Poder Judiciário
JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Paraná
1ª Vara Federal de Pato Branco
Rua Itacolomi, 710 - Bairro: Centro - CEP: 85501-240 - Fone: (46)3272-1900 - www.jfpr.jus.br - Email: prpbr01@jfpr.jus.br


AÇÃO PENAL Nº 5002652-75.2014.4.04.7012/PR
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: MA
SENTENÇA


I - RELATÓRIO
O Ministério Público Federal, com base no Procedimento Investigatório Criminal nº 1.25.014.000148/2014-74, ofereceu denúncia em face de:
MA, brasileiro, advogado, (Dados Pessoais), incurso nas penas do artigo 316 c/c artigo 327 do Código Penal, pela suposta prática dos fatos assim descritos na denúncia:
Na data de 19 de maio de 2014, entre as 12 e 13h, nas dependências do Fórum da Justiça Federal em Pato Branco, localizado na Av. Tupi, 710, Pato Branco/PR, o denunciado, com vontade livre e consciente da ilicitude de seu comportamento, exigiu, para si, indiretamente, em razão do exercício da função pública de defensor dativo, vantagem indevida.
Foi determinada medida cautelar de proibição de manter contato com VLS e CS e sequestro de R$ 7.421,29 da conta bancária do denunciado (evento 3), cuja determinação foi cumprida (evento 4).
O denunciado, advogando em causa própria, apresentou resposta à acusação, alegando que os valores depositados referem-se à honorários advocatícios de outros serviços e procedimentos judiciais prestados pelo réu à dona V. (evento 14).
A denúncia foi recebida em 18/09/2014 (evento 17).
Antecedentes criminais anexados (evento 18).
O denunciado apresentou defesa (evento 27), em relação à qual este Juízo deixou-se de absolver sumariamente o denunciado (evento 29).
Em 25/03/2015, realizou-se audiência de instrução e julgamento, com o interrogatório do réu (evento 43).
Atualizados os antecedentes criminais ao evento 43.
Em alegações finais, o MPF requereu a condenação do réu, por entender comprovadas a materialidade, autoria e o dolo (evento 46).
A defesa apresentou alegações finais ao evento 51 e requereu a absolvição do réu, por ausência de coação ao pagamento do valor creditado em sua conta, o qual foi pago de forma espontânea referente aos serviços prestados como advogado em outros processos.
Os autos foram registrados para sentença.
O denunciado requereu o desbloqueio de sua conta e anexou o comprovante de R$ 8.000,00 na conta de titularidade de VLS. (evento 55).
É o relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1 - Premissas de análise: hipótese acusatória e tese defensiva
É imputada ao réu a prática do crime de concussão, previsto no artigo 316 c/c artigo 327 do Código Penal:
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.
A imputação é baseada na suposta determinação do denunciado para que a funcionária da CEF depositasse metade dos valores recebidos em RPV por CS na sua conta particular e a outra metade na conta aberta de titularidade de VLS, mãe de C., sem que V. tivesse conhecimento de que o valor R$ 14.797,68 era todo de sua filha, oriundo de um processo judicial de concessão de benefício assistencial no qual o réu atuou como defensor dativo.
Conforme contou da denúncia:
Aos 16 de julho de 2012, o denunciado MA foi nomeado pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Pato Branco/PR como advogado dativo de CS, deficiente, absolutamente incapaz, curatelada por VLS, nos autos da ação previdenciária nº 5001573-66.2011.404.7012, movida por estas em face do INSS (fls. 05/06).
No feito supracitado, o INSS foi condenado a conceder benefício assistencial à autora, desde a DER, quando já se encontravam presentes os requisitos para a outorga da proteção assistencial, bem como a pagar as prestações vencidas desde então e até a data do trânsito em julgado, que ocorreu em 21/01/2014 (evento 99 daqueles autos).
Com o trânsito em julgado, houve requisição de pequeno valor – RPV, em proveito da parte autora. Conforme extrai-se da fl. 07, a partir do dia 13/05/2014, o valor de R$ 14.797,68 estaria disponibilizado na conta da autora.
Posteriormente, no dia 19 de maio de 2014, o denunciado teria ido por 3 vezes na casa de VLS, não tendo, contudo, êxito em lhe encontrar.
Por volta do meio dia daquela data, o denunciado entrou em contato telefônico com a vítima, oportunidade na qual lhe perguntou se possuía identidade e CPF em mãos, pois lhe encontraria onde quer que estivesse. A vítima, então, lhe informou que precisava ir para casa, pois tinha que dar almoço à filha, que é doente e estava sozinha, tendo, então, o denunciado dito que se ela não fosse com ele até as 13h na Justiça Federal, perderia o “ aposento” da filha C.
Em virtude de tal fato, a vítima desesperou-se e, após passar rapidamente em casa, deslocou-se até o ponto de encontro, onde o denunciado já lhe aguardava dentro do seu veículo. Ao chegar no prédio da Justiça Federal, o denunciado levou a vítima até a agência da Caixa Econômica Federal – CEF, onde estavam presentes somente um vigilante e uma funcionária.
Ato contínuo, a referida funcionária da CEF entregou à vítima diversos papéis, além de ter dito que sua conta estaria aberta e que o denunciado já teria dado andamento em tudo, devendo apenas assinar os papéis.
Após assinar os papéis, o denunciado disse à funcionária da CEF que depositasse cinquenta por cento para cada um.
Somente nesse momento, a vítima percebeu que não perderia o “aposento” da filha, mas que receberia mais de R$ 7.000,00, o que lhe deixou muito feliz, tendo solicitado o saque de aproximadamente R$ 400,00 para realizar compras no supermercado, uma vez que nem gás de cozinha possuía mais em casa.
Por outro lado, a funcionária da CEF disse ao denunciado “agora são os seus”, momento no qual foram para outra mesa atrás de uma divisória, na qual falavam baixo e assinavam documentos.
Ao saírem do prédio da Justiça Federal, o denunciado levou a vítima de carro até o seu escritório. No caminho, o denunciado alertou a vítima para não falar nada para ninguém sobre o ocorrido, bem como para que não fosse mais na Justiça Federal, que estava tudo resolvido.
No escritório, vários clientes esperavam o denunciado, de modo que não puderam conversar, porém a vítima solicitou ao denunciado os papéis que tinha assinado, sendo que este lhe entregou apenas alguns, dentre os quais, certamente por engano, um comprovante de depósito no valor de R$ 7.421,29 na conta do denunciado.
A vítima, então, resolveu retornar à agência da CEF, onde solicitou a funcionária anterior uma cópia do papel que dizia o valor total ganho, o qual era de R$ 14.842,58.
Por fim, no dia seguinte, 20 de maio de 2014, a vítima retornou à Justiça Federal para sacar mais dinheiro, oportunidade na qual resolveu ir até o balcão do cartório judicial para perguntar sobre o processo. Após a vítima explicar que somente recebeu R$ 7.000,00, foi encaminhada para conversar com o diretor da secretaria, Volmir Zanini, para o qual contou os fatos e entregou todos os documentos.
A principal tese defensiva está calcada na justificativa de que o valor depositado na conta particular do advogado dativo referia-se ao pagamento de honorários advocatícios referente a outros processos em que o réu atuou como advogado particular e havia uma promessa de pagamento de V. de que quando ela recebesse o valor da ação em questão pagaria os honorários contratuais, então o referido depósito ocorreu de forma espontânea.
Sabe-se que o processo penal no Estado Democrático de Direito manifesta-se por meio de análise cognoscitiva das provas produzidas em contraditório, de maneira que a hipótese acusatória deve ser confirmada no decorrer da instrução. Caso contrário, prevalece o estado de inocência (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República).
Portanto, em relação à efetiva ocorrência da conduta penalmente típica, para fins de atribuição de responsabilidade penal, duas questões devem ser pontuadas: a primeira delas, se a conduta do réu subsume-se à elementar do
tipo exigir vantagem indevida em razão da função pública; a segunda, se presente o elemento subjetivo do tipo penal na conduta do réu.
Pois bem, estabelecidas as premissas, passa-se a análise da prova.
II.2 - Da materialidade: ocorrência do fato descrito na denúncia
Com efeito, materialidade do delito está comprovada no Procedimento Investigatório Criminal (OUT3, evento 1), no qual consta um depósito de R$ 7.000,00 no dia 19/05/2014 na conta nº (...), de titularidade de VLS e outro depósito no valor de R$ 7.421,29 na conta nº (...), de titularidade de MA.
Ainda pelo comprovante de solicitação de pagamento no valor de R$ 14.842,58 em favor de CS.
II.3 - Autoria
Por sua vez, a autoria é indene de dúvida e recai na pessoa do réu.
Restou provado nos autos que o denunciado esteve em companhia de V. à Agência da CEF da Vara Federal de Pato Branco para o recebimento da RPV emitida em nome da filha incapaz C., ocasião em que o réu mandou a funcionária da CEF depositar R$ 7.421,29 na conta de sua titularidade e R$ 7.000,00 na conta aberta em nome de V.
II.4 - Análise da elementar do tipo: "exigir vantagem indevida em razão da função"
O réu afirma em sua defesa que não exigiu vantagem indevida, pois o valor depositado em sua conta refere-se ao pagamento de honorários advocatícios contratuais devidos e oriundos de outros processos em que o réu atuou como causídico e o pagamento por parte de V. foi espontâneo e acordado.
No seu interrogatório disse que acompanhou V. no recebimento da RPV na agência bancária como forma de garantir o recebimento dos honorários antes referidos (VIDEO6, evento 42).
Por outro lado, em seu depoimento (VIDEO 3, evento 42), V. afirma que sequer sabia que valor da RPV era de mais de R$ 14.842,58 e disse que se sentiu rica quando lhe disseram que receberia R$ 7.000,00. Alega que, ao irem para a Justiça Federal, o réu perguntou se já tinha acertado os valores (respondendo negativamente) e, quando chegaram na agência da CEF, ele determinou que a funcionária depositasse "cinquenta por cento para cada".
Ainda, afirmou acreditar que o réu entregou por engano o comprovante de depósito efetuado na conta dele e, ao verificar com calma e vindo à Justiça Federal para entender o que tinha acontecido, percebeu que o réu tinha-se apropriado do valor do valor de R$ 7.421,29 que eram devidos à sua filha e que não havia acordo quanto ao pagamento de honorários quando do recebimento dos valores referentes à ação previdenciária.
Ainda, V. esclareceu que realmente o réu é seu advogado em outros processos, e que, quando recebesse o valor do DPVAT, referente a um acidente sofrido por ela, iria acertar os honorários.
A versão dada por V. é corroborada pela testemunha Volmir Zanini (VIDEO, evento 42), que confirmou a falta da ciência de V. quanto ao valor recebido por sua filha C. na ação judicial e da sua indignação e nervosismo ao ter ciência de que o réu realmente havia creditado em sua conta parte dos valores devidos a sua filha, sem o seu consentimento.
Com efeito, considerando o depósito feito na conta do réu referente à mais da metade da RPV recebida por C. e os depoimentos acima citados, entendo comprovado que o réu exigiu vantagem indevida em razão da função pública que exercia como advogado dativo, praticando as elementares do tipo em análise.
II.5 - Análise do elemento subjetivo do tipo: dolo de suprimir tributo
A imputação é por crime doloso e sabe-se que o dolo é a finalidade dirigida à realização de um tipo penal, abrangendo o conhecimento atual das circunstâncias do fato típico e a vontade de realizar a ação que se sabe típica. Também é sabido que a consciência e a vontade exigidas para a configuração do dolo devem coexistir no momento da ação típica. Nesse contexto,
"o dolo é composto de um elemento intelectual (consciência, no sentido de representação psíquica) e de um elemento volitivo (vontade, no sentido de decisão de agir), como fatores formadores da ação típica dolosa".
(SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna Teoria do Fato Punível. 4a ed. Rio de Janeiro: ICPC/ Lumen Juris, 2005, pp. 62.)
E assim,
"a vontade definida formalmente como decisão incondicionada de realizar a ação típica representada pode ser concebida materialmente como projeção de energia psíquica lesiva de objetos protegidos no tipo penal."
(Idem, p. 64.)
Partindo dessa premissa, tendo que restou comprovado o dolo do réu de exigir a vantagem pecuniária indevida, pois atuava como advogado dativo e não houve acordo entre V. e o réu quando ao pagamento do valor depositado em sua conta.
Pelo que restou comprovado nos autos V. sequer sabia o valor certo que era devido, acreditava que eram os R$ 7.000,00 que o réu mandou depositar em sua conta e ficou surpresa ao perceber que era mais de R$ 14.000,00 e que o réu tinha depositado em sua conta a outra metade recebida.
O dolo do réu também está comprovado ao recomendar a V. que (OUT3, evento 1):
"...não era para a depoente falar para ninguém porque iam achar que ele resolvia rápido demais para a depoente; QUE outros problemas que a depoente tem, seguro da COHAPAR, acidente da firma, o investigado ia ajudar e dizia que ela não tinha mais nada na Justiça Federal, e que não fosse mais na Justiça Federal..."
Tais recomendações evidenciam que o réu tinha ciência que se V. viesse à Justiça Federal pod
eria saber do que efetivamente tinha acontecido no banco na data dos fatos.
O fato, portanto, é típico, e, sendo a tipicidade indiciária da ilicitude, configurado está o injusto penal.
A culpabilidade, por sua vez, enquanto juízo de reprovação que recai sobre a conduta, está presente, pois o réu é imputável e dotado de potencial consciência da ilicitude.
Passo à aplicação da pena.
O grau de reprovabilidade da conduta não exorbita o inerente à prática delitiva. Sem antecedentes criminais. Dos elementos constantes dos autos, a conduta social e a personalidade do acusado não podem ser maculadas. Os motivos e as consequências do crime são inerentes ao tipo. As circunstâncias não demandam a exasperação da pena. Não há que se falar em comportamento da vítima, ante a natureza desta infração penal.
Fixo a pena privativa de liberdade em 2 (dois) anos de reclusão nesta fase.
Inexistem agravantes nem atenuantes.
Não há causas de aumento ou diminuição a serem consideradas.
Assim a pena fica definitivamente estabelecida em 2 (dois) anos de reclusão.
O regime de cumprimento da pena é o aberto, consoante disposições do artigo 33, §2º, alínea 'c', e §3º do Código Penal.
Inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis, com fulcro no artigo 44, § 2º, do Estatuto Repressivo, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, consistentes na proibição do exercício da advocacia pelo período da condenação e prestação pecuniária no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), considerando que o réu atualmente possui uma renda que varia entre R$ 5.000,00 e R$ 10.000,00 mensais, conforme VIDEO6, evento 42.
As prestações pecuniárias serão destinadas à entidade pública com destinação social, vinculada ao Programa Rotativo de Distribuição de Prestação Pecuniária, Prestação de Serviços e Entrega de Cestas Básicas de Alimentos e/ou Remédios convertidas em espécie, devendo os valores serem depositados em conta única vinculada ao Juízo, nos termos da Portaria Conjunta nº 01/2009. Frise-se que a multa fixada, decorrente do preceito secundário da norma penal, é cumulativa, razão pela qual deverá ser suportada pelo réu, juntamente com a prestação pecuniária decorrente da conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direito.
Em respeito à proporcionalidade que deve haver entre a pena privativa de liberdade e a pena de multa, condeno o réu no pagamento de 24 (vinte e quatro) dias-multa, arbitro o valor do dia-multa em 1/30 do salário mínimo vigente à época da prática do fato delituoso.
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo procedente a pretensão punitiva estatal deduzida na denúncia pelo Ministério Público Federal para o fim de CONDENAR MA pela prática do delito previsto no artigo 316 do Código Penal, à pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritiva de direitos e 24 dias-multa, nos termos da fundamentação.
Advirto ao réu que o descumprimento injustificado da pena restritiva de direitos ora imposta ensejará a conversão em pena privativa de liberdade (artigo 44, § 4º, do Código Penal).
Desnecessário estabelecer valor mínimo para reparação dos danos causados, conforme disposto no artigo 387, inciso IV, pois o réu já devolveu R$ 8.000,00 à V., conforme depreende-se dos eventos 55 e 56.
Defiro ao condenado a prerrogativa de apelar em liberdade, por não verificar a presença dos requisitos autorizadores da prisão preventiva.
Condeno o réu ao pagamento das custas processuais.
À Secretaria para que proceda o desbloqueio dos valores da conta do réu (evento 4).
Após o trânsito em julgado, voltem os autos conclusos para as demais deliberações.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.


Documento eletrônico assinado por RAFAEL WEBBER, Juiz Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 700001137106v25 e do código CRC 9f9df5da. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): RAFAEL WEBBER Data e Hora: 03/11/2015 13:40:38

0 Comentários