REsp 1.612.931-MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, por maioria, julgado em 20/6/2017, DJe 7/8/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO ADMINISTRATIVO
TEMA
Ação Civil Pública. Imposição de obrigação de fazer. Atendimento ao plantão de 24 horas em delegacia de menores infratores. Normas da Constituição Federal, da Lei n. 8.069/90 (ECA) e da Resolução n. 40/33 da Assembleia Geral das Nações Unidas. Descumprimento. Controle de legalidade. Possibilidade.
DESTAQUE

A decisão judicial que impõe à Administração Pública o restabelecimento do plantão de 24 horas em Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e à Juventude não constitui abuso de poder, tampouco extrapola o controle do mérito administrativo pelo Poder Judiciário.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Discute-se, em ação civil pública, a pretensão de implantação de plantão de 24 horas em Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e à Juventude, a fim de que todos menores apreendidos em flagrante sejam ouvidos e atendidos na referida instituição, impedindo que sejam colocados em ambiente carcerário constituído para imputáveis, em concomitância com presos maiores. Inicialmente, cumpre salientar que o art. 227 da CF/88 dispõe ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Referida imposição é destrinchada nos arts. 4º, 18 e 125 da Lei n. 8.069/90 (ECA), ressaltando sempre a imprescindibilidade de proteção e amparo especializado à criança e adolescente, evidenciando a importância do bem jurídico tutelado – a proteção ao menor, ainda que na condição de infrator. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem se amparou na discricionariedade da Administração para afastar do Poder Judiciário a análise do tema, que, na sua ótica, estaria atrelado somente ao julgamento de sua conveniência e oportunidade. Sabe-se, porém, que essa discricionariedade não é absoluta e que seus abusos podem e devem ser submetidos à apreciação do Poder Judiciário, a quem cabe o controle de sua legalidade, bem como dos motivos e da finalidade dos atos praticados sob o seu manto. Nesse ponto, a doutrina especializada, interpretando as disposições do art. 172, parágrafo único, da Lei n. 8.069/90 (ECA), salienta que a existência de repartições policiais especializadas no atendimento de adolescentes acusados da prática de ato infracional é mais do que necessária, em especial nos grandes centros urbanos, de modo a garantir um atendimento diferenciado em relação aos estabelecimentos destinados a adultos. Busca-se, também, evitar ao máximo o contato do adolescente com imputáveis acusados da prática de infrações penais, bem como com o ambiente degradante e, em regra, insalubre, de uma Delegacia de Polícia ou cadeia pública. O item 12.1 das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, comumente referidas como Regras de Beijing (Resolução ONU n. 40/33, de 29.11.85), incorporadas às regras e princípios nacionais pelo Decreto n. 99.710/90, determina que, para melhor desempenho de suas funções, os Policiais que tratem frequentemente ou de maneira exclusiva com jovens ou que se dediquem fundamentalmente à prevenção de delinquência de jovens receberão instrução e capacitação especial. Veja-se, portanto, que o descumprimento da referida obrigatoriedade não representa uma escolha aceitável do Estado sob os aspectos moral e ético, mas de induvidosa preterição de uma prioridade imposta pela Constituição Federal de 1988, e de uma conduta contrária à lei, nacional e internacional, constituindo hipótese legalmente aceita de intervenção do Poder Judiciário nos atos da Administração Pública praticados com suporte no poder discricionário

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