17 de maio de 2013 21:57 - Atualizado em 17 de maio de 2013 21:

* Conceição Cinti. A necessidade de Programas de Políticas Públicas Preventivas se impõe diante de tanta barbárie cometida contra crianças e adolescentes em conflito com a lei. Diante disso, creio ser oportuno abordamos um assunto que tem provocado polêmica, mas que, na minha singela opinião, deveria ser motivo de uma releitura: o ‘Toque de Recolher’.…

  
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toque de recolher
* Conceição Cinti.
A necessidade de Programas de Políticas Públicas Preventivas se impõe diante de tanta barbárie cometida contra crianças e adolescentes em conflito com a lei. Diante disso, creio ser oportuno abordamos um assunto que tem provocado polêmica, mas que, na minha singela opinião, deveria ser motivo de uma releitura: o ‘Toque de Recolher’. Uma medida que de forma sábia e pioneira foi utilizada pelo MM. Juiz da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Fernandópolis (SP), Dr. Evandro Pelarin, e imediatamente adotada também por outros magistrados, e que comprovadamente trouxe muitos benefícios a comunidades que a adotaram.
É certo que o que mais falta as nossas crianças é um toque de dignidade e de carinho diante do índice inaceitável de violência e mortes a que são submetidas; falta também muita sensibilidade, responsabilidade por parte dos governantes e autoridades responsáveis por tantos meninos e meninas em risco de vida, exploração sexual, drogadição, trabalho infantil, tráfico de pessoas etc. O ‘Toque de Recolher’ de fato é um dos poucos instrumentos à disposição desses magistrados na defesa da criança e do adolescente, principalmente diante da violência reinante no país!
Com a experiência de mais de 30 anos trabalhando na condição de voluntária, lutando pelos direitos de crianças e adolescentes em situação de risco, dependentes químicos e pessoas envolvidas com a criminalidade, posso afirmar o quão difícil é para um Juiz da Vara da Infância e da Juventude cumprir suas obrigações na defesa do direito à integridade física, mental e psicoemocional, o direito à vida dessas crianças e adolescentes, sobretudo nas cidades do interior de São Paulo, onde o sistema escolar é ainda mais precário, e o acesso à pratica de esportes, à cultura e ao entretenimento não existem (em muitas cidades não chega nem saneamento básico e serviços sociais mínimos, muito menos quadras de esportes e cinemas), restando a essa parcela da população o ócio, que os desencaminha ainda em tenra idade.
E essa criança e adolescente, conforme acompanhamos por pesquisas, a cada dia mais se torna presa fácil do crime organizado em todas as suas modalidades. E isso se dá pela omissão dos governantes e indiferença de uma sociedade egoísta, que torna a reafirmar o Apartheid Social Brasileiro mesmo que de forma velada, no entanto, ainda mais denso contra as pessoas de baixa renda, das cidades do interior, inclusive as de médio e pequeno porte como é o caso da maioria das cidades que adotaram a medida Protetiva do ‘Toque de Recolher’, como a cidade de Fernandópolis.
Com total respeito aos que pensam contrariamente, (inclusive alguns Tribunais que já se posicionaram e revogaram a medida), mas diante da falta de recursos de toda ordem que a categoria dos magistrados enfrenta na maioria dos municípios, até nas cidades do interior do Estado de São Paulo, porque não ver na medida do ‘Toque de Recolher’ um dos poucos instrumentos de defesa dessas crianças e adolescentes? É o mesmo que exigir milagre desses magistrados e, ao mesmo tempo, denota a falta de sensibilidade por parte daqueles que têm muita familiaridade com a fria teoria e, nenhuma, ou pouquíssima experiência prática, dois quesitos completamente diferentes e desconhecidos por muitos dos que decidem sobre a sorte desses meninos e meninas, uma vez que são os juízes que decidem o futuro de crianças e adolescentes de dentro dos seus gabinetes climatizados no conforto da capital considerada carro chefe do Brasil.
O ‘Toque de Recolher’ pode até parecer uma medida ditadora, mas é uma das únicas formas de disciplinar o tempo de permanência de crianças e adolescentes desacompanhados nas ruas após o anoitecer, a fim de evitar que ela seja vítima da violência generalizada, a que temos assistido, ou pior, que seja aliciado pelo crime.
Aos que alegam que a medida ‘Toque de Recolher’ é inconstitucional e fere os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), isso não se caracterizaria um paradoxo? Não é a vida o maior bem a ser preservado, sobretudo, a de crianças e adolescentes que ainda estão em processo de formação físico-psicoemocional e mental e, por essa razão, mais vulneráveis a todo tipo de engodo? Com o máximo de respeito aos operadores do Direito que questionam a constitucionalidade do ‘Toque de Recolher’ e discordam da medida alegando que é imperioso assegurar a liberdade de ir e vir a esses menores, na minha opinião precisamos primeiramente definir de qual liberdade de ir e vir estão falando esses ilustres signatários. Será que existe conhecimento e reflexão sobre o contexto social em que essas crianças e adolescentes estão inseridos?
A realidade é que a maioria absoluta das cidades de porte médio e pequeno não disponibiliza opções de cultura, lazer e entretenimento para que meninos e meninas de baixa renda possam desfrutar. Portanto, esse direito de ir e vir de crianças e adolescentes, tão defendido por alguns segmentos, se restringe ao direito de perambular pelas ruas e frequentar lugares e estabelecimentos inapropriados, como bares e ‘bocas de fumo’, tornando-se mais vulneráveis ao aliciamento sexual e a prática de crimes, principalmente depois da implantação dos presídios nas cidades do interior, aumentando uma população rotativa de criminosos sempre a espreita para ceifar os mais incautos. Até mesmo as Lan Houses, locais que atraem crianças e adolescentes principalmente em virtude dos jogos eletrônicos, não se constituem espaços apropriados para meninos e meninas frequentarem pois muitos deles tendem a furtar para poder pagar os custo pela longa permanência nesse tipo de estabelecimento. Essa é, portanto a radiografia nua e crua que as cidades médias e de pequeno porte têm para oferecer a suas crianças e adolescentes após o retorno da escola.
A título de sugestão, não seria mais coerente com a triste realidade da população infanto-juvenil que, ao invés de mexer em uma das poucas medidas que apresentou resultados satisfatórios, contribuindo para queda das infrações cometidas por crianças e adolescentes, se a medida fosse erigida à condição de Lei?
Há assuntos que de tão relevantes e urgentes dispensam discussões e polêmicas, devendo ser rapidamente colocadas em prática. E esse me parece ser o caso do ‘Toque de Recolher’ que, em países civilizados é Lei regulatória do comportamento. Um exemplo disso é o Japão, onde as crianças e os adolescentes usufruem de seus direitos no dia a dia, mas também reconhecem e cumprem seus deveres. Lá, meninos e meninas nunca saem desacompanhados, não frequentam vida noturna nem ingerem bebidas alcoólicas ou substancias psicoativas e, caso isso ocorra, os pais ou responsáveis, bem como os proprietários de estabelecimentos comerciais arcarão não apenas com multas vultosas, mas também poderão ser presos sem direito a fiança já que o princípio da igualdade de direitos é o mesmo para ricos e pobres. Não há o que discutir porque as leis por lá são feitas para serem cumpridas por todos!
A Prevenção nos países civilizados começa na mais tenra idade (por exemplo: no Japão as leis de trânsito começam a ser aprendidas, obrigatoriamente, na primeira infância). Não será por essa razão que a taxa de mortes no trânsito no Japão é tão baixa, 64,5 mortes a cada milhão de veículos em 2010, e a taxa de homicídios é de 0,4 mortes a cada 100 mil habitantes (dados do UNODC de 2009). Não estamos nós precisando fazer uma releitura da situação dos nossos meninos e meninas de baixa renda e urgentemente colocar na pauta das prioridades de forma explícita não apenas os direitos que eles têm, mas principalmente os seus deveres e juntamente com seus pais assegurarmos que ambos sejam cumpridos?
Aqui no Brasil o ‘Toque de Recolher’ aplicado, por exemplo, na cidade de Diadema (SP) como instrumento capaz de reduzir o alto índice de homicídios está sendo colocado em prática e apoiado pela população. Ele foi instituído com o suporte do Executivo e do Legislativo e se mantém até hoje, ordenando que os bares e estabelecimentos afins sejam fechados até as 23h impreterivelmente. O povo acatou se submetendo à medida, o que tem sido um instrumento de vida e sobrevivência pacífica para aquela cidade. Será que a vida (o bem mais precioso do ser humano) não deve prevalecer ante a liberdade de ir e vir tendo em vista a realidade em que essas cidades vivem? (Veja: Fechar bares uma hora mais cedo reduz violência em 16%, afirma estudo).
Passemos então a refletir, na prática, nos colocando na situação da criança e do adolescente vulneráveis e dos aplicadores de leis que em meio ao caos dessas cidades brasileiras e desamparados de qualquer apoio social ou político, ultrapassam interpretações apenas teóricas, baseadas em princípios e normas legais que quando aplicadas como fundamento isolado e genérico, acabam por prejudicar seus tutelados em vez de protegê-los. Avaliando em conjunto aquilo que o direito trabalhista chama de “primazia da realidade”, podemos considerar as situações acima demonstradas como “primazia de uma realidade destroçada”.
* Advogada e educadora. Precursora da Educação Restaurativa, com experiência de mais de três décadas em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas e Delinqüência Juvenil. Palestrante e colunistas de alguns sites renomados. Autora dowww.educacaorestaurativa.org

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