Corte Especial
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. ACESSO DO MPF A PROCEDIMENTOS DO TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB.
O acesso do MPF às informações inseridas em procedimentos disciplinares conduzidos pela OAB depende de prévia autorização judicial. Em primeiro lugar, cabe indicar que inexiste hierarquia entre as normas do art. 72, § 2º, da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da OAB) e do art. 8º, II, § 2º, da LC n. 75/1993 (Estatuto do Ministério Público da União). O conflito entre as citadas normas é apenas aparente, uma vez que é possível a convivência harmônica entre elas no mesmo sistema jurídico, desde que observadas as limitações de cada uma. Esclareça-se que interpretar sistematicamente as normas em aparente conflito não equivale a negar vigência a nenhuma delas, apenas se dá aplicação a cada uma conjugada com o disposto na outra (REsp 1.195.983-RS, Segunda Turma, DJe 31/3/2011). A mesma prática que se aplica aos demais tipos de sigilo protegidos por lei deve ser aplicada ao sigilo ético, fixado pela Lei n. 8.906/1994. Com efeito, nos expressos termos do § 2º do art. 72 da Lei n. 8.906/1994, "o processo disciplinar tramita em sigilo, até o seu término, só tendo acesso às suas informações as partes, seus defensores e a autoridade judiciária competente". Assim, diante dos termos claros com que foi redigida a norma, fica evidente que a obtenção de cópia dos processos ético-disciplinares é matéria submetida à reserva de jurisdição, de modo que, excetuado o acesso pelas partes e seus procuradores, somente mediante autorização judicial é que poderá ser dado acesso a terceiros, ainda que sejam eles órgãos de persecução dotados de poderes de requisição. Com efeito, tendo a lei expressamente restringido o acesso de terceiros sem ordem judicial, a única forma de compatibilizar os dois dispositivos legais é pela compreensão de que o poder de requisição pelo órgão ministerial encontra óbice naquelas hipóteses em que o legislador expressamente reservou a quebra do sigilo à autoridade judicial. Nessa linha de entendimento, frisa-se que a jurisprudência do STJ já definiu que o art. 8º da LC n. 75/1993 não exime o Ministério Público de requerer a autorização judicial para que haja o seu acesso a documentos protegidos por sigilo legalmente estatuído (AgRg no HC 234.857-RS, Quinta Turma, DJe 8/5/2014; e HC 160.646-SP, Quinta Turma, DJe 19/9/2011). Nesse contexto, o sigilo dos procedimentos e a reserva de jurisdição para o compartilhamento de dados com terceiros em relação aos processos ético-disciplinares contra advogados decorre de expressa previsão na norma legal de regência, razão pela qual, quanto a esse aspecto, deve ser reconhecida a extensão da tutela da intimidade. Aliás, forçoso reconhecer que somente mediante a declaração da inconstitucionalidade do art. 72, § 2º, da Lei n. 8.906/1994 é que poderia ser afastada a cláusula de reserva de jurisdição para o acesso de terceiros aos processos disciplinares em trâmite no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB. Por outro lado, cumpre notar que não se está aqui de forma alguma inviabilizando a obtenção dos documentos e dados pelo Ministério Público, uma vez que, ante a presença e a estruturação do Parquet, decerto não importa em ônus excessivo ao órgão ministerial a necessidade de requerer tal acesso judicialmente. Ao contrário, tal exigência, além de assegurar a plena vigência de um sistema de freios e contrapesos, próprios do regime republicano, também afasta o risco de que as informações sigilosas juntadas aos autos sejam no futuro consideradas nulas, contaminando todo o procedimento investigatório e uma eventual ação judicial, uma vez que o acesso teria sido obtido diretamente pelo Ministério Público, sem a autorização judicial, com base no art. 8º da LC n. 75/1993, em divergência com o que prescreve o STJ. Precedente citado do STF: AGR no RE 318.136 - RJ, Segunda Turma, DJ 6/10/2006. REsp 1.217.271-PR, Rel. Min. Humberto Martins, por maioria, julgado em 18/5/2016, DJe 6/9/2016.

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