Execução provisória da pena e trânsito em julgado - 2

Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, indeferiu medida cautelar em ações declaratórias de constitucionalidade e conferiu interpretação conforme à Constituição ao art. 283 do Código de Processo Penal (CPP) (“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”). Dessa forma, permitiu a execução provisória da pena após a decisão condenatória de segundo grau e antes do trânsito em julgado — v. Informativo 837.

O Tribunal assentou que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, LVII, da Constituição Federal (CF). Esse entendimento não contrasta com o texto do art. 283 do CPP.

A Corte ressaltou que, de acordo com os arts. 995 e 1.029, § 5º, do Código de Processo Civil (CPC), é excepcional a possibilidade de atribuir efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário na seara criminal. A regra geral continua a ser o recebimento desses recursos excepcionais com efeito meramente devolutivo.

Entretanto, é possível atribuir-se efeito suspensivo diante de teratologia ou abuso de poder. Dessa forma, as decisões jurisdicionais não impugnáveis por recursos dotados de efeito suspensivo têm eficácia imediata. Assim, após esgotadas as instâncias ordinárias, a condenação criminal poderá provisoriamente surtir efeito imediato do encarceramento, uma vez que o acesso às instâncias extraordinárias se dá por meio de recursos que são ordinariamente dotados de efeito meramente devolutivo.

Não se pode afirmar que, à exceção das prisões em flagrante, temporária, preventiva e decorrente de sentença condenatória transitada em julgado, todas as demais formas de prisão foram revogadas pelo art. 283 do CPP, com a redação dada pela Lei 12.403/2011, haja vista o critério temporal de solução de antinomias previsto no art. 2º, § 1º, da Lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Se assim o fosse, a conclusão seria pela prevalência da regra que dispõe ser meramente devolutivo o efeito dos recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), visto que os arts. 995 e 1.029, § 5º, do CPC têm vigência posterior à regra do art. 283 do CPP. Portanto, não há antinomia entre o que dispõe o art. 283 do CPP e a regra que confere eficácia imediata aos acórdãos proferidos por tribunais de apelação.

Ademais, a quantidade de magistrados com assento no STF e no STJ repele qualquer interpretação que queira fazer desses tribunais cortes revisoras universais. Isso afasta a pretensão sucessiva de firmar o STJ como local de início da execução da pena.

A finalidade que a Constituição persegue não é outorgar uma terceira ou quarta chance para a revisão de um pronunciamento jurisdicional com o qual o sucumbente não se conforma e considera injusto. O acesso individual às instâncias extraordinárias visa a propiciar ao STF e ao STJ o exercício de seus papéis de estabilizadores, uniformizadores e pacificadores da interpretação das normas constitucionais e do direito infraconstitucional. Por isso, o art. 102, § 3º, da Constituição Federal exige demonstração de repercussão geral das questões constitucionais debatidas no recurso extraordinário. Portanto, ao recorrente cabe demonstrar que, no julgamento de seu caso concreto, malferiu-se um preceito constitucional e que há, necessariamente, a transcendência e relevância da tese jurídica a ser afirmada pela Suprema Corte.

É a Constituição que alça o STF primordialmente a serviço da ordem jurídica constitucional e igualmente eleva o STJ a serviço da ordem jurídica. Isso está claro no art. 105, III, da CF, quando se observam as hipóteses de cabimento do recurso especial, todas direta ou indiretamente vinculadas à tutela da ordem jurídica infraconstitucional. Nem mesmo o excessivo apego à literalidade da regra do art. 5º, LVII, da CF, a qual, nessa concepção, imporia sempre o “trânsito em julgado”, seria capaz de conduzir à solução diversa.

O ministro Roberto Barroso acrescentou que, por não se discutir fatos e provas nas instâncias extraordinárias, há certeza quanto à autoria e materialidade. Dessa forma, impõe-se, por exigência constitucional em nome da ordem pública, o início do cumprimento da pena, sob o risco de descrédito e desmoralização do sistema de justiça.

Além disso, enfatizou que a presunção de inocência é princípio — não regra — e, como tal, pode ser ponderado com outros princípios e valores constitucionais que tenham a mesma estatura.

Portanto, o peso da presunção da inocência ou não culpabilidade, após a condenação em segundo grau de jurisdição, fica muito mais leve, muito menos relevante, em contraste com o peso do interesse estatal de que os culpados cumpram pena em tempo razoável. Desse modo, o estado de inocência vai-se esvaindo à medida que a condenação se vai confirmando.

Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que deferiam a medida cautelar para reconhecer a constitucionalidade do art. 283 do CPP e determinar a suspensão de execução provisória de pena cuja decisão ainda não houvesse transitado em julgado. Afirmavam que a execução provisória da pena, por tratar o imputado como culpado, configuraria punição antecipada e violaria a presunção de inocência, bem como a disposição expressa do art. 283 do CPP. Também pontuavam que a presunção de inocência exige que o réu seja tratado como inocente não apenas até o exaurimento dos recursos ordinários, mas até o trânsito em julgado da condenação.

Vencido, parcialmente, o ministro Dias Toffoli, que acolhia o pedido sucessivo para determinar a suspensão de execução provisória de réu cuja culpa estivesse sendo questionada no STJ. Segundo o ministro, esse Tribunal desempenha o relevante papel de uniformizar a aplicação da lei federal nacionalmente.

Todavia, no âmbito do STF, o recurso extraordinário não teria mais o caráter subjetivo. Afinal, a questão nele debatida deverá ter repercussão geral e ultrapassar os limites subjetivos do caso concreto, o que, geralmente não existe em matéria criminal. Ademais, a jurisprudência é no sentido de que a questão do contraditório e da ampla defesa é matéria infraconstitucional.
ADC 43 MC/DF, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 5-10-2016.
ADC 44 MC/DF, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 5-10-2016.

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