Não há prescrição em crimes contra a humanidade diz STF
O Plenário iniciou julgamento de pedido de extradição formulado pelo Governo da Argentina em desfavor de um nacional, a quem se imputa a suposta prática de delitos de lesa-humanidade. O extraditando é investigado por crimes correspondentes, no Código Penal brasileiro, aos de homicídio qualificado, sequestro e associação criminosa. Os delitos teriam sido cometidos quando o extraditando integrava o grupo terrorista “Triple A”, em atividade entre os anos 1973 e 1975, cujo objetivo era o sequestro e o assassinato de cidadãos argentinos contrários ao governo então vigente naquele país.
O ministro Edson Fachin (relator) reputou atendidos os pressupostos para o deferimento do pleito. Quanto à prescrição, entendeu que o Estado brasileiro não deve invocar limitações do seu direito interno, haja vista que a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade decorre de norma imperativa do Direito Internacional. Considerou que a qualificação de crime de lesa-humanidade atribuída pela legislação argentina é coerente com o Direito Internacional naquilo em que, para efeito de extradição, também vincula o Estado brasileiro. Nesse caso, é necessário adotar uma interpretação adequada ao Tratado de Extradição e ao Estatuto do Estrangeiro, de modo a excepcionar o requisito da prescrição quanto aos crimes contra a humanidade.
Para o relator, nos termos dos arts. 141 e 142, inciso 5º, do Código Penal argentino, os fatos atribuídos ao extraditando possuem natureza de delitos de lesa-humanidade. Assim, por constituírem grave violação dos direitos humanos, revestem-se do caráter de imprescritibilidade, o que atrairia a incidência do regime internacional da imprescritibilidade, previsto pela Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, adotada pela Resolução 2.391/1968, da Assembleia Geral das Nações Unidas, cujo artigo 3º obriga os Estados Membros a adotarem todas as medidas internas necessárias para permitir a extradição.
Consoante ressaltou, apesar de o Estado brasileiro não ter ratificado essa Convenção, vários países do continente americano o fizeram. Por isso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos assentou que a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade obriga os Estados integrantes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos a punir os suspeitos da prática de tais crimes.
Quanto à exigência contida no art. III, “c”, do Tratado de Extradição entre Brasil e Argentina, asseverou que o método de interpretação “segundo o sentido comum atribuível aos termos” do art. 31 da Convenção de Viena deve ceder lugar a outro, conforme dispõe o art. 32 dessa mesma norma, pois a interpretação literal conduz a um resultado manifestamente absurdo ou desarrazoado. Por isso, a manutenção do entendimento de que a prescrição deve ser verificada apenas de acordo com o previsto na lei brasileira tem como consequência a transformação do país em um abrigo de imunidade para os autores das piores violações contra os direitos humanos. Isso ofende a jurisprudência da Corte Interamericana e esvazia o sentido do princípio contido no art. 4º, II, da CF.
O relator evidenciou a inexistência de um direito constitucional à prescrição, tendo em conta o disposto nos incisos XLII e XLIV do art. 5º da CF, e na EC 45/2004, que, ao acrescentar o § 4º ao art. 5º, reconhece a submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Por sua vez, o art. 29 do Estatuto de Roma prevê a imprescritibilidade dos crimes internacionais.
Para o ministro, a regra da imprescritibilidade pertence ao direito penal internacional, em cujas fontes deve-se buscar uma interpretação do Tratado de Extradição consentânea com o atual quadro normativo do Direito Internacional.
Aduziu, ainda, que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja jurisdição é vinculante para o Estado brasileiro, nos termos do art. 62 do Pacto de São José da Costa Rica, entende serem inadmissíveis as disposições de prescrição que tenham por finalidade impedir a investigação e a punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, sendo tal proibição decorrente de normas costumeiras de Direito Internacional.
Consignou que do caráter cogente das normas que tipificam os crimes contra a humanidade decorre o afastamento do disposto no art. III, “c”, do Tratado de Extradição entre Brasil e Argentina, por força da previsão contida no art. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que reputa nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral.
Por fim, o relator, tendo em conta o disposto no art. 5º, § 2º, da CF, e a hierarquia supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos, concluiu que a exigência constante do art. 77, VI, do Estatuto do Estrangeiro deve, no caso, acolher a regra de imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade. Seja porque incompatível com o ordenamento constitucional quando o extraditando responde por crime contra a humanidade, seja porque, com base no art. 27 da Convenção de Viena, o Estado não pode invocar limitações do direito interno para deixar de adimplir com obrigações internacionais.
Após o voto do ministro Roberto Barroso, que acompanhou o relator, o ministro Teori Zavascki pediu vista dos autos.
Ext 1362/DF, rel. min. Edson Fachin, julgamento em 6-10-2016.
0 Comentários