Aumentar excessivamente o valor do plano de saúde de idoso para equilibrar financeiramente as contas da empresa significa impor ônus excessivo e contrariar o Estatuto do Idoso e o Código de Defesa do Consumidor. O entendimento da Vara Cível de São Gonçalo dos Campos -BA, a 107 Km de Salvador-BA.
O juiz José Brandão, titular da Comarca de  condenou a Sulamerica a reduzir, o reajuste de 89% para 9,5% aplicado aos consumidores acima de 60 anos. O Juiz ainda determinou uma multa de diária de R$ 500,00 em caso de descumprimento da liminar. A decisão é válida apenas para a consumidora contratante e ainda cabe recurso.
A ação foi ajuizada por  MARIA DAS GRAÇAS MIRANDA PASSOS. .
A Justiça ressaltou que, é vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade e é visivelmente abusivo elevar-se o valor de uma prestação de R$960,18 para R$1.814.75 tão somente em razão de mudança de faixa etária.
Veja a decisão da Justiça abaixo:
 

"PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA

COMARCA DE AMÉLIA RODRIGUES
JUÍZO DE DIREITO DA VARA CÍVEL


PROCEDIMENTO ORDINÁRIO Nº 0500003.37.2015.8.05.007
AUTOR: MARIA DAS GRAÇAS MIRANDA PASSOS
Advogado: Bel. RICARDO DANTAS MOREIRA OAB/BA 34.697
RÉU: QUALICORP – ADMINISTRADORA DE PLANO DE SAÚDE / SULAMERICA COMAPANHIA DE SEGURO SAÚDE.

DECISÃO L I M I N A R




Alega a parte Autora que firmou contrato com a Ré adquirindo um plano de saúde privado em 1995, migrando para o coletivo em 2012, sendo que pagava ultimamente o valor de R$ 960,18 e todo ano o valor da mensalidade é corrigido conforme parâmetros definidos pela ANS. Ocorre que em dezembro de 2014, a Requerente foi surpreendida com o aumento no valor da mensalidade, sendo que passaria de R$960,19 para R$1.814,75, conforme correspondência remetida pela Requerida (fls. 24).
Alega a requerida que tal mudança de valor se deu por alteração na faixa etária da Requerente, ou seja, somente pelo fato da Requerente está prestes a completar 60 anos de idade, a Requerida deseja praticamente dobrar o valor da prestação mensal.
É o relatório, passo a decidir.
Inicialmente, verifico que a Autora A autora atribuiu à causa o valor de R$788,00, contudo, observando o contrato e os termos da exordial, constato que o valor atual da mensalidade é de R$960,18 e o contrato possui vigência de 12(doze meses, logo, o valor da causa deve ser de R$11.522,16, conforme artigo 259, V do CPC

A jurisprudência firmou o entendimento de que o valor da causa pode ser motivadamente alterado “de ofício” pelo Estado-Juiz, quando não obedecer ao critério legal específico ou encontrar-se em patente discrepância com o real valor econômico da demanda, implicando possíveis danos ao erário ou a adoção de procedimento inadequado ao feito. Precedentes: REsp. Nº 726.230 - RS, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 25.10.2005; REsp. Nº 757.745 - PR, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 23.8.2005; AgRg no Ag 240661 / GO, Terceira Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, julgado em 04/04/2000; REsp 154991 / SP, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 17/09/1998.

Isto posto, restando patente que o valor atribuído à causa não corresponde ao conteúdo econômico do pedido, tão pouco ao valor do contrato, retifico de ofício o valor da causa para R$11.522,16, devendo a Autora proceder com o recolhimento das custas complementares.

A decisão do Supremo Tribunal Federal – STF no tocante à inconstitucionalidade do art. 35 da Lei 9.656/98, não tem o condão de retirar a vigência, aplicabilidade e eficácia do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, muito menos de isentar a acionada a obedecer às determinações do órgão de regulação do setor, no caso, a ANS.
   
A decisão do STF não impede a aplicação do CDC para a tutela dos direitos dos consumidores – usuários dos planos privados de assistência à saúde – posto que o CDC regula as relações de consumo, dentre as quais se encontram os planos de saúde.
Mesmo que se entenda pela inaplicabilidade da Lei 9.656/98, não fica afastada a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor – CDC, pois o seu contrato foi firmado na vigência do CDC, que lhe assegura a aplicação de suas normas de ordem pública.
A relação jurídica em análise, em face da Constituição de 1988 e ao Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90, art. 1.º), caracteriza-se como relação de consumo, disciplinada por normas de ordem pública e interesse social, insuscetíveis de derrogação pela vontade das partes.

"Registro inicialmente que o Código de Defesa do Consumidor aplica-se ao contrato a partir de sua entrada em vigor (11.3.91), apesar de terem as partes firmado avença em data anterior, pois as normas nele previstas são de ordem pública, com incidência imediata nos contratos de execução diferida, como o do caso." (voto do Des. Relator Campos Amaral , in Apel. Cível n.º 47.172/97 , 3.ª Turma Cível do TJ-DFT . Votação Unânime para negar provimento ao Recurso. In DJDF 15.04.98 , p.60)

O posicionamento da jurisprudência é no mesmo sentido:

"Aplicação Imediata. Os Dispositivos legais do Código se aplicam aos contratos de execução continuada ou diferida, celebrado antes da entrada em vigor do CDC." (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery , in "Código de Processo Civil Comentado", RT, 2.ªed., p.1725 )

O Supremo Tribunal Federal – STF tem admitido este entendimento, reconhecendo a aplicação do CDC, pois mesmo que se tratasse de retroatividade, existira a impossibilidade de se prevalecer direito adquirido frente às normas de ordem pública:

"Não pode prevalecer o direito adquirido contra ordem pública (RTJ 121/776). Como as normas do CDC são de ordem pública (CDC, art. 1.º), sobrepõem-se o direito adquirido que lhe for antagônico. No mesmo sentido: Miguel Reale, Parecer, acolhido pelo STF” ( RTJ 121/776)

Assim, mesmo os contratos assinados antes da entrada em vigor da Lei 9.565/98 estão submetidos à égide do CDC, portanto, nenhuma cláusula abusiva, posterior ou anterior à vigência do CDC tem validade, podendo tanto a ANS atuar, na esfera de sua competência legal, para coibir abusos.


O CONTRATO estabelecido entre as partes é de adesão, nos termos do art. 54 do CDC:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. 
§ 3° Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.”      

Nas inúmeras espécies de contratos, com o no caso dos autos, o teor da cláusula é de difícil compreensão para o consumidor, o que redunda em nulidade de pleno direito (arts. 51, X e 54, parágrafo 3o. do Código de Defesa do Consumidor), devendo ser afastada.
De qualquer modo, o CDC prevê que os índices de reajuste devem ser claramente indicados no contrato (CDC, arts.6º, III e 54 § 3º). Contudo, isto não ocorre com a cláusula invocada, pois os reajustes são baseados em critérios genéricos e/ou de difícil compreensão.

De qualquer modo a conduta da ré, exposta na carta dirigida à consumidora, enquadra-se no disposto nos seguintes incisos do artigo 39 do CDC: “IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor; tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços; XI – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.”
Na forma da Lei 9.069/94 – Plano Real – os contratos podem ter correção anual. Porém, no caso dos planos de assistência à saúde, o valor destes reajustes ficam submetidos ao novo marco regulatório do setor de saúde suplementar passou a submeter o percentual ao controle da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, a qual tem competência para regulamentar e fiscalizar o mercado de plano de assistência à saúde.

Não existe nos autos qualquer documento que comprove a autorização do aumento aplicado pela acionada e, nos casos dos contratos novos, a fiscalização e autorização de aumento desta natureza é da ANS, e este órgão determinou o percentual máximo de reajuste anual no período reclamado, em 9,65%, e não no patamar aplicado pela Operadora, estes foram não autorizados e sim, aleatórios.

É necessário dizer que a Resolução citada pela acionada refere-se aos contratos novos e aqueles adequados à nova Lei (9656/98). Tratando-se de contrato posterior à edição da Lei 9656/98 não poderá a acionada estabelecer valores de forma unilateral, sem determinação legal do índice a ser aplicado, e este índice não veio aos autos e não consta no contrato.

Assim, temos a considerar que o reajuste deverá ser no percentual máximo de de 9.65%, conforme anunciado pela ANS.
Evidentemente, que a natureza do contrato tem por objeto bem protegido constitucionalmente, pois a saúde é direito fundamental, cujas expectativas não podem ser frustradas pela ré.
 
Portanto, não poderia a empresa Ré observar outro índice de reajuste das contraprestações pecuniárias, senão o índice autorizado pela ANS, que é o órgão governamental competente para determinar o índice de aumento da mensalidade em razão da variação de custos, pois, caso contrário,

Dessa forma, entendo que não deveria haver o reajuste, no percentual aplicado pela acionada, tampouco por mudança de faixa etária, já que o artigo 15 da Lei 9.656/98 prevê que nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, o que não é o caso dos autos.

Art. 15.  A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E.        (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

O aumento unilateral de preços, previsto ou não no contrato, é sempre abusivo e violam os princípios de equilíbrio e boa-fé que devem embasar as relações de consumo conforme estabelecido no art. 4º, III, do CDC
Logo, é visivelmente abusivo elevar-se o valor de uma prestação de R$960,18 para R$1.814.75 tão somente em razão de mudança de faixa etária.
De acordo com a lei e com a ANS, o reajuste anual que deve ser aplicado é o de 9,65% e o reajuste por mudança de faixa etária não pode ser aplicado no patamar indicado, pois não há previsão expressa contratual do índice a ser aplicado (vide item 17 do contrato) assim, se devido, seu valor será estabelecido oportunamente por este juízo com observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Isto posto, restando presentes os requisitos que autorizam a concessão da
medida requerida liminarmente, quais sejam, o “Fumus Boni Iuris” e o “Periculum in Mora”, DEFIRO o pedido de antecipação da tutela para determinar à Empresa acionada que :

01- suspenda a cobrança do reajuste aplicado unilateralmente no patamar de 89,00%, até ulterior deliberação deste juízo, ficando ainda obrigada a obeservar o índice autorizado pela ANS, mantendo o valor da prestação do seguro-saúde em R$960,18 até que seja autorizada a majoração pelo órgão competente, anualmente;

0 2 - emita os boletos próximos boletos mensais apenas com acréscimos dos índice autorizados pela ANS, devendo, ainda, autorizar todos os procedimentos especificados no contrato que por ventura vierem a ser utilizados pela Autora s e esta se mantiver adimplente.

Se houver descumprimento desta liminar, será cobrada da Ré multa diária
no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada a 100 salários-mínimos.

Intime-se a Autora para proceder com o recolhimento das custas complementares, no prazo de 30 dias, sob pena de revogação da liminar, cancelamento da distribuição e arquivamento dos autos, conforme artigo 257 do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Cite-se a Requerida na forma da lei e com as advertências de praxe.



De São Gonçalo dos Campos-BA para Amélia Rodrigues-BA, 15/01/2015.

JOSÉ BRANDÃO NETTO
JUIZ  "


Fonte: Assessoria da Justiça

1 Comentários