Norma que trata da contravenção prevê prisão de autores de notícias falsas; para analistas, solução é controversa






    Art. 41. Provocar alarma, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto:
        Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis


Vinícius Valfré, O Estado de S.Paulo
13 de abril de 2020 | 05h00
BRASÍLIA - Na ausência de uma legislação específica que defina como crime a produção e o compartilhamento de fake news no cenário de pandemia do novo coronavírus e de ameaças à saúde coletiva, autoridades passaram a enquadrar casos à Lei de Contravenções Penais, de 1941, numa tentativa de coibir a disseminação de notícias falsas relacionadas à covid-19. O dispositivo já foi utilizado em ao menos três capitais.
O texto estabelece pena de prisão de até seis meses para quem “provocar alarma, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto”. Mas, na prática, a punição, se aplicada, é restrita à prestação de serviços comunitários ou multa.
Em Belo Horizonte, a polícia recorreu ao dispositivo ao investigar o homem que fez um vídeo na Ceasa denunciando um falso desabastecimento, em março. O conteúdo foi compartilhado pelo presidente Jair Bolsonaro, e depois apagado.

Ceasa
Vídeo com informações falsas sobre a Ceasa. Foto: Ceasa
No Recife, em fevereiro, quando o município registrava apenas cinco casos suspeitos de covid-19 um cidadão apresentou-se nas redes como profissional da saúde e disse que a capital pernambucana tinha 61 infectados. A alegação inverídica preocupou a população, que passou a desconfiar da transparência dos gestores locais. Com base na lei de contravenções, o município pediu uma investigação policial, que comprovou a mentira.
Em Vitória, a polícia indiciou um homem que publicou vídeo no qual dizia estar infectado e que, prevendo um cenário de caos com a disseminação da doença, usaria sua arma para se defender. Mais tarde, quando a gravação já estava amplamente disseminada, ele descobriu que o resultado do exame era negativo.
Ministério da Saúde tem manifestado, em coletivas, preocupação com o fenômeno de postagens que confundem a população. A Polícia Federal informou, no entanto, que até agora não foi acionada por órgãos federais da área da saúde a respeito de “possíveis práticas criminosas” ligadas à divulgação de fake news relacionadas à pandemia. À reportagem, o Supremo Tribunal Federal destacou, em nota, que integra o Painel de Checagem de Fake News. 
Nas eleições de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem na sua composição ministros do STF, chegou a instalar um grupo para monitorar crimes nas redes, mas não apresentou resultados convincentes. Em março de 2019, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, abriu inquérito para apurar crimes nas redes contra ele e outros membros da instituição. No último dia 6, o ministro limitou-se a dizer que quem propaga notícia falsa sobre a covid-19 comete dolo.
Reprimir fake news com o aparato estatal, no entanto, não é recomendável, avaliam especialistas, por causa de riscos à liberdade de expressão. As principais medidas nesta crise têm sido tomadas por órgãos de imprensa e pelas gigantes de tecnologia. O procurador-geral do Recife, Rafael Figueiredo, reconhece que o efeito inibidor é baixo. “Embora seja uma punição de menor potencial, elas podem perder a primariedade penal, além de ter que gastar horas indo se explicar à Justiça”, comentou, ao mencionar a lei de contravenções.
Se a punição para quem usa a tecnologia para oferecer riscos à saúde pública é branda, bastaria endurecê-la? Esse é um caminho problemático, afirmam especialistas. Caberia a deputados e senadores criar as leis, além de definir o que deveria ser considerado fake news ou não. 
Subjetividade. A conceituação é mais complexa do que parece, uma vez que a desinformação possui várias nuances. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), por exemplo, publicou um vídeo verdadeiro do médico Dráuzio Varella dando orientações sobre como encarar o novo coronavírus. Contudo, as explicações eram de janeiro, num cenário de alastramento completamente diferente, e foram publicadas como sendo atuais. O Twitter removeu a publicação. “Não adianta colocar uma proibição na lei e esperar que o Judiciário julgue todos os casos. O volume de posts torna inviável. Mesmo que fosse viável, não é boa ideia, dada a subjetividade, concentrar esse tipo de decisão nas mãos de poucas pessoas”, afirmou o professor Ivar Hartmann, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV Direito Rio.
É o que também defende Sérgio Lütdke, coordenador do Projeto Comprova, iniciativa que reúne jornais brasileiros para combater a desinformação – e da qual o Estado também faz parte. “Qualquer atitude ou legislação que se imponha sobre a livre manifestação das pessoas pode ter consequências nefastas. Deve haver regulação de outras maneiras. Atitudes mais reativas tendem a ser melhores do que as que podem levar à censura."
Caso alguém se proponha a recomendar tratamentos falsos que prejudiquem a saúde dos que receberem a informação, há quem entenda haver margem para processos por lesão corporal ou mesmo tentativa de homicídio. “Temos alguns crimes que poderiam ser interpretados para englobar essas situações. Mas quando você precisa pegar a legislação penal e fazer interpretação grande em cima dela para punir, os tribunais não aceitam”, avaliou o advogado Gustavo Arthur Coelho Lobo de Carvalho, especialista em Direito Constitucional e Administrativo. “A hipótese criminal tem que estar muito clara. Penalmente falando, a gente não está protegido.”



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