O crime de registro não autorizado da intimidade sexual e sua distinção em relação ao artigo 218-C do código penal.

Leandro Bastos Nunes, Procurador da República

Procurador da República e Professor.
Procurador da República. Articulista. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Articulista. Autor do livro " evasão de divisas" (editora juspodivm). Palestrante em crimes financeiros. Professor em cursos de atualização para servidores do MPF ( Ministério Público Federal).


 A Lei 13.772/2018 tipificou a conduta de quem produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado, sem autorização dos participantes.
 Eis o teor do dispositivo criminal sub examine:
Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes  (grifos acrescidos)
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo”.
 Referida tipificação teve por escopo permitir o enquadramento de situações que se tornaram rotineiras. A título de exemplificação, imaginemos a situação de um indivíduo que instala uma câmera em um quarto de sua namorada (sem a sua anuência) e começa a registrar imagens por fotos ou vídeos.
 A objetividade jurídica é a tutela da dignidade sexual, e, por conseguinte, a dignidade da pessoa humana, honra e intimidade, evitando-se o registro, filmagem ou captação de cena de ato sexual ou nudez, sem o consentimento dos participantes, desde que em local privado e em caráter íntimo.
 Por seu turno, o artigo 218-C do código penal (cuja entrada em vigor teve início a partir da publicação da Lei 13.718/2018) tipificou a conduta de quem publicar cenas de sexo, sem o consentimento dos envolvidos, tendo sido prevista da seguinte forma:
 Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:
 Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.
 O tipo penal acima tem por objetivo vedar a prática do compartilhamento de imagens, vídeos e outros registros audiovisuais, que abarquem cenas de estupro ou de estupro de vulnerável (ou que faça apologia), ou a divulgação de cenas de sexo, nudez ou pornografia, sem o consentimento da vítima (aqui enquadra-se a famigerada conduta de publicação ou compartilhamento do "nudes" em grupos de whatsapp ou outros meios de divulgação pela internet).
 Enquanto a conduta do primeiro delito refere-se ao fato de quem produzir, fotografar, filmar cenas de nudez, sem o consentimento do envolvido, a conduta do artigo 218-C tem ligação com a hipótese de oferecer, divulgar e publicar, referindo-se a cenas de sexo, nudez ou pornografia, sendo, ainda, delito expressamente subsidiário, uma vez que punido apenas se o fato não configurar delito mais grave.
 Se o agente efetiva uma filmagem e posteriormente a expõe à venda ou produz sua divulgação, responderá por dois delitos (artigo 216-B e art. 218-C), em concurso material de crimes (artigo 69 do código penal), diante da incidência de duas condutas em contextos fáticos distintos.
 Em sentido semelhante, preleciona CUNHA: "... caso o agente faça o registro indevido e posteriormente divulgue a cena, deve responder pelos crimes do art. 216-B e 218-C em concurso material".
 Vale salientar que ambos os delitos são de ação penal pública incondicionada, seguindo a regra estabelecida em relação os crimes contra a dignidade sexual, ou seja, independem de representação ou queixa do ofendido para que seja iniciada a persecução criminal.
 Com efeito, a partir da Lei nº 13.718/2018, todos os crimes contra a dignidade sexual foram alçados à categoria de ação penal pública incondicionada (art. 225 do CP).
 Cumpre salientar que a conduta é punida com aumento de pena (1/3 a 2/3), quando se tratar do revanchismo de quem, ao terminar um relacionamento amoroso, divulga ou pública por vingança, fotos ou filmagens de cena de sexo ou nudez do parceiro, sem o consentimento da vítima (vingança pornográfica ou revenge porn).
 Aludido tipo de publicação ocorre quando, no intuito de se vingar, humilhar ou chantagear, o agente compartilha fotos ou vídeos íntimos de um ex-parceiro.
 De outro lado, se a conduta foi praticada antes da entrada da lei em vigor, o fato pode ser tipificado como difamação e injúria.
 Se, porém, envolver criança ou adolescente, poderá ser tipificado no artigo 241 ou 241-A do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), diante doprincípio da especialidade.
 Ressalte-se que, a teor do artigo 234 do CP, os fatos em apuração referentes aos crimes contra a dignidade sexual correrão em segredo de justiça.
 Por seu turno, trata-se de crimes de ação múltipla ou conteúdo variado, significando que a perpetração de mais de uma conduta prevista no núcleo do tipo penal, em um mesmo contexto fático, não implicará na incidência de concurso material de crimes, e sim em crime único.
 É relevante registrar que a vítima de tais crimes deve imediatamente providenciar o registro, mediante o boletim de ocorrência (BO), além da solicitação de retirada das imagens ou vídeos ao responsável pela administração do site.
 Em relação ao elemento subjetivo, cumpre registrar que os delitos são dolosos, não sendo punida a conduta meramente culposa do agente, haja vista a ausência expressa da modalidade culposa, e somente são punidos se não houver o consentimento da vítima.
 Por fim, cumpre salientar que a publicação de imagens ou fotos íntimas na internet ocasiona sérios danos à vítima, tendo sido registrados inúmeros casos de suicídios, problemas psiquiátricos, e traumas psicológicos decorrentes da respectiva conduta criminosa, conforme pesquisa efetivada pela psicóloga Sônia Eustáquia, sendo oportuno trazer à colação os seguintes relatos:
"(...) A pessoa que se fotografa nua para uma pessoa específica, ela pode não ter a dimensão do quanto isso pode lhe prejudicar, caso haja vazamento das imagens. Sabemos que o estado emocional da vítima fica péssimo: A auto estima cai, o medo aparece e também aparecem alguns sintomas de “paranoia”, como: “todo mundo está me olhando e censurando” ou “eu agora vou ficar mal falada” ou “vou perder amigos” dentre outros pensamentos negativos. As vezes a menina entra em estado depressivo o que pode levar até ao suicídio. Em novembro de 2013, Júlia Rebeca, de 17 anos, se suicidou em Parnaíba (PI) depois que um vídeo seu fazendo sexo começou a circular nas redes sociais. A ONG SaferNet, registra mais denúncias feitas por mulheres, chegando a 81%. E a maior parte dos outros 19% são de homens que marcaram encontros com outros homens e passaram a ser ameaçados de ter sua orientação sexual revelada. Geralmente os homens heterossexuais não procuram ajuda e não sofrem grande consequência. As mulheres sentem um impacto social maior..." (disponível em http://www.soniaeustaquia.com.br/a-nudez-na-internet/),
 Como se nota, embora de forma tardia, o legislador trouxe importantes inovações no âmbito do direito penal, cujas condutas deverão ser rigorosamente apuradas e punidas pelos órgãos de persecução penal e Poder Judiciário no Brasil.
REFERÊNCIAS
ARAUJO, Renan. Lei 13.718/18 – Alterações nos crimes contra a dignidade sexual – Importunação sexual, vingança pornográfica e mais. Disponível em: https://www.estrategiaconcursos.com.br/blog/lei-13-718-18-alteracoes-nos-crimes-contraadignidade-sexual-importunacao-sexual-vinganca-pornograficaemais/. Acesso em 27 de dezembro de 2018.
CUNHA,Rogério Sanches.Breves comentários às Leis 13.769/2018, 13.771/2018, e 13.772/2018. Disponível em https://www.editorajuspodivm.com.br/cdn/arquivos/416cc1c6a6b29df0ad327918a8502593.pdf. Acesso em 28 de dezembro/2018.
EUSTÁQUIA, Sônia. A Nudez na internethttp://www.soniaeustaquia.com.br/a-nudez-na-internet/. Acesso em 27 de dezembro/2018.

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