sobre o estabelecimento de filiação a pares homossexuais é candente na Europa e nos Estados Unidos da América, também obtendo a atenção em nosso País. Ainda que os artigos que seguem, e que não esgotam a controvérsia, tenham sido coletados na mídia interessada nesse debate, seus próprios teores, como visto, não têm viés ideológico ou religioso, antes científico. Induvidoso que tais artigos dificilmente fossem publicados em sites identificados com a chamada “causa LGBT”.
Vamos a eles:
“Um estudo pioneiro revela que filhos adultos de ‘pais’ homossexuais e lésbicos experimentam consequências sociais, econômicas e emocionais vastamente mais negativas do que crianças criadas dentro de famílias biológicas intactas. A qualidade do estudo do professor Mark Regnerus, da Universidade do Texas, frisa as deficiências de estudos anteriores nos quais os ativistas homossexuais têm se apoiado para conceder às duplas de mesmo sexo um direito de se casar e adotar crianças. ‘A alegação empírica de que não existem diferenças dignas de nota tem de ir embora’, disse Regnerus em seu estudo publicado na revista Social Science Research.
O abrangente estudo de Regnerus examina aproximadamente 3.000 filhos adultos de oito diferentes estruturas de família e os avalia dentro de 40 categorias sociais e emocionais. O estudo revela que as crianças que permanecem com famílias biológicas intactas tinham educação melhor, experimentavam maior saúde mental e física, menos experiências com drogas, menos atividade criminosa e relataram no total níveis mais elevados de felicidade.
As maiores consequências negativas foram constatadas entre filhos de mães lésbicas. Isso contradiz estudos defeituosos popularizados pelos meios de comunicação que afirmam que crianças se saem bem, ou melhores, com mães lésbicas. O estudo de Regnerus mostrou consequências negativas para esses filhos adultos em 25 de 40 categorias, inclusive índices muito mais elevados de agressão sexual (23% dos filhos de mães lésbicas foram tocados sexualmente pelos pais ou um adulto, em contraste com 2% dos filhos criados por pai e mãe casados), saúde física inferior, mais depressão, mais uso de maconha e desemprego mais elevado (69% dos filhos de lares lésbicos estavam vivendo às custas de programas de assistência do governo, comparados com 17% dos filhos de pai e mãe casados).
O estudo de Regnerus desmascara um informe de 2005 da Associação Americana de Psicologia muitas vezes citado que concluiu: ‘Nem um único estudo constatou que filhos de pais lésbicos ou gays têm desvantagens em qualquer aspecto importante em relação aos filhos de pais heterossexuais’.
Em contraste com Regnerus, os estudos anteriores compararam filhos de pais homossexuais com filhos de famílias de padrasto e mães solteiras. Regnerus também se apoia unicamente em informações diretas de filhos adultos em vez de opiniões de seus pais.
Um segundo novo estudo confirma que os estudos que a AAP promoveu com muito elogio são inconfiáveis. Loren Marks, professor adjunto da Universidade Estadual da Louisiana, revelou que os estudos da AAP tinham dados limitados e focaram em papéis de gênero e identidades sexuais. Eles negligenciaram examinar os resultados educacionais, emprego, risco de abuso de drogas, conduta criminal ou suicídio dos filhos.
Os desacreditados estudos apoiados pela AAP têm sido usados em tentativas para impactar decisões legais internacionais.
Amicus curiae apresentado no caso E.B. versus França no Tribunal Europeu de Direitos Humanos defendeu direitos de adoção para duplas de mesmo sexo citando estudos da AAP com alegações de que não existe nenhuma evidência científica objetiva para justificar ‘tratamento diferente de duplas de mesmo sexo que desejam adotar porque (até onde a FIDH, ILGA-Europa, BAAF e APGL sabem) todos os estudos científicos conceituados têm mostrado que os filhos de pais lésbicos e gays não têm nada de diferente dos filhos de pais heterossexuais no que se refere a problemas emocionais e outros problemas’.
No caso Karen Atala e Filhas versus Chile no Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, um amicus curiae defendendo os ‘pais’ lésbicos que perderam a custódia de seus filhos comentou que a Academia Americana de Pediatria (AAP) ‘reconhece que um volume considerável de literatura profissional fornece evidência de que os filhos com pais que são homossexuais podem ter as mesmas vantagens e as mesmas expectativas de saúde, ajuste e desenvolvimento que podem os filhos cujos pais são heterossexuais’” (http://www.physiciansforlife.org/homosexual-or-heterosexua…/)”.
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“Não podemos excluir que a convivência com dois pais adotivos do mesmo sexo tem impacto negativo nos processos de desenvolvimento mental e relacional na infância”, declarou o presidente da Sociedade Italiana de Pediatria, Giovanni Corsello, acrescentando que ‘o debate sobre as uniões civis e adoção deve incluir também os perfis clínicos e psicológicos de crianças e adolescentes’.
O presidente da mais importante associação de pediatras italianos observa ainda que ‘a maturidade psicológica de uma criança exige um percurso correlacionado com a qualidade dos vínculos emocionais na família e com os coetâneos. A qualidade das relações humanas e interpessoais, bem como o nível de estabilidade emocional e a segurança social de uma criança são consequências de um amadurecimento psicoafetivo harmonioso’. Ele cita estudos clínicos que demonstraram que esses processos podem se revelar incertos e enfraquecidos pela convivência em uma família conflitiva ou na qual o núcleo não tem pai e mãe como modelos”. Corsello reitera: ‘Quando se tomam decisões sobre questões de tão grande importância social, que afetam o direito das crianças de crescer em sistemas protegidos e seguros, não podem ser considerados só os direitos do casal ou dos parceiros, mas sim o interesse da criança’”. (https://pt.zenit.org/…/pediatras-viver-com-casais-homossex…/)”.
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“Um novo estudo publicado este ano traz evidências de que as crianças obtêm melhores resultados em seu desenvolvimento quando são criadas por pais heterossexuais. O artigo ‘Problemas emocionais entre crianças criadas por pais homossexuais: diferença por definição’ foi publicado na edição de fevereiro de 2015 do British Journal of Education, Society and Behavioural Science. O autor do estudo é o professor de sociologia Donald Paul Simmons, da Universidade Católica da América, e se baseia numa amostragem de mais de duzentas mil crianças, incluindo 512 criadas por parceiros do mesmo sexo.
As conclusões indicam incidência consideravelmente maior de problemas emocionais nas crianças cujos responsáveis são pessoas do mesmo sexo, em comparação com os filhos de pais heterossexuais. ‘Os filhos de pais biológicos casados apresentam 1/4 dos problemas emocionais identificados entre as crianças criadas por pais do mesmo sexo’.
Na introdução, o estudo menciona que, ao longo dos últimos anos, várias pesquisas afirmaram que as crianças criadas por pais do mesmo sexo não sofrem desvantagens em comparação com os filhos de pais heterossexuais. Tais pesquisas foram tão bem divulgadas que chegaram a embasar sentenças em processos judiciais e decisões tomadas em políticas públicas e em ambientes profissionais.
Mais recentemente, porém, revisões dessas pesquisas revelaram deficiências em sua elaboração, ao mesmo tempo em que novos estudos vêm apontando resultados negativos no desenvolvimento de crianças de famílias do mesmo sexo.
Muitas das pesquisas que alegavam não haver diferenças entre crianças de diferentes tipos de famílias se baseavam em amostragens muito pequenas ou em fontes não representativas, além de apresentarem limitações metodológicas. Um fator que afeta em especial as crianças criadas por parceiros homossexuais é o maior índice de instabilidade e dissolução da relação entre os parceiros, na comparação com os casais de sexo oposto.
‘Estudos sobre o divórcio sugeriram que a dissolução familiar pode afetar a saúde emocional da criança devido ao aumento do conflito parental anterior à separação (…) Pais afetiva ou mentalmente instáveis são um fator de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais ou emocionais na criança. Há indicativos robustos de que a atração por pessoas do mesmo sexo está associada a um risco mais elevado de sofrimento psíquico’, acrescentou Simmons.
A falta de laços biológicos para as crianças criadas por casais do mesmo sexo é outro fator que pode causar problemas. ‘Nenhuma criança participante deste estudo e criada por parceiros homossexuais vivia com ambos os pais biológicos, ao passo que, nas famílias heterossexuais, quase dois terços (64%) viviam com pai e mãe biológicos’, informa o artigo, recordando também que ‘quase todos os estudos que já examinaram esta questão apontaram que o bem-estar infantil é mais elevado entre as crianças que vivem com ambos os pais biológicos’.
‘No mínimo, não é acurado afirmar que as crianças criadas por parceiros do mesmo sexo não sofram desvantagem alguma em relação às que são criadas por famílias heterossexuais”, observa o autor. Simmons constatou que a suscetibilidade a problemas emocionais devidos à estigmatização dos casais homossexuais foi pouco marcante. Por isso, ‘deve ser rejeitada a hipótese de que as restrições relativas à paternidade ou ao estado civil dos parceiros homossexuais explique o maior risco de problemas emocionais’.
‘O estudo indica que os problemas emocionais das crianças criadas por parceiros do mesmo sexo têm relação justamente com a privação da experiência de ser criadas pelo pai e pela mãe biológicos’, já que, ‘funcionalmente, o casamento entre pessoas de sexos opostos é uma prática social que, tanto quanto possível, garante às crianças um cuidado conjunto de ambos os pais biológicos, com os seus consequentes benefícios naturais’”. (https://pt.zenit.org/…/o­casamento­entre­pessoas­do­mesmo­…/);
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“...o psicanalista Maurice Berger examina as pesquisas que deveriam averiguar se o desenvolvimento dos filhos de casais homossexuais ressente da sua condição, com o resultado de considerar estes casais pouco ‘confiáveis’, quase todos muito ideológicos: substancialmente, um engano. O estudioso conclui questionando-se como é possível, dado que é esta a situação, que o princípio de precaução – ao qual com frequência se recorre em todos os âmbitos – não deva aplicar-se também a este” (trecho extraído da revista francesa “Le Débat”, de julho de 2014. O texto integral está disponível no site do autor, www.mauriceberger.net, onde, inclusive, pode-se verificar seu vasto currículo na área da psiquiatria e psicologia de crianças).
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Este último estudo do Professor Maurice Berger toca num ponto fundamental a ser observado: a incidência do “princípio da precaução” na hipótese dos autos.
Esse princípio, bem desenvolvido na área do Direito Ambiental, pode com aptidão ser aplicado em outras áreas jurídicas como a destes autos, a partir de sua própria definição, consolidada na chamada “Conferência RIO 92” em que foi formalmente proposto:
“O Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano.
(...)
O Princípio da Precaução não deve ser encarado como um obstáculo às atividades assistências e principalmente de pesquisa. É uma proposta atual e necessária como forma de resguardar os legítimos interesses de cada pessoa em particular e da sociedade como um todo. O Princípio da Precaução é fundamental para a abordagem de questões tão atuais e importantes como a produção de alimentos transgênicos e a clonagem de seres humanos. Reconhecer a existência da possibilidade da ocorrência de danos e a necessidade de sua avaliação com base nos conhecimentos já disponíveis, é o grande desafio que está sendo feito a toda comunidade científica mundial.” (http://www.bioetica.ufrgs.br/precau.htm).
Digno de nota a esse respeito o artigo do Juiz Federal Gabriel de Jesus Tedesco Wedy, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, intitulado “Os elementos constitutivos do princípio da precaução e a sua diferenciação com o princípio da prevenção”, e publicado em 23.10.2015 (o Magistrado também é Doutorando e Mestre em Direito pela PUC/RS, Pesquisador-bolsista CNPQ Capes, Visiting Scholar pela Columbia Law School, Professor Coordenador de Direito Ambiental da Esmafe/RS). Nele foi feito uma maior digressão sobre o “princípio da precaução”. Confira-se:
“O princípio da precaução nasceu no final da década de 60, na Suécia, com a Lei de Proteção Ambiental, e, na República Federal Alemã, no início dos anos 70 (século XX). Daí espraiou-se pelo Direito Internacional e interno das nações. A sua evolução legislativa culminou com a sua definição mais aceita atualmente, que é a exposta pelo Princípio 15 constante na Conferência sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, a chamada Rio/92. Como direito fundamental de terceira geração, é instrumento de tutela de outros direitos fundamentais, como o direito ao meio ambiente equilibrado e o direito à saúde.
A conceituação do princípio da precaução deve levar em consideração os seus elementos: risco de dano, incerteza científica e inversão do ônus da prova. Assim, ele deve ser aplicado quando houver um risco de dano à saúde pública ou ao meio ambiente. Não basta apenas o risco de dano, este deve ser somado a uma incerteza científica constatada. A inversão do ônus da prova compõe o princípio como elemento, pois, sem ela, o princípio fica inviabilizado na prática, porque, em uma sociedade de riscos, o proponente da atividade potencialmente danosa é quem geralmente possui melhores informações acerca desta, e a coletividade, ante a ausência de informações, fica impossibilitada de demonstrar a presença do risco de dano e da própria incerteza científica.
O conceito do princípio da precaução não pode ser dissociado da análise do custo-benefício entre a adoção da medida e os benefícios agregados a ela. No mesmo sentido, o proponente da atividade deve recorrer à melhor tecnologia disponível para evitar os riscos de danos à saúde pública e ao meio ambiente” (http://bdjur.stj.jus.br/…/elementos_constitutivos_principio…).
5) Pelos elementos acima avaliados, e guardadas as devidas proporções, constata-se na hipótese dos autos a existência concreta de risco de dano psicoafetivo às crianças L... e L... em sendo acolhida a pretensão inaugural; a evidente incerteza científica de benefício aos infantes, os maiores interessados, no estabelecimento da filiação tal como pretendida; e a inexistência de prova cabal de ausência de prejuízo a esses meninos acaso atribuível fosse a filiação a ambas as requerentes.
Acresça-se, ainda, que se por um lado poderia ser um “dano menor” autorizar o registro de “dupla maternidade” às crianças, por outro e em decorrência deste paradoxalmente estabelecer-se-ia o risco –deveras maior!— de repercussões negativas à integridade psicoafetiva dos gêmeos L... e L.... E, assim, far-se-ia letra morta do princípio da superioridade de interesses das crianças.
Logo, a pretensão das requerentes nesta via poderá vir a ser alcançada quando as crianças L... e L... gozarem de livre e pleno discernimento da realidade familiar que os envolve, e, assim, tiverem atingido a capacidade jurídica necessária, podendo vir a se manifestarem em face do disposto no art. 5º e parágrafo único, do Código Civil.
6) Posto isso, indefiro a pretensão de fl. 02, determinando, porém, ao Sr. Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do ... Subdistrito da Sede da Comarca de Piracicaba, a lavratura de registro das crianças com os dados da mãe biológica (fls. 05/06).
Diligencie-se, dando-se ciência às requerentes e ao Ministério Público, e, oportunamente, arquivem-se os autos.
Juiz de Direito Corregedor Permanente
Piracicaba, 11 de fevereiro de 2016

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