Tese Jurídica Simplificada

Após a homologação judicial do acordo de colaboração premiada, é possível a imediata privação da liberdade do colaborador, tratando-se de sanção premial atípica que não ofende a Constituição ou a Lei de Organizações Criminosas. 

Nossos Comentários

Acordo de colaboração premiada e sanções premiais atípicas 

A colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova na qual há cooperação de pessoa suspeita de envolvimento nos fatos investigados. Está previsto na Lei de Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013). 

Para o colaborador, o acordo traz benefícios, no entanto, a colaboração deve ser efetiva. 

E o que se entende por colaboração efetiva? 

O colaborador deve ajudar na: 

  • Identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas.
  • Revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa.
  • Prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa.
  • Recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa.
  • Localização de eventual vítima com integridade física preservada.

Os benefícios que podem ser obtidos pelo delator com a colaboração premiada estão previstos no artigo 4º, caput, da Lei de Organizações Criminosas. São eles:

  • Perdão Judicial: O juiz poderá perdoar o colaborador, sempre a requerimento das partes, nunca de ofício. A corrente majoritária afirma que o perdão só pode ser concedido ao término do processo, pelo juiz por sentença.
  • Redução da pena: Se a colaboração ocorrer antes da condenação, é possível que se reduza a pena em até 2/3. Se ela ocorrer após a condenação, a redução poderá se dar em até a metade. A fração mínima de redução é 1/6.
  • Substituição da pena: A colaboração também poderá ensejar a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos. Essa substituição não deve levar em conta o artigo 44 do CP.

Como é possível observar, há casos em que o colaborador ainda terá que cumprir a pena. 

Sobre as sanções que podem ser fixadas em acordo de colaboração premiada, o STJ já decidiu que é legítima a fixação de sanções premiais atípicas no acordo, porque as partes não estão limitadas aos benefícios do art. 4º, caput, da Lei nº 12.850/2013. 

De toda forma, essas sanções premiais atípicas podem ser fixadas desde que não haja “violação à Constituição (pena de caráter perpétuo – art. 5º, XLVII, ‘b’) ou ao ordenamento jurídico (obrigação de levantamento de sigilo de dados de terceiros), bem como à moral e à ordem pública (penas vexatórias)”. (Pet 13.974)

Dentre as sanções premiais atípicas, tem-se o imediato cumprimento da pena, após homologação judicial do acordo, em regime domiciliar mais benéfico ao colaborador. 

Caso concreto 

No caso concreto, houve colaboração premiada e o colaborador não foi denunciado. Conforme previsto no próprio acordo de colaboração premiada, a pessoa não seria denunciada em relação aos fatos abordados no acordo. 

O acordo previu também, como sanção premial atípica, o imediato recolhimento do colaborador em regime domiciliar.

A defesa alegou que a imediata execução da pena negociada, após homologação do acordo, violaria os princípios constitucionais do devido processo legal, da presunção de inocência e da necessidade do processo penal.

Em síntese, a defesa pretendia impossibilitar o imediato cumprimento da pena privativa de liberdade sustentando que sequer haveria sentença penal condenatória transitada em julgado. 

A imediata privação da liberdade prevista em acordo de colaboração premiada viola a Constituição Federal ou a Lei de Organizações Criminosas?

Segundo o STJ, não há ofensa à Constituição ou à lei de regência.

Isso porque, o próprio acordo estipulava que o colaborador não seria denunciado. Assim, se não há denúncia, não há processo penal e não haverá sentença condenatória no caso concreto. Portanto, se esse raciocínio fosse adotado nos casos em que não há o oferecimento da denúncia, o colaborador não estaria sujeito a nenhuma medida gravosa (multa ou outras medidas restritivas de direitos). 

No entender do STJ, a sanção premial atípica está prevista em acordo e é capaz de garantir a utilidade prática ao instituto da colaboração premiada. Ademais, não equivale à sanção-pena, pois é resultante da livre negociação das partes, ausente a formação judicial da culpa. No caso de descumprimento ou da recusa dos termos do acordo, não ocorre o retorno coercitivo à prisão, mas sim a rescisão do acordo. 

Logo, após a homologação judicial do acordo de colaboração premiada, é possível a imediata privação da liberdade do colaborador, tratando-se de sanção premial atípica que não ofende a Constituição ou a Lei de Organizações Criminosas.

Tese Jurídica Oficial

Enquanto sanção premial atípica, a imediata privação da liberdade, nos termos do acordo de colaboração premiada, condicionada à homologação judicial, não ofende a Constituição ou a lei de regência.

Resumo Oficial

A controvérsia consiste em analisar a possibilidade de se obstar o cumprimento da pena privativa de liberdade até que haja sentença penal condenatória transitada em julgado em desfavor do apenado.

A colaboração premiada, meio de obtenção de provas, possui a natureza jurídica de negócio jurídico e, como tal, garante às partes razoável margem de definição do conteúdo da avença, abrangendo os deveres assumidos e as vantagens alcançáveis, mas não sem limites.

Conforme entendimento firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (Pet 13.974/DF), é legítima a fixação de sanções premiais atípicas no bojo do acordo de colaboração premiada, não estando as partes limitadas aos benefícios do art. 4º, caput, da Lei n. 12.850/2013, desde que não haja "violação à Constituição (pena de caráter perpétuo - art. 5º, XLVII, 'b') ou ao ordenamento jurídico (obrigação de levantamento de sigilo de dados de terceiros), bem como à moral e à ordem pública (penas vexatórias)".

Dentre tais sanções premiais atípicas admitidas pelo ordenamento jurídico figura o pronto cumprimento, após a necessária homologação judicial do acordo, da privação da liberdade nos benéficos termos pactuados, em regime diferenciado, domiciliar, independentemente do quantitativo da pena previsto no tipo e com progressão de regime em termos mais vantajosos do que aqueles previstos na Lei n. 7.210/1984.

A privação de liberdade pactuada, oriunda do acordo de colaboração premiada, sequer equivale à prisão-pena, visto que oriunda da livre negociação das partes, ausente a formação judicial da culpa, sendo efeito do eventual descumprimento ou da recusa dos termos do regime não o retorno coercitivo à prisão, mas sim apenas a rescisão do acordo, com o oferecimento da denúncia e a perda dos benefícios outrora assegurados.

No caso, o colaborador não foi denunciado, havendo o parágrafo único da cláusula 6ª previsto que, em relação aos fatos objeto do acordo e desde que cumprida a avença, tal providência processual não será adotada. Em consequência - nos diversos casos em que a colaboração premiada envolve o não oferecimento da denúncia -, a tese proposta pela divergência levaria a situações insustentáveis, nas quais o benefício auferido pelo colaborador não encontraria correspondência em qualquer medida restritiva, seja a multa, sejam as restrições de direitos (v.g., prestação de serviços à comunidade) ou a limitação da liberdade em regime diferenciado, tendo em vista que nunca sobrevirá sentença condenatória.

E, mesmo nos casos em que existir denúncia, não se pode argumentar que apenas a execução imediata da restrição à liberdade estaria alijada dos acordos de colaboração premiada, permitindo-se - independentemente de sentença penal condenatória transitada em julgado - a aplicação de outras medidas menos gravosas, em especial as restritivas de direitos ou a multa. Na realidade, apenas o reconhecimento de que não se está a tratar de pena - mas sim de condição do acordo, sujeita ao controle do magistrado responsável pela homologação - é capaz de garantir utilidade prática ao instituto da colaboração premiada.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal já homologou acordos de colaboração premiada nos quais prevista a execução das medidas restritivas antes da prolação de qualquer sentença (Pet 6.138 e Pet 6.049). Nesse sentido, ao contrário do pontuado no voto divergente, o fato de os acordos de colaboração mencionados precederem o julgamento das ADCs n. 43, 44 e 54 não é elemento decisivo, pois o entendimento então vigente no STF apontava ser possível, sem mácula ao princípio constitucional da presunção de inocência, o início da execução da pena somente após a prolação do acórdão condenatório em segundo grau (HC 126.292, Ministro Teori Zavascki, julgado em 17/2/2016).

Portanto, a execução imediata das condições fixadas no acordo de colaboração premiada ocorria, desde antes, como exceção à então exigível decisão condenatória em segundo grau de jurisdição, a demonstrar que o diferencial repousava no caráter negocial da medida, a afastar o momento a partir de quando as medidas seriam, caso fossem pena, executáveis.

Por fim, caso o colaborador opte por não mais continuar recolhido nos estritos termos do regime diferenciado pactuado, estará o Ministério Público autorizado a considerar rescindido o acordo, com a adoção das medidas processuais daí decorrentes.


FONTE: https://informativos.trilhante.com.br/informativos/informativo-798-stj/stj-segredo-de-justica-i-info-798?filter=

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