*Inicialmente, situemos o cidadão no que tange ao crime de "BOCA DE URNA", informando aos interessados onde está este tipo penal.

O crime de "BOCA DE URNA" está previsto no Brasil no art. 39, § 5º ,  da Lei 9504-97-LEI das Eleições-LE , que reza o seguinte :

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR: 

I - o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata;

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;   (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)

III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos.   (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

IV - a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas aplicações de internet de que trata o art. 57-B desta Lei, podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e os conteúdos publicados anteriormente.   (Incluído dada pela Lei nº 13.488, de 2017).


Quando do 1o turno, no último dia 07-10-2018, houve uma celeuma e dúvidas se o envio de mensagens privadas e em grupos restritos ( watsap, por exemplo), seria ou não crime eleitoral de "BOCA DE URNA"

       
A RESOLUÇÃO 23.551 do TSE, art. 81,  repete o art. 39§5º, da LE, e diz :


 “Art. 81. Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção de 6     (seis) meses a 1 (um) ano, com a alternativa de prestação de serviços à     comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil,     trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) a R$ 15.961,50 (quinze mil,     novecentos e sessenta e um reais e cinquenta centavos)

    I - o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício     ou carreata;
    II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;
   
    III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos   ou de seus candidatos;
   
    IV - a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas     aplicações de internet de que trata o  art. 57-B da Lei nº 9.504/1997,     podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e os conteúdos     publicados anteriormente.
   
    § 1º O disposto no inciso III não inclui a manutenção da propaganda que tenha sido divulgada na internet antes do dia da eleição.”

Já o art. 57-B da LE diz que:

"Art. 57-B.  A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas:   

I - em sítio do candidato, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País; 

II - em sítio do partido ou da coligação, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País;   

III - por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação;   

IV - por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas cujo conteúdo seja gerado ou editado por:   
a) candidatos, partidos ou coligações; ou   (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)
b) qualquer pessoa natural, desde que não contrate impulsionamento de conteúdos.   (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)
(....) 

§ 5o  A violação do disposto neste artigo sujeita o usuário responsável pelo conteúdo e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa

De fato, a nova lei permite em seu Artigo 57-B a propaganda na internet “por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas cujo conteúdo seja gerado ou editado por qualquer pessoa natural, desde que não contrate impulsionamento de conteúdos”.

'A Resolução 23.551, de 2017, que regulamentou a propaganda eleitoral na disputa deste ano, estabelece, no Artigo 22, que a “livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ocorrer ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos”.
           A mesma norma afirma que “a  manifestação  espontânea na internet de pessoas naturais em matéria político eleitoral,  mesmo que sob a forma de elogio ou crítica a candidato ou partido político, não será considerada propaganda eleitoral” (http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-10/o-que-o-eleitor-pode-fazer-na-internet-no-dia-da-eleicao)
   

Assim, quem divulgar propaganda eleitoral na internet ( "publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos na internet" diz a Lei), no dia do pleito, poderá, em tese, estar fazendo “BOCA DE URNA virtual”?
Não será qualquer divulgação na internete para caracterizar o crime. Cremos que propaganda é o pedido de voto expresso. Defender proposta não seria propaganda. Críticas a candidatos faz parte da liberdade de expressão prevista no art.5º, IX, da CF. 
Nas redes sociais, o cuidado é evitar postar pedido de voto ou  exibir número do candidato

Como se vê, trata-se de lei que confunde o eleitor, faz remissão  outro art. da lei e ainda diz, a própria lei, que o TSE vai regulamentar a lei. Assim, ora assegura o direito de livre manifestação do eleitor, inclusive na internet. Em outro momento, veda um conjunto de condutas no dia da eleição, como a boca de urna, a publicação de novas mensagens e conteúdos impulsionados.
 Por isso, outros juristas podem entender que a nova lei penal não atende ao princípio da taxatividade da norma penal e, consequentemente, o tipo violaria o princípio da legalidade, previsto no art. 1º do CP.
 "O princípio da taxatividade está implícito no princípio da reserva legal e, por consequência, no princípio da legalidade. A taxatividade exige que a lei penal seja, entre outras características, taxativa (certa). Isso significa que a lei penal deve trazer descrição pormenorizada de seus elementos essenciais e circunstanciais para que se permita a proibição inquestionável de determinada conduta. O princípio da taxatividade impede que a lei penal seja ambígua ou apresente descrição imprecisa ou vaga, situações que podem favorecer interpretações arbitrárias da lei penal. A taxatividade da lei penal garante a segurança jurídica, pois espanca qualquer dúvida em relação às condutas que podem ou não ser praticadas. São estas as premissas necessárias para iniciar o estudo completo dos princípios da legalidade, reserva legal, anterioridade e da taxatividade". https://marciowidal.wordpress.com/2013/03/02/descomplicando-principios-da-legalidade-reserva-legal-anterioridade-e-taxatividade/).

 .
MENSAGENS PRIVADAS OU EM GRUPOS RESTRITOS NO DIA DA ELEIÇÃO.
   Por sua vez, o art. 28, da Resolução  23.551 de 2107 do TSE diz

“Art. 28. As mensagens eletrônicas enviadas por candidato, partido político     ou coligação, por qualquer meio, deverão dispor de mecanismo que permita seu    descadastramento pelo destinatário,(...)
    § 2º As mensagens eletrônicas enviadas consensualmente por pessoa natural, de forma privada ou em grupos restritos de participantes, não se submetem ao caput deste artigo e às normas sobre propaganda eleitoral previstas nesta     resolução     (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J).”


ENTÃO, não há  crime em enviar ou repassar, consensualmente, no dia da eleição, mesagens política para celular, e-mail, watasap, sms, pois a novidade do art. 81, III E IV, da Resolução 23.551/17 DO TSE ,fala em divulgar na INTERNET no dia da eleição e as ferramentas referidas (celular, e-mail, watasap, sms, ), sendo privadas e consentidas pelo destinatário,,  ao meu ver, não são “divulgaçoes na internet”, que  é o conjunto de redes de computadores que, espalhados por todas as regiões do planeta, conseguem trocar dados e mensagens utilizando um protocolo comum.


Nada obstante, somente propagandas eleitorais evidentes em conjunto o dolo do agente para se configurar, eventualmente, a infração penal. Esperamos ter esclarecido um pouco a questão. Jose Brandao Netto* Juiz Eleitoral na Bahia

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