Um aluno ajuizou uma ação de indenização contra uma faculdade porque a instituição de ensino não lhe permitiu ter aulas em dias alternativos.

O aluno informou que é cristão membro da Igreja Adventista do 7º dia e era estudante de Direito na instituição da faculdade Ages de Paripiranga-BA. Disse  que "estava no último período do curso e, para sua surpresa, a matéria de Estágio Supervisionado IV foi ofertada em uma sexta-feira, à noite, o que o impossibilitou de cursar a referida disciplina, em virtude de sua crença religiosa. "


Entrou em contato com a faculdade com o intuito de ser alterado o dia para oferta da disciplina, mas sem êxito e, em razão disso, transferiu o curso para uma  outra Universidade.

Todavia, o juiz José Brandão Netto, do Juizado Cível de Cicero Dantas-BA, não acolheu o pedido do autor da ação, julgando improcedente a ação.


"A liberdade de culto e suas manifestações e prática de ritos não é um direito absoluto. Não estão presentes os requisitos para gerar o dever de indenizar e  o fato de o autor ser cristão da Igreja Adventista do 7º dia NÃO obriga a instituição ré a oferecer a disciplina Estágio Supervisionado IV em dia alternativo. Portanto, inexiste o dever da ré de indenizar o autor nos termos requeridos na inicial", sentenciou o juiz.

Eis a sentença:

Com as informações, Clécia Rocha


SENTENÇA


Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95. 
DECIDO. 
Inicialmente analisarei a preliminar de falta de interesse processual arguida pela acionada em sua contestação, rejeitando-a, por se confundir com o próprio mérito da lide.
Rejeitada a preliminar supra, passo à analise do mérito.
Na exordial, o autor informa que é cristão membro da Igreja Adventista do 7º dia e estudante de Direito na instituição de ensino da ré. Alega que estava no último período do curso e, para sua surpresa, a matéria de Estágio Supervisionado IV foi ofertada em uma sexta-feira, à noite, o que o impossibilitou de cursar a referida disciplina, em virtude de sua crença religiosa.
 Aduz que contactou a acionada com o intuito de ser alterado o dia para oferta da disciplina, mas sem êxito e em razão disso transferiu o curso para a Universidade XXX em Aracaju/SE. Por isso, pleiteia indenização por danos morais e materiais.
Compulsando os autos verifico que a presente demanda deve ser julgada improcedente. Isto porque inexiste legislação que permita tratamento diferenciado em razão de crença religiosa. A liberdade religiosa assegurada pela Constituição Federal não obriga o Estado - que é laico - a subordinar-se aos preceitos de qualquer religião.
 O princípio da liberdade religiosa deve ser aplicado de forma razoável, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, isonomia e impessoalidade. Ademais, o autor tinha conhecimento de que deveria adaptar a grade curricular de acordo com sua crença religiosa, nos termos do contrato por ele assinado, juntado pela ré. 
De fato, é um direito fundamental de qualquer brasileiro aderir a crença religiosa que melhor lhe satisfizer, porém, a opção adotada não outorga mais direitos ou privilégios que os demais cidadãos.  

 Nesse sentido, é a jurisprudência:


 (TJ-BA) CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. INTEGRANTE DE IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. DISPONIBILIZAÇÃO DE DIA ALTERNATIVO PARA ACOMPANHAR AS AULAS DE CURSO SUPERIOR À DISTÂNCIA. SENTENÇA DENEGANDO A SEGURANÇA. RECURSO DE APELAÇÃO DA IMPETRANTE. 1. Rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva, argüida pela recorrida, pois, apesar da impetração não ter indicado a autoridade coatora, referindo-se apenas à pessoa jurídica (UNEB), o Reitor, autoridade máxima da referida instituição, prestou as informações requisitadas e apenas defendeu o mérito do ato impugnado. Aplicação da Teoria da Encampação. Precedentes do STJ, 2. Não se afigura razoável determinar que a UNEB disponibilize, em razão da Recorrente professar a religião adventista, um horário alternativo ou busque mecanismos outros para que a Apelante possa prosseguir no curso de Administração Pública EAD, sob pena de restar evidente o desrespeito ao princípio da isonomia entre os alunos, uma vez que a Impetrante teria um acompanhamento individualizado, pois o tutor a acompanharia de forma exclusiva, enquanto os demais alunos da classe não gozariam de tal privilégio, fato que premiaria a Impetrante em razão de professar religião distinta dos outros alunos; 3. Obrigar a UNEB a disponibilizar um professor para o acompanhamento exclusivo da Impetrante viola, também, a autonomia da Universidade, uma vez que esta deverá adequar toda a sua metodologia de ensino para atender interesse da Recorrente, não podendo uma instituição de ensino ter de se adequar á religião de cada um de seus alunos; 4. A ratio essendi do art. 5º , VIII , da CF/88 , foi evitar que os cidadãos sejam privados de direitos em razão da crença religiosa, porém não cria, com isso, privilégios para estes mesmos cidadãos em detrimento dos demais, em total violação ao princípio da igualdade. Precedente do STF. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. ( TJ-BA - Apelação APL 00026217120108050141 BA 000262171.2010.8.05.0141).


Deveras, assegura-se a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantia, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
Registre-se que a liberdade de culto e suas manifestações e prática de ritos não é um direito absoluto.
Sobre o tema, também assim se posiciona a doutrina de Pedro Lenza:

" Todas as constituições pátrias, exceto as de 1891 e 1937, invocaram a “proteção de Deus” quando promulgadas. Em âmbito estadual essa realidade se repetiu, com exceção do Estado do Acre. Referida omissão foi objeto de questionamento no STF pelo Partido Social Liberal. O STF, definindo a questão, além de estabelecer e declarar a irrelevância jurídica do preâmbulo assinalou que a invocação da “proteção de Deus” não é norma de reprodução obrigatória na Constituição Federal (ADI 2.076-AC, Rel. Min. Carlos Velloso).          
Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta (como o serviço militar obrigatório, nos ermos do art. 143, §§1º e 2º) e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
          Não há dúvida de que o direito fundamental da liberdade de crença, da liberdade de culto e suas manifestações e prática de ritos não é absoluto. Um direito fundamental vai até onde começa outro e, diante de eventual colisão, ponderando interesses, um deverá prevalecer em face do outro, se não for possível harmonizá-los."

Outros Tribunais também já se posicionaram, verbis:

TRF-1 - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA AMS 5365 GO 0005365-94.2010.4.01.3500 (TRF-1) Data de publicação: 25/03/2011
Ementa: ENSINO SUPERIOR. ALUNO ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. EXIGÊNCIA DE FREQUÊNCIA DE AULAS ÀS SEXTAS-FEIRA À NOITE E AOS SÁBADOS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A DIREITO CONSTITUCIONAL. 1. A Lei 9.394 /96 estabelece a obrigatoriedade de frequência de alunos e professores (art. 47, § 3º). 2. Embora a Constituição proteja a liberdade de crença e de consciência e o princípio de livre exercício dos cultos religiosos ( CF , artigo 5.º -VI), não prescreve, em nenhum momento, o dever estatal de facilitar, propiciar, promover o exercício ou o acesso às prescrições, ritos e rituais de cada religião. Estabelece apenas o dever do Estado no sentido de proteger os locais de culto e suas liturgias ( CF , artigo 5.º -VI, final), sob a condição de que não ofenda o interesse público. 3. A jurisprudência desta Corte entende que a Constituição Federal de 1988 (art. 5.º, VIII) assegura a liberdade de crença como direito individual do cidadão, sob a condição de que não ofenda o interesse público, ou seja, que não seja ele invocado para a isenção de obrigação legal a todos imposta e a recusa de cumprir prestação alternativa prevista em lei. 4 . Apelação dos impetrantes improvida.

TRF-3 - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA AMS 6172 SP 2006.61.04.006172-6 (TRF-3) Data de publicação: 22/10/2009 Ementa: ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ALUNOS ADVENTISTAS DO SÉTIMO DIA. ABONO DE FALTAS. PROVAS. HORÁRIOS DIVERSOS. GARANTIA CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE CRENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Não há violação a liberdade da crença, sobretudo quando há tratamento isonômico entre todos os alunos que entraram em um processo seletivo, sabedores de todas as normas que compõe o Regimento Interno da Universidade, inclusive no tocante a grade curricular. 2.A participação presencial do aluno em 75% das aulas é uma exigência legal, portanto, o não comparecimento nas aulas por conta de convicção religiosa, está ao arrepio da lei, e como tal, não há que se falar em tolhimento à liberdade religiosa, pois, não é uma exigência imposta para que a pessoa possa ir contra seus princípios religiosos, ao contrário, a liberdade de consciência e de crença religiosa deve ser exercida independentemente do tratamento excepcional, pois é direito individual de cada cidadão. 3.Apelação improvida.

TJ-SP - Apelação APL 00576998620138260100 SP 0057699-86.2013.8.26.0100 (TJ-SP) Data de publicação: 01/10/2015 Ementa: Apelação – Prestação de serviços educacionais – Frequências às aulas – Aluno adventista do sétimo dia – Guarda religiosa. Respeitada a crença religiosa dos autores, não há razão para obrigar a instituição de ensino ré a adaptar a grade curricular de seus alunos por esse motivo – O aluno escolheu livremente o curso oferecido pela instituição, sendo sabedor de suas regras – "A criação de privilégios para determinado grupo religioso pode caracterizar grave infringência no Estado laico, que deve manter posição de neutralidade perante as diversas liturgias" (apelação n.º 9102487-80.2009.8.26.0000, relator Marcos Ramos). Apelação desprovida.

Ademais, são requisitos necessários para a configuração do ato ilícito civil a conduta humana, nexo causal, dano e culpa que, no caso concreto, não estão presentes para gerar o dever de indenizar.
Desta feita, o fato do autor ser cristão da Igreja Adventista do 7º dia NÃO obriga a instituição ré a oferecer a disciplina Estágio Supervisionado IV em dia alternativo. Portanto, inexiste o dever da ré de indenizar o autor nos termos requeridos na inicial.

ANTE O EXPOSTO, com fulcro na legislação vigente rejeito a preliminar de falta de interesse processual arguida pela ré em sua contestação e, no mérito, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de indenização por danos morais e materiais requerido pelo autor em face da ré.

EXTINGO o presente processo com resolução de mérito.

  Sem condenação ao pagamento de custas e de honorários advocatícios, nos termos do art. 55 da Lei n° 9.099/95.

P. R. I.



Documento Assinado Eletronicamente
Assinado eletronicamente por: JOSE DE SOUZA BRANDAO NETTO
Código de validação do documento: 5c1129fa a ser validado no sítio do PROJUDI - TJBA.

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