Pena - Execução Provisória - Princípio da não Culpabilidade - Habeas Corpus - Liminar - Deferimento
- Liminar - Extensão - Corréu (Transcrições)



HC 137.194/SP*


RELATOR: Ministro Marco Aurélio




RELATOR: Ministro Marco Aurélio

DECISÃO: 1. A assessora Dra. Mariana Madera Nunes prestou as seguintes informações:

O Juízo da Vigésima Vara Criminal da Comarca de São Paulo/SP, no processo nº 0069669-78.2009.8.26.0050, condenou o paciente a 4 anos e 2 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 40 dias-multa, em virtude do cometimento do delito descrito no artigo 171, cabeça (estelionato), por dez vezes, na forma do 71 (crime continuado), todos do Código Penal.

A defesa formalizou apelação, pleiteando, preliminarmente, o reconhecimento da extinção de punibilidade considerada a prescrição da pretensão punitiva. Sucessivamente, buscou a absolvição por atipicidade da conduta ou a redução da sanção imposta, dizendo injustificado o aumento da pena-base. A Nona Câmara de Direito Criminal, ao desprover o recurso, afirmou não transcorrido prazo superior a 8 anos. Asseverou ter ficado demonstrado o emprego de fraude, a provocação e manutenção da vítima em erro, a obtenção de vantagem indevida e o prejuízo alheio. Consignou que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal tendo em vista o elevado valor do prejuízo sofrido pela vítima e o fato de os réus não terem procurado ressarci-la. Determinou a expedição de mandado de prisão, aludindo ao decidido, pelo Supremo, no julgamento do habeas corpus nº 126.292/SP.

No Superior Tribunal de Justiça, o habeas corpus nº 371.146/SP foi inadmitido pelo Relator.

O impetrante sustenta a ofensa ao princípio da presunção de não culpabilidade, presente o início da execução da reprimenda antes do trânsito em julgado da condenação. Aponta as condições pessoais favoráveis do paciente – primariedade, bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa. Destaca a inexistência de vagas disponíveis no sistema penitenciário para o cumprimento da sanção em regime semiaberto. Aduz ausentes os requisitos ensejadores da custódia preventiva.

Requer, em âmbito liminar, a expedição de contramandado de prisão. No mérito, pretende a confirmação da providência, para que seja reconhecido ao paciente o direito de aguardar, em liberdade, a preclusão maior do título condenatório.

Por meio da petição/STF nº 52.690/2016, o impetrante buscou comprovar não haver transitado em julgado a condenação, apresentando cópia das peças reveladoras da interposição dos recursos especial e extraordinário.

A fase é de exame da medida acauteladora.

2. Não se pode potencializar o decidido pelo Pleno no habeas corpus nº 126.292, por maioria, em 17 de fevereiro de 2016. Precipitar a execução da pena importa antecipação de culpa, por serem indissociáveis. Conforme dispõe o inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, ou seja, a culpa surge após alcançada a preclusão maior. Descabe inverter a ordem natural do processo-crime – apurar-se para, selada a culpa, prender-se, em verdadeira execução da reprimenda.
O Pleno, ao apreciar a referida impetração, não pôs em xeque a constitucionalidade nem colocou peias à norma contida na cabeça do artigo 283 do Código de Processo Penal, segundo a qual “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Constrição provisória concebe-se cautelarmente, associada ao flagrante, à temporária ou à preventiva, e não a título de sanção antecipada. A redação do preceito remete à Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, revelando ter sido essa a opção do legislador. Ante o forte patrulhamento vivenciado nos dias de hoje, fique esclarecido que, nas ações declaratórias de constitucionalidade nº 43 e nº 44, nas quais questionado o mencionado dispositivo, o Pleno deixou de implementar liminar.
A execução provisória pressupõe garantia do Juízo ou a possibilidade de retorno, alterado o título executivo, ao estado de coisas anterior, o que não ocorre em relação à custódia. É impossível devolver a liberdade perdida ao cidadão.
O fato de o Tribunal, no denominado Plenário Virtual, atropelando os processos objetivos acima referidos, sem declarar, porque não podia fazê-lo em tal campo, a inconstitucionalidade do artigo 283 do aludido Código, e, com isso, confirmando que os tempos são estranhos, haver, em agravo que não chegou a ser provido pelo Relator, ministro Teori Zavascki – agravo em recurso extraordinário nº 964.246, formalizado, por sinal, pelo paciente do habeas corpus nº 126.292 –, a um só tempo, reconhecido a repercussão geral e “confirmado a jurisprudência”, assentada em processo único – no citado habeas corpus –, não é obstáculo ao acesso ao Judiciário para afastar lesão a direito, revelado, no caso, em outra cláusula pétrea – segundo a qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” – incisos XXXV e LVII do artigo 5º da Carta da República.
Ao tomar posse neste Tribunal, há 26 anos, jurei cumprir a Constituição Federal, observar as leis do País, e não a me curvar a pronunciamento que, diga-se, não tem efeito vinculante. De qualquer forma, está-se no Supremo, última trincheira da Cidadania, se é que continua sendo. O julgamento virtual, a discrepar do que ocorre em Colegiado, no verdadeiro Plenário, o foi por seis votos a quatro, e o seria, presumo, por seis votos a cinco, houvesse votado a ministra Rosa Weber, fato a revelar encontrar-se o Tribunal dividido. A minoria reafirmou a óptica anterior – eu próprio e os ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Tempos estranhos os vivenciados nesta sofrida República! Que cada qual faça a sua parte, com desassombro, com pureza d’alma, segundo ciência e consciência possuídas, presente a busca da segurança jurídica. Esta pressupõe a supremacia não de maioria eventual – segundo a composição do Tribunal –, mas da Constituição Federal, que a todos, indistintamente, submete, inclusive o Supremo, seu guarda maior. Em época de crise, impõe-se observar princípios, impõe-se a resistência democrática, a resistência republicana.
3. Defiro a medida acauteladora para suspender a execução provisória do titulo condenatório. Recolham o mandado de prisão, ou, se já cumprido, expeçam o alvará de soltura, a ser implementado com as cautelas próprias: caso o paciente não se encontre preso por motivo diverso do retratado no processo nº 0069669-78.2009.8.26.0050, da Vigésima Vara Criminal da Comarca de São Paulo/SP, considerada a execução açodada, precoce e temporã da pena. Advirtam-no da necessidade de permanecer na residência indicada ao Juízo, atendendo aos chamamentos judiciais, de informar eventual transferência e de adotar a postura que se aguarda do homem médio, integrado à sociedade.
4. Sendo idêntica a situação do corréu Roldão César do Nascimento, estendo-lhe esta medida acauteladora, com os mesmos cuidados, consoante o disposto no artigo 580 do Código de Processo Penal.
5. Colham o parecer da Procuradoria-Geral da República.
6. Publiquem.

Brasília, 7 de dezembro de 2016.

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