Válter Kenji Ishida: Promotor de Justiça das Execuções Criminais e
Professor Universitário; autor do curso de direito penal (2ª edição),
processo penal (2ª edição) e prática jurídica penal (4ª edição) todos
publicados pela Editora Atlas

I - Introdução. O ECA desde a sua edição em 1990 cuidou do direito
material do ato infracional, especificando as medidas socioeducativas. Também cuidou
da fase de conhecimento, regrando o procedimento com o devido processo legal.
Todavia, existia uma lacuna: a fase de execução da medida socioeducativa não era
tratada da lei menorista. Em razão disso, essa fase final da medida socioeducativa
passou a ser tratada através de regulamentação dos Tribunais de Justiça. Somente
com a Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 é que a matéria recebeu tratamento
legal.

II – Aspectos da Lei nº 12.594/12.

Sinase. A maior preocupação do legislador não foi a execução em si
mesma, mas a criação de um sistema, de programas e de planos. Extrai-se dessa lei,
o entendimento de que a formatação em sistema é realmente útil porque é
constantemente usada em cada nova lei que é sancionada. Nesse diapasão, a nova
Lei criou o Sinase, definido como “conjunto ordenado de princípios, regras e critérios
que envolvem a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão,
os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e
programas específicos de atendimento a adolescentes em conflito com a lei.” O
Sinase surgiu no ano de 2004, como uma tentativa de sistematizar a execução da
medida socioeducativa através do princípio da proteção integral (Josiane RosePetry
Veronse e Fernanda da Silva Lima, O Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo(Sinase): breves considerações “in” periódicos.uniban.br). Tratou-se de
uma iniciativa da SEDH e do CONANDA, visando articular os três níveis de governo
para o incremento do atendimento socioeducativo. Possui ainda como objetivo, a
corresponsabilidade da família, do Estado e da sociedade, dando ênfase ao
chamado “trabalho em rede” dos operadores. Tal escopo da lei revela a
chamada “incompletude institucional.”A própria pessoa jurídica será incapaz de
realizar um verdadeiro trabalho digno de execução da medida socioeducativa,
necessitando de um “um conjunto articulado de ações governamentais e não-
governamentais para a organização das políticas de atenção à infância e à juventude”
(Análise do Sinase feito pelo Conanda “in” portal.mj.gov.br). Embora a própria lei
contenha prazos, pode-se afirmar que muitos comandos dela se assemelham às
chamadas normas programáticas, que estabelecem programas e diretrizes de eficácia
mediata.
Natureza jurídica da medida socioeducativa. Embora a origem do Sinase
tenha se vinculado ao propósito de explicitar a natureza pedagógica da medida
socioeducativa, é forçoso se aferir que o parágrafo 2º do art. 1º da Lei nº 12.594/12
traz as duas características em debate da medida: como natureza repressiva tem-se
os incisos I e III e como caráter pedagógico o inciso II. Assim, adota a lei a linha do
chamado direito penal juvenil.
Incompletude do sistema. A unidade física onde se aplica a medida não
pode mais atuar de forma isolada. A nova lei prevê o programa da unidade, que aliás
ganha mais realce que a própria unidade. Mais do que isso, a nova lei admite que o
atendimento da unidade é incompleto e necessita ser auxiliado através de um trabalho
de rede, havendo necessidade dos chamados sistemas e políticas públicas de saúde,
trabalho, educação etc.
Participação da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. A Lei nº
12.594/12 teve como destaque a disciplina exata das funções de cada ente da
Federação. Para a União (art. 3º), caberá a atribuição de elaborar a Política Nacional
de Atendimento Socioeducativo. Caberá ainda à União o financiamento e não a
manutenção de qualquer programa. Quanto aos Estados, caberá a manutenção dos
programas de internação e de semiliberdade (art. 4º, III). Quanto aos Municípios,
incumbe aos mesmos a manutenção dos programas em regime aberto. Os programas
de atendimento deverão ser inscritos nos respectivos Conselhos.
Programa de prestação de serviços à comunidade (PSC) e liberdade
assistida. O art. 13 da lei 12.594/12 prevê a figura do orientador tanto para a PSC
como para a LA.
Programa de semiliberdade e internação. Exige-se a comprovação de
existência de estabelecimento adequado. A avaliação do atendimento em todos os
tipos de programas será feita pela União em parceria com os Estados, Municípios e
Distrito Federal.
Princípios norteadores da execução das medidas socieoducativas.
Anteriormente, existia no ECA a previsão específica de princípios para a internação. O
legislador da Lei nº 12.594/12 preferiu elencar acertadamente dispositivos gerais
aplicáveis a todas as medidas socioeducativas. (1) Princípio da Legalidade.
Semelhante ao do Direito Penal, devendo haver previsão anterior da medida. A
tipificação do ato infracional está logicamente vinculada à previsão legal no CP e à
Legislação Extravante. (2) Princípio da Vedação do Tratamento mais Gravoso. A
execução da medida socieoducativa se distingue da execução penal, já que possui fim
distinto do direito penal. Destacando-se o caráter educativo-pedagógico da medida,
não é possível que se assemelhem as condições de cumprimento. Em razão disso,
v.g., é que se veda o cumprimento da internação em cela de Delegacia de Policia ou
de estabelecimento penitenciário. (3) Princípio da excepcionalidade. A intervenção do
juiz menorista ou a aplicação da medida socioeducativa deve ter um caráter de
exceção, principalmente da internação. A novidade para se evitar a imposição de
medida socioeducativa é a aplicação da justiça restaurativa. A nova lei fala em
autocomposição, mas esta melhor se aplicaria no processo civil. (4) Princípio da
Brevidade. Aplicada a medida socioeducativa, esta, na medida do possível, deve ser
breve, ou seja, de curta duração. Assim, aplica-se principalmente na duração da
medida de internação. (5) Princípio da individualização da medida socioeducativa.
Trata-se de um princípio que deve orientar a sentença no processo de conhecimento e
a execução de medida, sendo aplicável através do PIA. Na execução da medida
socioeducativa, o juiz não pode padronizar a aplicação da medida, devendo levar em
conta a individualidade do adolescente e suas características. (6) Princípio da mínima
intervenção. À exemplo da restrição da liberdade na esfera penal, a media
socioeducativa deve ser pensada como a última ratio e esta ideia ganha mais
destaque quando se fala na medida de internação. (7) Não discriminação em razão de
sua etnia (diz respeito a um povo ou a uma Nação), gênero (conceito geral que abarca
todas as características comuns de um determinado grupo ou classe), nacionalidade,
classe social, orientação religiosa, política ou associação ou pertencimento a qualquer
minoria ou status. A execução da medida socioeducativa impõe que seja mantida a
integridade física e psíquica do adolescente e para isso é necessário que sejam
respeitados os seus valores. Assim, se for adepto de determinada religião, deve ser

permitido que dentro das limitações da unidade, seja desenvolvido seu culto p. ex. (8)
Princípio do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Trata-se de um
mandamento que se aplica como regra geral ao ECA: a criança e o adolescente deve
ser sempre colocada junto à sua família natural ou extensa e também devem ser
propiciados instrumentos de inserção em sua comunidade.
Competência da execução da medida socioeducativa. A Lei nº 12.594/12
não especificou a competência, mandando se seguir a regra do art. 146 do ECA que
prevê a regulamentação através da lei de organização judiciária de cada Estado. Se
era objetivo a aproximação do adolescente com os pais ou responsável, o juiz
competente deveria ser do domicílio dos pais ou responsável, utilizando-se a fórmula
do art. 147, I do ECA. Ou mesmo a do artigo 147, inciso II que prevê na falta dos pais
ou responsável, a competência pelo local onde se encontrar a criança ou adolescente.
Quanto à competência para executar medida de advertência, reparação de dano e de
proteção quando aplicada de forma isolada, é do juízo de conhecimento

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