PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
COMARCA DE SÃO SEBASTIÃO DO PASSÉ



AÇÃO PENAL N. 1384162-0/2007
AUTOR:      MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA
RÉU:          VALDIR DOS SANTOS MARTINS

 

DECISÃO

                       
                        Vistos etc.

                        O Ministério Público ofereceu denuncia em face de VALDIR DOS SANTOS MARTINS, qualificado nos autos, pela prática do crime previsto no art. 121, §2º, IV do CP.
                        Narra a denúncia, em síntese, que o acusado, na noite do dia 11/10/2004, por volta das 22:00h, na localidade de ninho de Gata”, distrito de Nazaré do Jacuípe, neste município, aproximou-se de Derneval Santos de Jesus, que caminhava pela rua e, de súbito e pelas costas, deferiu dois violentos golpes de fação na cabeça da vítima, provocando-lhe lesões que foram a causa efetiva de sua morte.
                        Relata que não houve, no dia dos fatos, qualquer discussão entre o autor e a vítima e que, supostamente, o crime teria ocorrido em razão de desentendimentos pretéritos entre Valdir e Derneval, antigos parceiros no cometimento de ilícitos.
                        Informa que o acusado, pessoa violenta, evadiu-se da localidade e, alternadamente, reaparece para empreender ameaças de morte aos irmãos da vítima
                        A denúncia foi ofertada com lastro em inquérito policial (fls. 05-25), cujas peças principais são: termo de declarações de Daniel Pereira Souza (fl. 09); termo de declarações de Daniela Pereira Souza (fl. 11); laudo de exame cadavérico da vítima (fls. 14-15); laudo de exame pericial do local do fato, com fotos da vítima (fls. 16-20); relatório e representação pela prisão preventiva do indiciado (fls. 23-24).
                        À fl. 26 a representante do Ministério Público pugna pela prisão preventiva de Valdir.
                        Por decisão de fls. 28-31, foi determinada a prisão preventiva do indiciado, bem como foi recebida a denúncia de fls. 02-03 em face do mesmo.
                        A mesma decisão determinou a citação do indiciado e designou data de seu interrogatório.
                        Realizada a prisão do réu, foi este submetido a interrogatório extrajudicial (fl. 35).
                        O réu foi citado pessoalmente às fls. 40v., qualificado e interrogado e intimado para apresentar defesa prévia às fls. 41-45.
                        Na audiência de interrogatório do réu asseverou, em suma, que em partes são verdadeiros os termos da denúncia e que cometeu o ilícito pois a vítima vinha o perseguindo e ameaçando de morte.
                        O denunciado apresentou defesa prévia ás fls. 49-50
                        Realizada audiência para oitiva das testemunhas de acusação, foram ouvidos Daniela Pereira Souza, Edvaldo Oliveira e Daniel Pereira Souza (fls. 50-53). A primeira testemunha de acusação asseverou, em resumo, que ouviu diversas pessoas da população dizerem que o autor do homicídio de Derneval foi o réu. Já Edvaldo Oliviera aduziu, em síntese, que no momento dos fatos estava ao lado da vítima e que o réu, subitamente e de costas, empreendeu duas facãozadas na cabeça da vítima, que caiu de bruços no asfalto.
                        A terceira testemunha afirmou, dentre outras coisas, que o réu é uma pessoa muito perigosa e que não sabe informar o motivo do crime.
                        Realizada audiência para oitiva das testemunhas de defesa (fls. 74-84), foram ouvidas as pessoas de Lucimara de Lime Cardeal, Crispina Lima Cardeal, Jailton Lima Cardeal e João Pereira Cardeal. A primeira testemunha de defesa aduziu, em suma, que não presenciou a cena propriamente dita mas viu o corpo estirado no chão e o réu com o facão na mão. A segunda testemunha asseverou que viu o corpo no chão e o réu próximo ao facão. Já a terceira testemunha de defesa alegou que não viu a cena do crime e antes dos fatos viu o réu amolando o seu facão. Por fim, a quarta testemunha aduziu que no momento dos fatos estava dentro de sua cas e não viu a cena do crime e que não sabe informar maiores detalhes sobre a personalidade do réu.
                        FAC do acusado à fl. 96.
                        Alegações finais do MP às fls. 97-100 aduzindo, em suma, que a autoria e materialidade do crime foram provadas nos autos, inclusive pela confissão do réu e prova pericial realizada.
                        Sustenta, ainda, que a aplicação de golpes na parte de trás da cabeça configura a qualificadora relativa á traição, prevista no parágrafo 2º, inciso IV do art. 121 do CP.
                        Requer a pronúncia do réu para que ele seja julgado e condenado pelo Tribunal do Júri nas sanções constantes do art. 121, §2º , IV do CP.
                        A defesa também apresentou alegações finais às fls. 101-103 ressaltando, em resumo, que o réu agiu em legítima defesa e se valeu do único instrumento que tinha ao seu alcance, seu facão.
                        Por fim, pediu a absolvição sumária dizendo que restou provado a excludente de punibilidade.   
                        É O RELATÓRIO. PASSO A DECIDIR. 
                        Cuida-se de ação penal movida pelo Ministério Público em face de VALDIR DOS SANTOS MARTINS, qualificado nos autos, pela prática do crime previsto no art. 121, §2º, IV c/c do CP, tendo como vítima fatal derneval Santos de Jesus.


                        A peça acusatória atribui ao réu o crime de homicídio qualificado pelo emprego de traição, recurso que tornou impossível a defesa do ofendido.
                        Não há preliminares a serem apreciadas.
                        O art. 408 do CPP estabelece que o juiz pronunciará o réu quando se convencer da existência do delito e houver indícios de ele ser o autor, sendo vedado ao julgador a análise aprofundada do mérito da questão, haja vista que tal premissa, por imperativo constitucional, cabe aos integrantes do Conselho de Sentença do Júri Popular. 
                        Procedendo-se, portanto, a atenta análise dos autos, verifica-se que a materialidade do delito está demonstrada pelo auto de exame de corpo de delito de fls. 14-15, consistente no laudo cadavérico da vítima, que informa que o examinado faleceu de traumatismo raquimedular cervical, tendo como causa mortis a lesão através da utilização de instrumento corto-contundente. 
                        Assim, comprovada a morte violenta da vítima, isto é, materialidade do crime, passa-se à autoria do delito. 
                        No que tange à autoria, a mesma foi descoberta sem maiores dificuldades, ante a confissão do acusado na polícia e em juízo, aonde relatou as circunstâncias em que ocorreu o óbito da vítima e disse ter sido o autor dos golpes de facão que o vitimou.
                        O acusado disse em juízo o seguinte, in litteris:

“que realmente deu dois golpes de facão na vítima Derneval Santos de Jesus; que a vítima havia sido presa com o interrogado anteriormente na delegacia deste município (...) o interrogado estava sentado no meio fio amolando seu facão quando viu a vítima passando de bicicleta; quye a vítima passou e voltou; que quando a vítima terornou, o interrogado ficou de pé, e quando ela arrastou a mão por detrás do corpo para sacar seu revólver o interrogado o acertou na cabeça(...)” – INTERROGATÓRIO DO ACUSADO À FL. 43.   

                        Por sua vez, a testemunha Edvaldo Oliviera relatou que esteva no local do crime no momento dos fatos e que viu o réu acertar a cabeça da vítima com um facão, in verbis:

“ que estava conversando ao lado fda vítima; que tinha pedido o café, que; subtamente e de costas para o réu e o depoente, ambos foram surpreendidos com duas facãozadas, proferidas pelo denunciado; que a vítima caiu de bruços no asfalto; (...)que a vítima não pode se defender pois estava de costas para o réu(..)
DEPOIMENTO DE EDVALDO OLIVIERA, FL. 68.

                        Duas das testemunhas de defesa, Lucimara de Lime Cardeal e Crispina Lima Cardeal, também aduziram que viram o corpo da vítima no chão e o denunciado portando o facão.
                        Desta forma, havendo prova da existência do crime de homicídio contra Derneval e fortes indícios de que o acusado é seu autor, resta apenas apreciar o pedido de absolvição sumária da defesa.
                        Segundo dispõe o art. 411 do CPP, o juiz pode absolver desde logo o réu quando se convencer da existência de circunstância que exclua o crime ou isente de pena o réu.
                        No entanto, para o reconhecimento da absolvição sumária com base na legítima defesa é mister que haja prova perfeitamente convincente da presença da causa de exclusão do crime, de modo que a formulação de um juízo de admissibilidade da acusação represente manifesta injustiça.
                        No caso em testilha, isso não corre pois, como bem coloca a própria defesa, nenhuma das testemunhas de defesa contribuíram para o levantamento da tese de legítima defesa.
                        Da análise pormenorizada dos presentes autos, não houve qualquer indício da veracidade das alegações do acusado. Nenhuma das testemunhas sustentou a tese de que a vítima vinha ameaçado o acusado, tampouco presenciaram esta sacando uma arma de fogo no momento dos fatos.
                        Ademais, o laudo técnico foi conclusivo no sentido que a vítima foi atingida de costas, o que exclui a possibilidade de legítima defesa para repelir uma agressão injusta, atual ou iminente.
                        Sobre a necessidade da legítima defesa ficar assente de dúvidas nesta fase para se permitir a absolvição sumária se pode transcrever os seguintes julgados verbis:
“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. DÚVIDA. SENTENÇA DE PRONÚNCIA.
Não exsurgindo cristalina a hipótese de legítima defesa, fica impedida a absolvição sumária na fase da pronúncia.
Recurso provido. Réu pronunciado.” (JDFT-022692, RSE nº 19990210004998 (277293), 1ª Turma Criminal do TJDFT, Rel. Mário Machado. j. 16.07.2007, unânime, DJU 01.08.2007).

“PROCESSO PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - ARTIGO 121, CAPUT, DO CP. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - LEGÍTIMA DEFESA. EXCLUDENTE QUE NÃO AFLORA DE FORMA INEQUÍVOCA. MAIS DE UMA VERSÃO ACERCA DOS FATOS. EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DE MOTIVO FÚTIL - IMPOSSIBILIDADE. RECURSOS NÃO PROVIDOS. UNÂNIME.
Se, da prova colhida no curso da instrução, a alegada legítima defesa não aflora de maneira clara e inequívoca, não se podendo afirmar que o agente estivesse a repelir injusta agressão atual ou iminente e que tenha usado moderadamente dos meios necessários para tanto, não se cogita de absolvição sumária. Na hipótese de haver duas ou mais versões acerca de como um dos acusados haveria entregado a arma ao outro, competente é o Tribunal do Júri para decidir qual lhe pareça mais verossímil. A qualificadora, no juízo da pronúncia, somente pode ser excluída se estiver manifestamente divorciada do contexto dos autos.” (TJDFT-021274, Recurso em Sentido Estrito nº 20020510081383 (242653), 2ª Turma Criminal do TJDFT, Rel. Romão C. Oliveira. j. 12.01.2006, DJU 11.05.2006).


“PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO. MATERIALIDADE E AUTORIA. SUFICIÊNCIA DA PROVA. EXCLUDENTE DO CRIME. INCERTEZA. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. APLICAÇÃO. HIPÓTESE DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. INOCORRÊNCIA. DECISÃO DE PRONÚNCIA. CONFIRMAÇÃO. COMPETÊNCIA DO JÚRI. RECURSO. IMPROVIMENTO.
1. Demonstrada a materialidade do homicídio e inexistindo questionamento sobre a autoria, por força do princípio in dubio pro societate, não há lugar para se cogitar de absolvição sumária quando houver dúvida sobre a alegada legítima defesa, sendo imperioso, ao contrário, a confirmação da pronúncia, eis que, nesse juízo de admissibilidade da acusação, a existência de incertezas remete a discussão para o Júri Popular, juiz natural que é dos crimes dolosos contra a vida.
2. Recurso em sentido estrito improvido.” (TJAP-001909, Recurso em Sentido Estrito nº 476 (11119), Câmara Única do TJAP, Rel. Mário Gurtyev. j. 19.06.2007, unânime, DOE 09.07.2007).

                        Portanto, se da prova colhida no curso da instrução, a alegada legítima defesa não aflora de maneira clara e inequívoca, não se cogita de absolvição sumária, eis que, na hipótese de haver duas ou mais versões acerca das circunstâncias em que se deram os fatos, competente é o Tribunal do Júri para decidir qual lhe pareça mais verossímil.
                        Outrossim, com relação à qualificadora do emprego de traição, ressalto que elas – qualificadoras - só podem ser excluídas quando manifestamente improcedentes, sem qualquer apoio no conjunto probatório, incidindo, também em relação a elas, o princípio in dubio pro societate.
                        O acusado, em tese, matou a vítima pelas costas com golpes de facão na cabeça o que, pelas suas circunstâncias, leva a crer que Derneval não teve qualquer possibilidade de defesa. Outrossim, o aludo pericial e o depoimento da testemunha de defesa Edvaldo Oliviera são conclusivos no sentido de que a ação de Valdir impossibilitou a defesa da vítima posto que esta encontrava-se de costas para o réu, que estava fora de seu alcance ocular.
                        Logo, considerando o que foi dito acima, tal qualificadora deve ser incluída na pronúncia para que possa ser analisada e considerada pelo E. Tribunal do Júri.
                        Pelo exposto, com fundamento no art. XX do Código de Processo Penal, tenho por PRONUNCIAR o réu VALDIR DOS SANTOS MARTINS, qualificado nos autos, pela prática do crime previsto no art. 121, §2º, IV do CP, para que seja submetido a julgamento pelos seus pares, pelos fundamentos acima aduzidos.
                        Por derradeiro, nego ao réu o direito de recorrer em liberdade, uma vez que persistem os motivos da prisão preventiva: o réu inicialmente evadiu-se do distrito da culpa e, segundo careado nos autos, ameaçou os irmãos da vítima.
                        Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

São Sebastião do Passé, ____/____/2008

PEDRO ROGÉRIO CASTRO GODINHO
Juiz de Direito Substituto

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