Autos n.º: 0001680-19.2008.805.0230
Autor:MINISTÉRIO PÚBLICO
Réu: RRR



SENTENÇA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por intermédio de sua Ilustre Representante Legal, em exercício neste Juízo, no uso de suas atribuições legais, com base no incluso auto de inquérito policial, tombado sob o n.º 005/2008 ofereceu DENÚNCIA contra RRR, vulgo “XX”, já qualificado nos autos, como incurso nas sanções previstas nos artigos  214, c/c 225, e 226, todos do Código Penal Brasileiro, pela pratica dos fatos delituosos devidamente descritos na peça vestibular, nos seguintes termos:

Consta das peças que a esta servem de base que, em período  compreendido  setembro de 2007  e abril de 2008, o Denunciado praticou com sua filha ZZZZZ, menor com de apenas 3 anos de idade, atos diversos de conjunção carnal, causando-lhe as lesões descritas no laudo de fls.42
(…) na manhã de 13 de abril, a mãe da garotinha, Sra BBBB, ao dar um banho em sua filha, percebeu que a menina tinha os órgãos sexuais inchados. Imediatamente, a genitora questionou o que tinha acontecido, tendo a menina informado que o Denunciado, seu próprio pai, tinha introduzido o dedo em sua vagina, produzindo dor intensa”.
Maria  decidiu levar sua filha ao médico, na vizinha cidade de Feira de Santana, ao que o profissional de saude constatou os sinais de violência sexual e encaminhou a vítima ao Conselho Tutelar” 

Alegou, ainda, o Ministério Público que a mãe flagrara, em setembro de 2007, o Denunciado se masturbando na perna da filha.
Estes, em suma, foram os fatos narrados na denúncia, que veio acompanhada do Inquérito Policial de nº. 005/2008.
Acusado se apresenta espontaneamente à Delegacia, onde é recolhido preso, em 17-04-08 (fl.41), contudo, foi solto em 26-11-09, tendo passado, aproximadamente, 07 meses preso.
A denúncia foi recebida em 15/05/08, conforme decisão de fl. 62, o réu devidamente citado e por intermédio Advogado constituído, apresentou defesa preliminar às fls. 79/80 e longo interrogatório nas fl.73/78.
Em audiência, foram ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa.
A pequena vítima e a sua genitora foram ouvidas através de Carta Precatória, mediante termo de declarações (fls. 167/168).
Por erro do Cartório, a defesa se manifestou antes da acusação das alegações finais, motivo por que decidimos pela repetição do ato, dando oportunidade para defesa se manifestar empós a acusação, com base nos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, também previstos na Convenção Americada dos Direitos Humanos .
O Ministério Público apresentou alegações finais, sustentando acusação.
A defesa, por seu turno, apresentou suas alegações finais, alegando que não pode o Juízo se basear em provas, eminentemente,  não judicializadas.

É O RELATÓRIO. DECIDO.

            Trata-se de ação penal pública condicionada, objetivando-se apurar no presente procedimento a responsabilidade criminal do acusado RRRR, já qualificado nos autos, como incurso nas sanções previstas nos artigos  214, c/c 225, e 226, todos do Código Penal Brasileiro.
            Verifica-se, pela análise da conduta, que o acusado vinha praticando atos sexuais diversos da conjunção carnal com a própria filha.
            Pelo que se depreende dos autos, restaram provados tanto a materialidade como a autoria do delito.
            A materialidade está comprovada pelo Laudo de Exame Pericial  Laudo Pericial de fl. 43, onde se atestou “desvirginamento antigo em face da cicratização”.
            Quanto à autoria do delito, necessário o registro dos depoimentos prestados na fase policial e na instrução do feito.

I – DAS OITIVAS

A ZZZZZ, mãe da vítima, fl. 87, disse no MP e em Juízo o seguinte:

“Que RRR passou a alugar muitos filmes pornográficos e até a comprar; Que a sacola  pertencente a Raimundo, cheia de filmes pornográficos, foi levada para a casa do vereador Marivaldo, quando RR  ficou sabendo que o Delegado estava atrás dele; Que em setembro do ano passado, acordou durante a noite, sentindo a cama balançando, e ao despertar, viu que Raimundo estava se  masturbando, passando o pênis na perna de XXX; Que XXa estava com baby dol e não acordou; Que tão assustada com o que viu  que ficou paralisada por alguns minutos sem acreditar o que estava acontecendo; Que gritou com seu filho   para que acudisse ela; Que RR, nessa hora, pulou da cama  e ajeitou sua cueca e tentou pegar a filha do casal, dizendo que ela estava doida; Que Resolveu em seguida ligar para sua irma Maria , que mora em Salvador-Ba;Que XXx permaneceu sentado no sofá como se nada tivesse acontecido; Que depois de algum tempo voltou a confiar em seu marido porque o mesmo começou a frequentar a igreja batista e evitou ficar perto de XXX; Que depois de algum tempo voltou tudo como era antes e Raimundo demonstrava  interesse em tomar banho com CCCCC; Que depois RR  dormiu por duas vezes com , alegando que não deixaria sua filha dormir sozinha; Que cerca de 3 meses atrás, CCCCC comecou a dizer Raimundo estava “bulinando”  com o “toto” dela; Que num dia, chegou 05h e a menina contou para a declarante que o pai tinha manipulado seu órgão genital; Que pouco tempo depois, a declarante teve que passar o dia fora e isso era manhã de sábado e quando chegou  em casa a filha correu para abraçá-la, e e menina tinha ficado aos cuidados do pai e VVV tinha saído; Que a menina estava com os olhos cheios de lágrimas; Que ela tinha acabado de tomar banho com o pai; Que à noite quando foi dar banho na criança, ela reclamou que a vagina estava doendo; Que YYYreclamou novamente que a vagina estava doendo; Que o médico disse que sua filha tinha sofrido abuso; Que o Conselho Tutelar de Feira foi chamado e posteriormente encaminhou o caso para o CT de XXXX, pois a Declarante tinha medo de ir para o CT de BBBB, por causa da influência que RRR tem naquela cidade; Que menor disse que RR já havia mexido na “xiquinha” ; ... .

Em Juízo, a mãe da vítima ratificou as declarações acima e ainda disse (.fls168.169):
“Que na noite de 12 de abril foi dar banho em XXXa; Que ela disse que o “totó” dela estava doendo; Que no dia seguinte foi dar banho em XXX; Que levantou XX e ela disse que o “toto” estava doendo; Que a vagina de XXX estava inchada e chegou a perguntar qual bicho havia mordido ela, e ele disse que foi o pai; Que mostrou com gestos esfregando o dedo na vagina, como o pai fizera com ela; Que a vagina estava toda inchada e também a virilha; Que no dia 14 de abril levou a garota para um médico em Feira de Santana, o qual examinou e verificou que houve abuso, encaminhando para o Conselho Tutelar.”    .

Fulano, irmão da vítima na, fl. 94  e fl. 165, disse no MP e em Juízo o seguinte:

“Que em Abril de 2008, sua mãe estava na casa da vizinha, dizendo que o pai estava bolindo na menina; (….) Que sua acordou com os gritos da mãe, e no momento ele tinha flagrado o seu pai passando o pênis na perna de YYYY: que diante da confusão, levou sua mae para a cozinha e deu um copo de água com açúcar para a mãe a YYYY; Que depis disto, já neste ano, um dia chegou em casa, no domingo, e encontrou sua mae chorando, dizendo que YYY tinha contado que RRR estava bolindo na vagina dela com a mão: Que depois disso a própria Layza disse ao declarante que o pai tinha colocado o dedo em seu “totozinho” , sendo desta forma que ele se refere ao órgão genital;(....);”

Cicrano, irmão da vítima na, fl. 166, disse “que a vítima falava que o pai mexia no “totó” dela e fez o gesto, informanado que a menor  lhe afirmara que o pai havia “mexido” no órgão sexual por 03 vezes, dizendo que  a mãe do declarante teria revelado o fato para a tia “Leninha”.   
Já a testemunha de fl. 119, José Antônio Texeira, informou a que a mãe da vítima lhe relatou o abuso sexual que o pai, RRR, cometeu contra a própria filha e, que na segunda vez, resolveu denunciar à polícia, inclusive também relatara que o o acusado já havia se masturbado na perna da menina.
A vítima confirma que o pai mexia no órgão sexual dela e ainda a pontava para o órgão sexual (fl.167)

                         Fulana , na fl. 265, afirmou que Maria Nilza, no dia 14-04-08, ligou para a  declarante e informou que o pai havia abusado sexualmente a filha XXXX
A Referida declarante pediu para CCCC ir até Feira de Santana-BA, onde tiveram que dizer que moravam naquela cidade, mesmo sem ser da cidade, para poderem ter o atendimento.

AAAA i ainda afirmou:

“Que na frente do Delegado, na presença de outros parentes, após o delegado ter perguntado qual a brincadeira que ela mais gostava, a menor disse que era o pai quem mais brincava e a brincadeira que o pai mais gostava era a brincadeira do “cavalinho”, tendo a menor respondido com 02 dedos e esboçando introduzir na vagina, tendo o delegado perguntado se ela gostava, tendo ela dito que não porque doía; Que XXXX alugou a casa enquanto o acusado estava preso, mas de uma hora para outra a locatária saiu da casa e o acusado invadiu a casa; Que diante dos fatos  e da pressão que a sociedade exercia resolveram sair e morar em Salvador, sendo praticamente expulsas da cidade”   

O acusado em seu interrogatório, in juditio, negou a acusação, contudo,  os testemunhos policiais e judiciais confirmam a versão da acusação.
A mãe da vítima, apesar de já ter motivos para delatar a situação desde 2007, só veio prestar a notícia do crime ao delegado de polícia em 15-04-08, pois o fato com provas concretas ocorreu em 13-04-08.
Mãe da vítima Tentou manter o casamento e dar uma segunda chance ao acusado, então seu marido, contudo, o sofrimento por que passava a infante e associada à reiteração do abuso cometido pelo pai, levaram-na a representar criminalmente contra o acusado. 
O documento de fl 173/174 oriundo do departamento de polícia técnica  evidencia que o desvirginamento da infante não se deu por uma suposta “caseira” sustentada pela defesa.
O parecer do CREAS de Feira de Santana, de forma fundamentada e objetiva evidencia, com  muito conhecimento científico, o seguinte:

 “Finalmente, concluimos que a criança ao afirmar com segurança e repetidas vezes o abuso sexual sofrido relata uma experiência verdadeiramente vivida e ela aponta com a mesma firmeza como seu agressor o genitor a quem ela se refere como RRR”.

A própria criança afirmou o lugar onde é que deve passar seu genitor nos próximos anos: na casa da polícia, segundo informou o relatório do CREAS.
Desta forma, excetuando-se a continuidade delitiva, que apesar de bem provável de ter ocorrido, não restou bem caracterizada,  as provas testemunhais, as declarações da vítima e o  Laudo (fl. 43) demonstram que o acusado cometera o delito descrito na denúncia, ao menos, uma vez, contra a própria filha, de tão tenra idade.
A tipificação descrita na denúncia deve ser mantida, pois o fato foi cometido sob égide da lei anterior, vez que a Lei 12.015/09 é superveniente ao delito, não podendo se aplicar a novel legislação por se tratar de novatio legis gravior.
É de conhecimento comezinho nas cátedras jurídicas que as declarações da vítima, quando em harmonia com demais provas, são de enorme relevância nos crime contra a dignidade sexual, motivo pleo qual, diante de todas as provas colacionadas aos autos, hei por bem e por lídima Justiça, condenar o réu na forma da Lei.

II- DISPOSITIVO

Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na denúncia, para condenar RRR já qualificado nos autos, como incurso nas sanções previstas nos artigos  214, c/c 224, “a”, c/c 225,  §1º. II, e 226, todos do Código Penal,  todos do Código Penal.

III – DOSIMETRIA

 Passo, em seguida, à dosimetria da pena, utilizando-se do método trifásico de Nelson Hungria, adotado em nosso Código Penal, em estrita observância ao disposto no art. 68, caput, do CP.

Analisadas as diretrizes do artigo 59, do Código Penal, observo que o réu agiu com (1) culpabilidade evidente, sendo reprovável a conduta, ; (2) revela possuir bons antecedentes criminais; (3) sobre sua conduta social, trata-se de um indivíduo trabalhador; (4) personalidade, cuida-se de uma pessoa que mostrou arrependimento; (5) o motivo do delito se constitui no desejo sexual com a vítima de apenas 03 anos de idade (pedófilo), o que já é punido pela própria tipicidade e previsão do delito dos crimes contra a dignidade sexual; as (6) circunstâncias do crime se encontram relatadas nos autos; (7) as conseqüências extrapenais do crime são perversas, haja vista que a vítima e a genitora tiveram que se mudar para cidade de Salvador-BA do trauma e da vergonha e humilhação que passaram mãe e vítima. (8) não houve provocação da vítima, nada havendo a valorar.
À vista destas circunstâncias, fixo a pena base em seu mínimo legal, qual seja,  06 anos de reclusão para o crime de atentado violento ao pudor, que ainda vigorava à poca do fato e que não foi revogado, pois passou a ser tipificado, no art. 213, agora com o nomen iuris de estupro.
Não há agravantes e/ou atenuantes a serem observadas.
Há causa de aumento de pena em razão de o crime ter sido praticado por ascendente (o próprio pai), previsto no art. 226, II, do CP, conforme restou evidenciado no bojo dos autos, motivo pelo qual elevo em ½ (metade) a pena anteriormente dosada, fixando-se a pena de reclusão em 09 anos de forma definitiva.
Incabíveis o benefício do art. 77 porque a pena é superior a 02 anos.                                                                                                                    
 Nego ao Réu o benefício encartado no artigo 44, do Código Penal, em vista do caso em tela estar incluso na ressalva feita pelo inciso I, 2ª parte, do citado artigo.
Em concordância com o disposto pelo artigo 33, parágrafo 2º, “b”, do Código Penal e atento às Sumulas 718 do STF, o Réu deverá cumprir a referida pena, inicialmente, em Regime Fechado. 
Oportunamente, após o transito em julgado desta decisão, tomem-se as seguintes providencias:
1.                                                                                                  Lance-se o nome do Réu no rol dos culpados;
2.                                                                                                  Oficie-se ao CEDEP, fornecendo informações sobre o julgamento do feito e ao Tribunal Regional Eleitoral deste Estado, comunicando a condenação do Réu, com sua devida identificação, acompanhada de fotocopia da presente decisão, para cumprimento do quanto disposto pelos artigos 71, parágrafo 2º, do Código Eleitoral c/c 15, III, da Constituição Federal.
3.                                                                                                                                                   Expeça-se mandado de prisão e guia definitiva de recolhimento. 
4.                                                                                                  Custas pelo Réu (art. 804 do CP).

PRI.

XXXX BA, 23/03/2011.

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