PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA

 VARA CRIME

 

 

AUTOS Nº 1705274-1/2007


 

 

SENTENÇA

 

RELATORIO

 

 

O Ministério Público do Estado ofereceu denúncia em face de DANIELA DE SOUZA SILVA em razão de “no dia 02 de novembro de 2006, na residência da vítima, a denunciada, valendo-se da confiança em si depositada pelo fato de ter passado alguns dias na casa da vítima, subtraiu  uma calça jeans descrita no auto de entrega de fl. 05”.

 

Narra, ainda, a denúncia que a vítima foi à casa de sua  costureira, onde reconheceu sua calça, constatando que esta havia sido deixada  pela acusada para que fossem feitos ajustes, requerendo o MP, condenação da autora nas penas do art. 155 c/c art. 14, II, do CP.  

 

Fundamentação

 

         Sem querer adentrar no mérito do caso sub judice, em análise dos autos, verifica-se que o caso em tela revela a inexistência de crime, em razão da atipicidade do fato.

         Deveras, constata-se a configuração da tipicidade FORMAL, traduzida pela prática de de conduta prevista no art. 155, caput, c/c o art. 14,II,  ambos do CP, qual seja tentativa de subtração de coisa alheia móvel. Entretanto, não restou caracterizada a presença da tipicidade material, assim entendida como a relevante lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico.

         Bastante pertinente é o magistério de Rogério Grecco transcrito a seguir:

 

         “Já tivemos a oportunidade de salientar que o fato típico é composto pela conduta do agente, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva; pelo resultado; bem como pelo nexo de causalidade, entre aquela e este, e , por fim, pela tipicidade formal e conglobante”.  

 

         Ainda, segundo o referido doutrinador, a tipicidade conglobante tem como requisito a tipicidade material, que é a necessidade de a conduta típica ter relevância jurídica, não podendo o Direito Penal se ocupar com lesões insignificantes, pois o resultado não é socialmente reprovável, daí se falar em princípio da insignificância, da intervenção mínima, pois quando o legislador criou o tipo de furto, o mesmo se preocupou com furtos que possuíssem grande prejuízo à sociedade, ele não tencionava legislar para coibir furtos de bagatela.

 

          No caso dos autos, percebe-se a o desvalor da conduta perpetrada, ao tempo em que não se constata a produção de um resultado socialmente reprovável, que seja capaz de justificar a aplicação dos rigores efeitos do Direito Penal, em obediência aos princípios da Fragmentariedade e Intervenção Mínima, que norteiam esta ciência.

 

         O reconhecimento da atipicidade do fato  não conduz à impunidade da conduta, apenas limita as suas consequências, afastando a incidência do Direito Penal, reservando a aplicação de outras ciências jurídicas

 

         Adotamos, pois, o entendimento esposado na doutrina internacional de Claus Roxin e defendida no Brasil por Rogério Grecco, Cezar Bitercourt e Mirabete, dentre outros.  

 

          In casu, trata-se de inexistência de tipicidade material, pela ausência de lesividade da conduta (tentativa de furto de uma calça jeans usada, já devolvido pela Polícia para a vítima). Consoante auto de avaliação, a res furtiva não ultrapassa  as cifras de R$ 40,00, menos de 10% do salário mínimo.

 

         Segundo o STJ, “o princípio em questão "significa dizer que a intervenção do direito penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano impregnado de significativa lesividade. Não havendo, outrossim, a tipicidade material, mas apenas a formal, a conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a intervenção da tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima".

                       

                        D outra banda, o colendo Tribunal assim vem decidindo:

 

“Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Data da decisão: 05/02/2009 Documento: STJ000355006   Fonte DJE DATA:16/03/2009  Ementa PENAL. RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA DE FURTO.  PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO. RECURSO IMPROVIDO.

1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.

2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico.

3. A tentativa de subtrair uma cafeteira elétrica no valor de R$ 55, 00, embora se amolde à definição jurídica do crime de furto tentado, não ultrapassa o exame da tipicidade material, mostrando-se desproporcional a imposição de pena privativa de liberdade, uma vez que a ofensividade da conduta se mostrou mínima; não houve nenhuma periculosidade social da ação; a reprovabilidade do comportamento foi de grau reduzidíssimo e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva.

4. Recurso especial improvido.








 
STJ DIREITO PENAL. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO FURTO DE BEM CUJO VALOR SEJA DE POUCO MAIS DE 23% DO SALÁRIO MÍNIMO DA ÉPOCA.
Sendo favoráveis as condições pessoais do agente, é aplicável o princípio da insignificância em relação à conduta que, subsumida formalmente ao tipo correspondente ao furto simples (art. 155, caput, do CP), consista na subtração de bem móvel de valor equivalente a pouco mais de 23% do salário mínimo vigente no tempo do fato. Nessa situação, ainda que ocorra a perfeita adequação formal da conduta à lei incriminadora e esteja comprovado o dolo do agente, inexiste a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado produzido. Assim, em casos como este, a aplicação da sanção penal configura indevida desproporcionalidade, pois o resultado jurídico – a lesão produzida ao bem jurídico tutelado – há de ser considerado como absolutamente irrelevante. AgRg no HC 254.651-PE, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 12/3/2013.

 

 

Deste modo, seja em virtude do Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal ou da Insignificância, há de se reconhecer que não subsiste o caráter delitivo do fato narrado na denúncia.

 

DISPOSITIVO:

 

Ante todo exposto, REJEITO a denúncia, com fundamento no artigo 395, III, do CPP.

Sem custas.

Transitado em julgado, arquivem-se os autos.

 

P.R.I.

XXX, Ba, .....

 

José de Souza Brandão Netto.

       Juiz Substituto

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