“Execução da pena tem que ter aplicabilidade imediata. Só 1,5% das decisões do STF são reformadas e, se o indivíduo delinquiu, não podemos manter sensação de impunidade,”, afirma juiz
“Aplicabilidade imediata da execução da pena: Não podemos manter sensação de impunidade! ”, afirma juiz
Por José
Brandão Netto*
Juiz José Brandão Netto
A CF/88 diz que “Ninguém será
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” (CF/88, art.
5º, LVII).
A CF traz a presunção de não
culpa (não culpabilidade) e não a presunção de inocência, pois, nossa CF/88 “não
presume, expressamente, o cidadão inocente, mas impede considerá-lo culpado até
a decisão condenatória definitiva. Uma situação é a de se presumir alguém
inocente; outra, sensivelmente, distinta, é a de impedir a incidência dos
efeitos da condenação até o trânsito em julgado da sentença”, afirma Cunha1.
Diferentemente da CF/88, por
exemplo, o Pacto de São José da Costa Rica diz, em eu art. 8º, 2, que “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se
presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.”
Raciocínio diverso do quanto aqui
explanado vai levar o intérprete ao absurdo de pensar ser vedada a prisão
provisória no país, algo totalmente incompatível com o sistema de
justiça e de segurança para população, que paga seus impostos e quer ter, no
mínimo, segurança para o seu ir e vir diário.
Sobre o tema em foco,
em, 17 de
fevereiro de 2016, o STF decidira que pena pode ser cumprida após decisão de
segunda instância.
Isso aconteceu no julgamento do Habeas Corpus (HC) 126292 quando,
por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que
a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação
da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção
da inocência.
O então o relator do caso,
ministro Teori Zavascki, asseverou que a manutenção da sentença penal pela
segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do
condenado, o que autoriza o início da execução da pena.
A decisão provocou uma mudança no
entendimento da Corte, que desde 2009, no julgamento da HC 84078, condicionava
a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação, mas ressalvava a
possibilidade de prisão preventiva. No entanto, até 2009, o STF entendia que a
presunção da inocência não impedia a execução de pena confirmada em segunda
instância.
No caso concreto analisado, a
defesa entendia que a determinação da expedição de mandado de prisão sem o
trânsito em julgado da decisão condenatória representaria afrontaria à
jurisprudência do Supremo e ao princípio da “presunção da inocência” (artigo
5º, inciso LVII, da Constituição Federal), diga-se de passagem,que o correto é
denominar princípio é de princípios da não culpabilidade e não de presunção de
inocência, como bem afirma Rogério Sanches Cunha2
Segundo o entendimento firmado, até que seja prolatada a sentença
penal, confirmada em segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas,
após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os
recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a
discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. “Ressalvada a estreita
via da revisão criminal, é no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a
possibilidade de exame dos fatos e das provas, e, sob esse aspecto, a própria
fixação da responsabilidade criminal do acusado”, afirmou o relator do caso, à
época.
Como exemplo, o ministro lembrou
que a Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa,
expressamente consagra como causa de inelegibilidade a existência de sentença
condenatória proferida por órgão colegiado. “A presunção da inocência não
impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza
efeitos contra o acusado”.
Sobre a possibilidade de se
cometerem equívocos e supostas injustiças, existem instrumentos possíveis, como
medidas cautelares e mesmo o habeas corpus. Além disso, depois da entrada em
vigor da Emenda Constitucional 45/2004, os recursos extraordinários só podem
ser conhecidos e julgados pelo STF se, além de tratarem de matéria eminentemente
constitucional, apresentarem repercussão geral, extrapolando os interesses das
partes.
Assim, foi ementada a decisão do
STF que consagrou o atual entendimento:
Habeas
Corpus (HC) 126292 O relator votou pelo indeferimento do pleito, acompanhado
pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias EMENTA:
CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR
TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE.
1. A execução provisória de
acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a
recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional
da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição
Federal. Habeas corpus denegado.
A possibilidade da execução provisória da pena
privativa de liberdade era orientação que prevalecia na jurisprudência do STF,
mesmo na vigência da Constituição Federal de 1988.
Já para a Declaração dos Direitos do Homem e do
cidadão de 1948: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma
sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a
lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias
para sua defesa”.
Sobre outro foco, sabe-se que postergar a execução
da pena gera a sensação de impunidade na população.
Não à-toa, um dos maiores pensadores da história,
Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria (1738-1794), considerado o
principal representante do iluminismo penal e da Escola Clássica do Direito Penal asseverou,
no seu famoso livro, “Dos Delitos e das Penas”,em 1764, que o decisivo é a
rapidez (imediatidade); todos sabem que o cometimento do delito implica
inevitavelmente a pronta imposição do castigo; Que a punição não é algo futuro
e incerto, mas um mal próximo e inexorável; que a pena que intimida é a que se
executa prontamente, de forma implacável (...) (Dos delitos e das Penas. Madri:
Aguilar, 1974, p. 128-134)”
CENÁRIO
INTERNACIONAL:
Isso não
é diferente no cenário internacional, e no julgamento de fevereiro de 2016, o ministro citou manifestação da
ministra Ellen Gracie (aposentada) no HC 85886, quando salientou
que “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de
jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da
Suprema Corte””.
Na decisão, foi feita
referência ao abrangente estudo realizado por Luiza Cristina Fonseca
Frischeisen, Mônica Nicida Garcia e Fábio Gusman, abaixo reproduzido, como se
dá a questão, em alguns países como Inglaterra, EUA, Alemanha, França,
Argentina , Portugal, Espanha.
Ei-los:
“a) Inglaterra. Hoje, a legislação que trata da
liberdade durante o trâmite de recursos contra a decisão condenatória é a Seção
81 do Supreme Court Act 1981. Por esse diploma é garantida ao recorrente a liberdade
mediante pagamento de fiança enquanto a Corte examina o mérito do recurso. Tal
direito, contudo, não é absoluto e não é garantido em todos os casos. (…) O
Criminal Justice Act 2003 representou restrição substancial ao procedimento de
liberdade provisória, abolindo a possibilidade de recursos à High Court
versando sobre o mérito da possibilidade de liberação do condenado sob fiança
até o julgamento de todos os recursos, deixando a matéria quase que
exclusivamente sob competência da Crown Court’ . (…) Hoje, tem-se que a
regra é aguardar o julgamento dos recursos já cumprindo a pena, a menos que a
lei garanta a liberdade pela fiança. (…)
b) Estados Unidos. A presunção de inocência não
aparece expressamente no texto constitucional americano, mas é vista como
corolário. Um exemplo da importância da garantia para os norte-americanos
foi o célebre Caso ‘Coffin versus Estados Unidos’ em 1895. Mais além, o Código
de Processo Penal americano (Criminal Procedure Code), vigente em todos os
Estados, em seu art. 16 dispõe que ‘se deve presumir inocente o acusado até que
o oposto seja estabelecido em um veredicto efetivo’. (…) Contudo, não é
contraditório o fato de que as decisões penais condenatórias são executadas
imediatamente seguindo o mandamento expresso do Código dos Estados Unidos (US
Code). A subseção sobre os efeitos da sentença dispõe que uma decisão
condenatória constitui julgamento final para todos os propósitos, com raras
exceções. (…) Segundo Relatório Oficial da Embaixada dos Estados Unidos da
América em resposta a consulta da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do
Ministério Público Federal, “nos Estados Unidos há um grande respeito pelo que
se poderia comparar no sistema brasileiro com o ‘juízo de primeiro grau’, com
cumprimento imediato das decisões proferidas pelos juízes”. Prossegue
informando que “o sistema legal norteamericano não se ofende com a imediata
execução da pena imposta ainda que pendente sua revisão”.
c) Canadá (…) O código criminal dispõe que
uma corte deve, o mais rápido possível depois que o autor do fato for
considerado culpado, conduzir os procedimentos para que a sentença seja
imposta. Na Suprema Corte, o julgamento do caso R. v. Pearson(1992) 3 S.C.R.
665, consignou que a presunção da inocência não significa, “é claro”, a
impossibilidade de prisão do acusado antes que seja estabelecida a culpa sem
nenhuma dúvida. Após a sentença de primeiro grau, a pena é automaticamente
executada, tendo como exceção a possibilidade de fiança, que deve preencher
requisitos rígidos previstos no Criminal Code, válido em todo o território
canadense.
d) Alemanha (…) Não obstante a relevância da
presunção da inocência, diante de uma sentença penal condenatória, o Código
de Processo Alemão (…) prevê efeito suspensivo apenas para alguns recursos.
(…) Não há dúvida, porém, e o Tribunal Constitucional assim tem decidido, que
nenhum recurso aos Tribunais Superiores tem efeito suspensivo. Os alemães
entendem que eficácia (…) é uma qualidade que as decisões judiciais possuem
quando nenhum controle judicial é mais permitido, exceto os recursos especiais,
como o recurso extraordinário (…). As decisões eficazes, mesmo aquelas contra
as quais tramitam recursos especiais, são aquelas que existem nos aspectos
pessoal, objetivo e temporal com efeito de obrigação em relação às
consequências jurídicas.
e) França A Constituição Francesa de 1958
adotou como carta de direitos fundamentais a Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão de 1789, um dos paradigmas de toda positivação de direitos
fundamentais da história do mundo pós-Revolução Francesa. (…) Apesar disso, o
Código de Processo Penal Francês, que vem sendo reformado, traz no art. 465
as hipóteses em que o Tribunal pode expedir o mandado de prisão, mesmo
pendentes outros recursos. (…)
f) Portugal (...) O Tribunal Constitucional
Português interpreta o princípio da presunção de inocência com restrições.
Admite que o mandamento constitucional que garante esse direito remeteu à
legislação ordinária a forma de exercê-lo. As decisões dessa mais alta Corte
portuguesa dispõem que tratar a presunção de possibilidade de fiança, que deve
preencher requisitos rígidos previstos no Criminal d) Alemanha (…) Não
obstante a relevância da presunção da inocência, diante de uma sentença penal
condenatória, o Código de Processo Alemão (…) prevê efeito suspensivo apenas
para alguns recursos. (…) Não há dúvida, porém, e o Tribunal Constitucional
assim tem decidido, que nenhum recurso aos Tribunais Superiores tem efeito
suspensivo. Os alemães entendem que eficácia (…) é uma qualidade que as
decisões judiciais possuem quando nenhum controle judicial é mais permitido,
exceto os recursos especiais, como o recurso extraordinário (…). As decisões
eficazes, mesmo aquelas contra as quais tramitam recursos especiais, são
aquelas que existem nos aspectos pessoal, objetivo e temporal com efeito de
obrigação em relação às consequências jurídicas.
g) Espanha (…) A Espanha é outro dos países
em que, muito embora seja a presunção de inocência um direito constitucionalmente
garantido, vigora o princípio da efetividade das decisões condenatórias.
(…) Ressalte-se, ainda, que o art. 983 do Código de Processo Penal espanhol
admite até mesmo a possibilidade da continuação da prisão daquele que foi
absolvido em instância inferior e contra o qual tramita recurso com efeito
suspensivo em instância superior.
h) Argentina O ordenamento
jurídico argentino também contempla o princípio da presunção da inocência, como
se extrai das disposições do art. 18 da Constituição Nacional. Isso não impede,
porém, que a execução penal possa ser iniciada antes do trânsito em julgado da
decisão condenatória. De fato, o Código de Processo Penal federal dispõe que
a pena privativa de liberdade seja cumprida de imediato, nos termos do art. 494.
A execução imediata da sentença é, aliás, expressamente prevista no art. 495 do
CPP, e que esclarece que essa execução só poderá ser diferida quando tiver de
ser executada contra mulher grávida ou que tenha filho menor de 6 meses no
momento da sentença, ou se o condenado estiver gravemente enfermo e a execução
puder colocar em risco sua vida” (Garantismo Penal Integral, 3ª edição,
‘Execução Provisória da Pena. Um contraponto à decisão do Supremo Tribunal
Federal no Habeas Corpus n. 84.078’, p. 507).
De outra banda, os recursos de
natureza extraordinária não têm por finalidade específica examinar a justiça ou
injustiça de sentenças em casos concretos. “Destinam-se, precipuamente, à
preservação da higidez do sistema normativo, o que ficou mais uma vez
evidenciado, que se refere ao recurso extraordinário, com a edição da EC
45/2004, ao inserir como requisito de admissibilidade desse recurso a
existência de repercussão geral da matéria a ser julgada, impondo ao
recorrente, assim, o ônus de demonstrar a relevância jurídica, política, social
ou econômica da questão controvertida. Vale dizer, o Supremo Tribunal Federal
somente está autorizado a conhecer daqueles recursos que tratem de questões
constitucionais que transcendam o interesse subjetivo da parte, sendo irrelevante,
para esse efeito, as circunstâncias do caso concreto. E, mesmo diante das
restritas hipóteses de admissibilidade dos recursos extraordinários, tem se
mostrado infrequentes as hipóteses de êxito do recorrente.”, afirmou o
então Relator, Teori Zavascki.
Afinal, os julgamentos realizados
pelos Tribunais Superiores não se vocacionam a permear a discussão acerca da
culpa, e, por isso, apenas excepcionalmente teriam, sob o aspecto fático,
aptidão para modificar a situação do sentenciado, sendo que esse índice no STF
é de 1,5% e 10% no STJ.
CONCLUSÃO:
Só existem, de
fato, duas instâncias ordinárias, às quais incumbem o exame de fatos e provas.
As instâncias seguintes são extraordinárias e cabíveis excepcionalmente em
casos de violação legal ou constitucional
Entende-se, pois, ser legítima a execução provisória após decisão de 2o grau e
antes do trânsito em julgado para garantir a efetividade do direito penal e dos
bens jurídicos por ele tutelados. O princípio de não culpabilidade é princípio,
e não regra, e pode, nessa condição, ser ponderada com outros princípios e
valores constitucionais que têm a mesma importância.
1- incentiva a seletividade penal, pois os mais
pobres não têm condições de arcar com custos de recorrer até Tribunais
Superiores;
2- incentiva a proliferação de recursos especiais e
extraordinários, muitas vezes, com caráter protelatório;
3- agrava o descrédito que a sociedade nutre no
sistema penal, pois veem-se réus, autores de crimes gravíssimos, soltos por
anos a fio, estendendo-se, demasiadamente, o lapso entre a a prática de crime e
o cumprimento da pena.
Com tudo isso, busca-se que, por questão de
segurança jurídica, prevista no art. 5º, caput, da CF/88, que a orientação do
STF, no julgamento do dia 17 de fevereiro de 2016, deva ser mantida para
permitir a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau
de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, pois,
conforme acima explanado, não compromete o princípio constitucional da não
culpabilidade.
José de Souza Brandão Netto
Juiz de
Direito na BA
Professor
de Direito Penal na rede FTC/FSA/BA
Ex-Advogado
da União
Ex-Delegado
de Polícia
Aprovado em outros quatro concursos jurídicos.
Aprovado em outros quatro concursos jurídicos.
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