O Juizado Especial de Araci-BA emitiu  sentença que condenou a Parque de Vaquejada  de Serrnha-BA devolver de forma integral o valor pago pelos ingressos da festa. O magistrado pontuou que o serviço  não foi prestado, motivo pelo qual o valor referente à taxa de serviço deve ser devolvido. 

 O consumidor ajuizou ação pedido de indenização por danos morais e restituição de valor pago, em face de Parque de Vaquejada Maria do Carmo LTDA, na qual pretende a parte autora a restituição da quantia de R$130,00 e indenização por danos morais em R$ 8.000,00. 

Decisão do Juizado Especial Cível condenou a empresa a reembolsar o valor pago pela taxa. A ré argumentou que encontra-se amparada pelas Leis 10.046/2020, 14.186/2021 e Medidas Provisórias 1.036/2021 e 1.101/2022, pugnando pela improcedência da demanda.

Ao analisar o caso, o magistrado observou que o serviço não foi prestado, uma vez que não houve nem emissão e nem entrega dos ingressos adquiridos. Assim,  entendeu que “o valor referente à taxa de serviço deve ser devolvido”.

Lei Federal 14.046/2020 trata da hipóteses de adiamento ou de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, em razão de estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da Covid-19. 

No entanto, o pedido de indenização por danos morais, foi rejeitado pelo juiz.


Segue a decisão abaixo



PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

COMARCA DE ARACI - JURISDIÇÃO PLENA


Processo nº 8001903-42.2021.8.05.0014

Ação: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)

Autor: ___________________________________

Réu: PARQUE DE VAQUEJADA MARIA DO CARMO LTDA - EPP



SENTENÇA



Dispensado o relatório, na forma do art. 38 da Lei 9.099/95. 

 _______________________________, já qualificado nos autos, ajuizou ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais e restituição de valor pago, em face de Parque de Vaquejada Maria do Carmo LTDA, na qual pretende a parte autora a restituição da quantia de R$130,00 e indenização por danos morais em R$ 8.000,00. 

Para tanto, alega o requerente que, em 13 de março de 2020 realizou compra de um ingresso no site do Requerido para evento que ocorreria em 04 de setembro 2020, no valor total de R$130.00, através do pedido nº 00921655, contudo, o show cancelado por duas vezes e não lhe foi estornado a quantia paga. 

A Requerida apresentou defesa alegando no mérito ausência de ilegalidade, afirmando que encontra-se amparada pelas Leis 10.046/2020, 14.186/2021 e Medidas Provisórias 1.036/2021 e 1.101/2022, pugnando pela improcedência da demanda. 


Decido. 


Ante a inexistência de preliminares, passo ao mérito. 

Importa destacar, de início, que a relação existente entre as partes é de cunho consumerista, devendo a matéria ser apreciada com fulcro na Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), motivo pelo qual defiro a inversão do ônus da prova em favor do autor. 

Quanto ao pedido de restituição de quantia paga, entendo merecer parcial acolhimento, eis que, mesmo que a parte consumidora ache injusta a conduta da requerida, verifica-se que a suplicada agir em exercício regular de direito ao informar ao consumidor que o estorno não poderia ser processado, por ser necessário inicialmente a remarcação do pacote ou então a oferta de crédito, conforme literalidade da norma legal prevista no § 6º do artigo 2º da Lei 14.046/2020. 

Prevê o artigo acima mencionado: 

Art. 2º Na hipótese de adiamento ou de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, de 1º de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2022, em decorrência da pandemia da covid-19, o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem:  

I - a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos adiados; ou 

II - a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas respectivas empresas. 

(…) 

§ 6º  O prestador de serviço ou a sociedade empresária deverá restituir o valor recebido ao consumidor somente na hipótese de ficarem impossibilitados de oferecer a remarcação dos serviços ou a disponibilização de crédito a que se referem os incisos I e II do caput nos seguintes prazos:    

I - até 31 de dezembro de 2022, para os cancelamentos realizados até 31 de dezembro de 2021; e  

II - até 31 de dezembro de 2023, para os cancelamentos realizados de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2022. 

  

Assim, por força da norma que rege a controvérsia dos autos prever que a obrigação de restituir pela parte requerida somente se tornará passível de cumprimento forçado após o dia 31.12.2022, entendo que o pedido em comento merece seguir o caminho parcial procedência, ante a ausência de demonstração de inadimplência contratual pela ré. 

Nesse sentido, a respeito da devolução, a autora comprovou o pagamento de R$130,00, conforme inicial, sendo que a restituição deverá ocorrer, sem retenções por multas ou taxas previstas em contrato, pois o autor não infringiu nenhuma cláusula contratual. 

Não obstante, são nulas de pleno direito cláusulas que subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga e estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que o coloquem em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, nos exatos termos do art. 51, incisos II e IV, da Lei nº 8.078/90, em consonância inclusive com o direito fundamental do artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal. 

A concessão à ré de considerável período para restituição do valor pago pela parte autora permite que a requerida, empresa também afetada pela pandemia, não se descapitalize e, ao mesmo tempo, isenta o consumidor do pagamento de multas, notadamente por reconhecer que, muito embora o coronavírus não seja a priori caso de força maior, é fator que dificulta e muito a realização de viagens no momento. 

Por outro lado, mister registrar que a ré não deu causa ao cancelamento, haja vista que a limitação de circulação de pessoas ocorreu mundialmente por ordem das autoridades dos respectivos países, mas o autor não pode ser punido com o reembolso. 

Quanto ao pedido de indenização por danos morais, consistente em manutenção de cobrança pelo credor, entendo não merecer acolhida, vez que na época dos fatos a MP 948/2020, convertida em Lei, de n. 14.046/2020, previu como medida emergencial para atenuar os efeitos da crise decorrente da pandemia da covid-19, nos setores de turismo e de cultura, o estorno dos valores referente a cancelamento da viagem e de shows até a data limite de 31.12.2022. 

Assim, ainda que o autor tenha sofrido transtornos, por entender que o prazo aplicado na via administrativa era indevido, tal fato, por si só, não é caracterizador de ilícito, por força do insculpido em Lei. 

            Sobre o tema, colaciono os seguintes julgados: 

  

CIVIL. PACOTE TURÍSTICO CONTRATADO EM PLENO CURSO DA PANDEMIA (COVID-19). (...) RESCISÃO CONTRATUAL(...): OBSERVÂNCIA DAS SITUAÇÕES DA LEI 14.046/2020. VINCULAÇÃO JURÍDICA DAS DECLARAÇÕES DE VONTADE. LADO OUTRO, DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-DF 07033332520208070008 DF 0703333-25.2020.8.07.0008, Relator: FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, Data de Julgamento: 12/05/2021, Terceira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 19/05/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) 

AÇÃO DECLARATÓRIA DE RESCISÃO CONTRATUAL C.C. INEXIGIBILIDADE DE CRÉDITO, DANOS MATERIAIS E MORAIS – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – TURISMO – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA – APELAÇÃO DO AUTOR - Pedido de condenação das rés à restituição do valor pago (primeira de cinco parcelas do pacote de viagem) e condenação das rés ao pagamento de indenização por danos morais – Viagem cancelada em razão da pandemia de COVID-19 – Rés que ofereceram alternativas ao autor, com remarcação da viagem e oferta de disponibilização do crédito, mas nenhuma das propostas foi aceita – As rés cumpriram o disposto no art. 2º da Lei nº 14.046/20, que regula o setor de turismo na pandemia – Não há obrigatoriedade legal de reembolso – Além disso, o autor não faz jus ao recebimento de indenização por danos morais, pois seu nome não chegou a ser inscrito no cadastro de inadimplentes, em razão da concessão da tutela de urgência – Sentença mantida por seus próprios fundamentos - Sucumbência recíproca – Sentença que determinou a compensação dos honorários – Impossibilidade – Alteração de ofício – Aplicação do art. 85, § 14, do CPC. Recurso não provido, com observação. (TJ-SP - AC: 10368295920208260002 SP 1036829-59.2020.8.26.0002, Relator: Marino Neto, Data de Julgamento: 06/05/2021, 11ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/05/2021) 

Recurso Inominado – Pacote de viagem - Restituição de valores – COVID-19 – Matéria regulada pelo artigo 2º, da Lei 14.046/20 – Impossibilidade de se impor a obrigação de restituição dos valores na forma pretendida – Recurso provido, para o fim de julgar improcedente a presente ação (TJ-SP - RI: 10304858620208260576 SP 1030485-86.2020.8.26.0576, Relator: Marcelo Eduardo de Souza, Data de Julgamento: 13/06/2021, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: 13/06/2021). 

  

Logo, ainda que o requerente tenha se sentido frustrado, por entender que a devolução do montante pago deveria ter se dado de forma imediata, entendo pela inexistência de prática de ato ilícito pela suplicada, por ter agido em exercício regular de direito, restando afastado o dever de indenizar. 

Posto isto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO, resolvendo o mérito na forma do artigo 487, I, do CPC, para CONDENAR a requerida, a devolver ao requerente o valor de R$130,00 (cento e trinta reais), acrescidos de Juros de mora de 1% ao mês e correção monetária observado o IPCA-E a contar da citação, em conformidade com o RE 870942STF. 

IMPROCEDENTE O PEDIDO DE Indenização por DANOS MORAIS, conforme fundamentação acima. 

Sem custas e honorários, na forma do disposto no artigo 55, caput, da Lei nº 9.099/95. 

Após trânsito em julgado, arquivem-se os autos.  

P.R.I 

  

  

Araci, 29 de janeiro de 2024. 

  
  


JUIZ DE DIREITO 

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